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Em março, a P&G, maior anunciante do mundo em compra de mídia, anunciou uma reinvenção das relações com as agências. Dentre iniciativas que visam a redução no número de parceiros para diminuir custos e a internalização de processos como o planejamento de mídia, uma das bases da transformação era a maior integração entre os times de mídia e criação das agências. 

Mesmo pertencendo a empresas diferentes, com objetivos distintos, os profissionais precisarão se integrar para ajudar as marcas da empresa a terem uma comunicação criativa que, ao mesmo tempo, faça bom uso dos canais com seus consumidores.

Segundo Marc Pritchard, global brand officer do anunciante, a ideia dessa reinvenção é romper com um modelo arcaico, eliminando os silos entre criativos, clientes e consumidores. “Conforme o mundo da mídia se torna fragmentado, a separação causa complexidade e altos custos”, afirmou. 
Com essas medidas, a P&G cortou o número de agências com as quais trabalha em 60%, de 6 mil para 2,5 mil, o que reduziu os custos de produção e fees em mais de US$ 750 milhões. E Pritchard quer ir além: planeja cortar o número de agências em mais 50%.

As vantagens financeiras para os anunciantes são claras quando se adota um modelo mais integrado de agências. Com todos seus pontos positivos e falhas, o modelo publicitário brasileiro responde a parte dos questionamentos de Pritchard, já que integra as operações de criatividade e mídia, num momento em que unir operações tem se tornado uma grande tendência do mercado como resposta à queda de lucratividade nos grandes grupos.

Dessa forma, o que acontece no país começa a ser observado com mais atenção pelos executivos estrangeiros. Cresceu o número daqueles que já declaram simpatia pelo modelo de mídia e criação integrados, num cenário em que não faz mais sentido uma ideia sem se pensar na forma criativa como ela vai utilizar os meios para se comunicar com o consumidor.

No Brasil, existe um modelo único autorregulamentado pelo mercado, que é reconhecido no mercado internacional, com mídia internalizada, e garantido pela atuação de entidades como o Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), a Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) e o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), entre outras.

“Nosso modelo não era benchmark, mas está virando. Sabemos dos defeitos e qualidades dele, e há problemas que podem ser minimizados. Lá fora, a discussão hoje é sobre integração, e não tem feito mais sentido discutir mídia como uma parte do negócio e criatividade como outra. Mesmo quando envolve agências do mesmo grupo, já dá problema. Nosso modelo não é campeão, mas é a tendência”, explicou Mário D’Andrea, CEO da Dentsu Creative Group e presidente da Abap, durante debate promovidos pelos 53 anos de vida do PROPMARK, no auditório da ESPM, em São Paulo, no último dia 7. “Vivemos uma mudança sofrida, mas tenho certeza que vamos agradecer a quem está fazendo essas alterações, assim como agradecemos àqueles que ajudaram a fundar nosso modelo há 50 anos”, completou.

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Essencial
Todos debatedores concordaram nas qualidades do modelo brasileiro. A regulamentação, atestaram, é essencial a um mercado que gera empregos e movimenta a economia. 
“Somos a favor de um mercado livre, ético e responsável. Liberdade também é importante, para que cada agência, anunciante e veículo possa escolher o modelo para si, de acordo com o serviço que mais valoriza. A autorregulamentação ajuda a garantir, em meio a isso, um mercado mais ético. O segredo é fazer um bom balanço disso tudo”, analisa João Branco, diretor de marketing do McDonald’s e presidente da ABA.

Para Marcia Esteves, presidente da Grey, é importante o mercado debater seu modelo, como feito no caso do evento do PROPMARK. É somente com esse tipo de iniciativa que o setor conseguirá evoluir e se adaptar às novas tecnologia, sem perder a força que construiu em muitas décadas.
“São conversas claras e transparentes a respeito de problemas e soluções. O mundo muda todos os dias, por isso, precisamos ter instituições para conversar e garantir a transparência das relações entre agências, veículos e anunciantes. Isso impacta na confiança do mercado, de que podemos olhar nos olhos de alguém e ter a segurança de que se trata do melhor parceiro para construir marcas e tornar o mercado cada dia melhor. Se o cenário é de dúvidas ou desconfiança, perde-se a credibilidade”, avalia.

Em relação ao modelo, Esteves afirma que é fácil jogar pedra por ele se tratar de um tipo de relação única no mundo, mas contrapõe que o Brasil tem se tornado um sinônimo de integração bem-sucedida. Um país que sempre foi conhecido pela qualidade de criatividade, expressa nos inúmeros Leões que suas agências já conquistaram e vão conquistar, agora passa a ser visto pelo olhar estrangeiro como um centro para se testar e aprovar novos modelos de atuação, mais integrados e efetivos.

“Muitos clientes multinacionais experimentam diversas coisas no Brasil, já que podemos oferecer serviços muito diferentes entre si, como os digitais, ou até o shopper marketing. Nesse sentido, o modelo integrado que temos aqui é exemplo. Lá fora, os anunciantes precisam falar com uma agência para criatividade e outra de mídia, colocando as duas juntas no mesmo lugar. Mesmo que digam que vão atuar juntas, não tem jeito: cada uma tem sua missão a cumprir, com agendas diferentes”, analisa.

Fernando Taralli, presidente da VML Brasil, lembra que as agências digitais ampliaram a necessidade de cobrar pelo custo de hora-homem, por conta da quantidade de profissionais necessários para as entregas nesse segmento, um modelo mais próximo da realidade internacional, mas com mistura com aspectos do modelo brasileiro. “O modelo vem evoluindo dentro da premissa da transparência. No meu caso, quando uso um profissional de mídias sociais, preciso dele diariamente, por causa da demanda pelo tipo de serviço. Hoje em dia, todo conteúdo precisa ser impulsionado, então, não posso ter esse profissional remunerado no formato tradicional”, ressalta. Nesse caso, afirma, o modelo de comissionamento sobre a mídia não funcionaria.

Balizas mantidas 
“Eu nasci nesse país, já sob esse modelo e tenho dificuldade de transição para outros. Nós, do Cenp, quando questionados pelo Cade, fomos atrás para descobrir por que nosso modelo funcionava tão bem. A verdade é que, mesmo depois de tanto tempo, os fundamentos da atividade não se alteraram. As relações comerciais continuam as mesmas”, diz Caio Barsotti, presidente do Cenp.

Segundo ele, mesmo modelos como o hora-homem sempre foram considerados como custos internos, previstos nas normas. “Há uma geração de publicitários com dificuldade de entender as linhas de receita de uma agência. Uma delas é a intermediação de mídia, mas também há custos internos, que é o hora-homem, e a preocupação com a produção do que é criado. Então, as balizas são as mesmas”, diz.

O profissional garante que a transparência sempre foi um valor para o modelo brasileiro, tanto que as regras estão claras. “Todos sabiam que a agência recebia 20%. O pedido de inserção (PI) é o mesmo do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Isso tudo dá uma velocidade e economia de escala que não são mensuráveis economicamente falando. Há inúmeras razões para entendermos por que esse modelo deu tanto resultado e, oxalá, vai continuar dando”, opina o executivo.

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Potencial
Toda essa discussão sobre o modelo não pode ignorar o fato de que, no mercado brasileiro, como aponta D’Andrea, o investimento per capita em propaganda no Brasil, surpreendentemente, está atrás de países como Finlândia, Noruega e Argentina. O potencial de crescimento nos investimentos, nesse sentido, é imenso, e discutir o modelo de remuneração é importante num cenário que se desenha tão positivo para o futuro.

“Estamos tirando leite de pedra, com a alta qualidade dos profissionais. É importante entender que o mercado brasileiro, além de premiado, se sobressai em diversas outras questões, como na integração que fazemos tão bem”, diz o presidente da Abap.