Muita gente me diz que algumas histórias que conto aqui na coluna parecem inventadas. Eu mesmo acho que sim. Mas, aos poucos, venho descobrindo que a vida de todo mundo, dependendo da forma que é contada, parece mentira, de tão rica e interessante. A diferença entre as pessoas é esta, penso eu. A vida é extremamente divertida para quase todos.

Rubem Braga escreveu sobre canivetes, beija-flores e jabuticabas. E era delicioso de ler. Em contrapartida, conheci gente que descrevendo o estouro de uma manada de elefantes nas estepes do Burundi consegue dar sono. É uma questão de alma, talento, sei lá. Uma espécie de disposição para ver o que existe de contável dentro do que se vê.

Agora este texto ficou parecendo comercial de operadora de telefonia móvel. Por que eu estou falando dessas coisas mesmo? Ah! Uma história sobre Natal. Que eu saiba contá-la é o que eu espero. Vamos lá.

Nós tínhamos como cliente uma cadeia de lojas e a gente resolveu apelar para o mais conhecido e eficaz de todos os recursos promocionais: botar um Papai Noel em cada loja ouvindo o pedido das crianças e tirando fotos.

Não pretendíamos ganhar o Grand Prix de promoção, já que esta ideia é mais antiga que o próprio Papai Noel, mas quem lida com varejo sabe que é certeza de uma multidão fazendo fila para encher o saco do bom velhinho.

No nosso caso, não foi diferente. Desde o começo de dezembro foram contratados uns 30 Papais Noeis, que iam se revezar no saguão das lojas, num cenário, esse sim, absolutamente novo: com trenós, renas e neve de isopor. Nunca ninguém viu nada igual.

Tinha também um insuportável Jingle Bell tocado numa caixinha de música, responsável por vários ataques histéricos de vendedores e vendedoras. Um deles atacou uma rena com um esqui, outro quebrou o sistema de som a cabeçadas, para se ter ideia do que Jingle Bell tocando o dia inteiro numa aporrinhola pode causar. Vamos aos fatos.

Numa das lojas, aliás a maior, percebi que o Papai Noel do horário da tarde escondia nas vestes uma garrafinha de guaraná, que ele ia sorvendo aos poucos, nos intervalos do trabalho. Podia ser água ou guaraná mesmo, pensei, pois eu acredito em Papai Noel.

Acontece que, à medida que o tempo passava, o bom velhaco ia ficando cada vez mais vermelho e seus ho-ho-ho mais altos, num claro prenúncio de que o cara enfrentava o inverno na Lapônia com água que rena não bebe.

Era umas três da tarde quando uma mamãe, de microssaia e sem sutiã, trouxe um garotinho para fazer os seus pedidos. Achei pouco ortodoxa a saudação do Santa Claus para a pressurosa mãezinha: “putaqueopariu, minha filha, Deus abençoe essa saúde!”. Pareceu-me que tinha entendido errado, e não tomei providência imediata. Foi a grande burrice.

Logo depois, o Papai Noel perguntou para um menininho se ele já batia punheta. Para outro garoto, de uns 12 anos, constrangidíssimo com a mãe o tratando como criança, aconselhou pedir dinheiro para o pai e “ir às putas”.

Depois de meia dúzia dessas, levantou-se avisando à fila que estava precisando “dar uma mijada”. Foi despedido no banheiro, onde aprontou o maior esporro já visto no local, com direito aos palavrões mais cabeludos, troca de sopapos com os seguranças e quebra do balcão de um quiosque de perfumes.

As crianças deliravam e, por incrível que pareça, apesar do porre e da demissão, Papai Noel não parecia irritado com as crianças, pois dava cajadadas, pontapés, dizia impropérios, mas, de vez em quando, olhava para as criancinhas e recitava: “ho-ho-ho-ho, Papai Noel é foda!”

As crianças adoravam, batiam palmas e repetiam em coro: “Papai Noel é foda! Papai Noel é foda!”. Coisa linda. Um Natal inesquecível.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor