Ora, por ocasião da festa, costumava-se soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse. E tinham então um preso bem conhecido, chamado Barrabás. Portanto, estando eles reunidos, disse-lhes Pilatos: qual quereis que vos solte? Barrabás ou Jesus, chamado Cristo? Decidi: qual desses dois quereis vós que eu solte? E eles disseram: Barrabás. Disse-lhes Pilatos: Que farei então de Jesus, chamado Cristo? Disseram-lhe todos: Seja crucificado. Estando Ali, filho de Jedeão, irmão de Jafé, no meio da multidão, chamou seu pai e disse: eu não vos falei que é impossível confiar nesta gente? Parte dessa história é verdadeira ou, pelo menos, está na Bíblia. Parte dela, a opinião de Ali, é invenção minha.

Se fosse verdade, teria sido Ali, filho de Gedeão, irmão de Jafé, o primeiro cientista político da história. O primeiro comentarista de eleições. E, certamente, teria concluído o que eu inventei que teria falado: vá confiar no povo pra ver o que acontece. O que eu quero com esta citação bíblica, em primeiro lugar, é agradar o prefeito eleito do Rio de Janeiro. Em segundo, é mais uma vez confirmar o que eu sempre soube: não dá para procurar qualquer lógica nas decisões da multidão.

Claro que depois do resultado das urnas, os oito mil e novecentos cientistas políticos, registrados como tal, explicam com riqueza de detalhes as profundas motivações que levaram as pessoas a votar neste ou naquele candidato. E, nesse ponto, alguns parecem ter fumado a mais parruda das maconhas disponíveis no mercado.

Deliram com a tranquilidade dos que sabem que, seja o que for que foi dito ou escrito, pode ser tão verdade quanto o exatamente o contrário. Eu, que acredito piamente que meu relativo sucesso como publicitário se deu exatamente porque sempre confiei no ser humano, ou seja, eu nunca esperei de ninguém, ainda mais em grupo, qualquer coerência, não me surpreendi com a voz das urnas.

Ou alguém consegue me explicar como é que os ricos do Rio de Janeiro, as elites, os que têm algo a perder, os que deveriam estar ao lado da lei, da ordem e da manutenção dos privilégios, votaram no candidato radical de esquerda; enquanto o povão, os fudidos, os que apanham da polícia e estão à mercê dos milicianos, votaram no Bolsonaro e no representante da Igreja Universal? Sim, se eu gastar um pouco de tempo descubro mil razões para me convencer, mas vai ser difícil encontrar qualquer índice de razoabilidade no fato de que o pessoal do Carnaval elegeu um pastor protestante para comandar a cidade.

Não estou com isso achando que é certo ou errado, mas eu só queria registrar meu pasmo. Deixando um pouco a política de lado, mas ficando mais ou menos no assunto, eu queria entender também o fenômeno das novelas. Todos os colunistas de TV, todos os intelectuais que conheço, todos os motoristas de táxi – esses profundos analistas da sociedade – me afirmam que ninguém mais aguenta novelas. Que o esquemão noveleiro pertence a um passado prestes a ser enterrado. Daí os autores tentam modernizar roteiro e linguagem e dão com os burros n’água. Depois de amargarem uma queda brutal de audiência, mais uma vez constatam que as pessoas querem mesmo é mocinha manquinha ou ceguinha, pura e ingênua, casando com o cara rico. Ou com o príncipe encantado, que monta um corcel branco e dirige carro de corrida.

Agora, vá ouvir o que as pessoas falam sobre dramaturgia. Levassem a sério, estávamos tendo Godard às 9 da noite. E já que comecei com a Bíblia, me permita terminar com ela. É João quem escreve: “Estando Ele em Jerusalém, durante a festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que Ele fazia, creram em seu Nome; mas Jesus não confiava neles, porque os conhecia a todos. E não necessitava que alguém lhe desse testemunho, pois Ele bem sabia o que havia na natureza humana”.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)