Exageramos. Nos entregamos demais. As coisas saíram de controle. Demoramos a nos dar conta do absurdo de revelar tanto sobre nós mesmos. Entregar tanto o ouro, como se diz. Nos enxergamos, embasbacados, na série Black Mirror, que nada mais é do que a metáfora da realidade que já vivemos, com algumas nuances turbinadas. A culpa foi nossa, de mais ninguém. Nós não perguntamos o suficiente, não nos informamos o suficiente. Preferimos a diversão a pensar nas implicações. E, de repente, começaram os sustos, sequenciais, rotineiros, ao perceber quantas informações coletaram a nosso respeito. Privacidade virou um termo quase datado, uma coisa poeirenta que ficou no século passado.

Mas trago boas notícias. 2018 promete ser o ano em que deixaremos, finalmente, de sonhar acordados, reconhecendo que erramos. Erramos rude. Demos de mão beijada informações preciosas para empresas do mundo digital que se alimentam de dados, sob o manto auspicioso de facilitadores da vida, salvadores do tédio. A liberdade dada a essas gigantes aladas finalmente acusou o excesso e bateu no teto. Os algoritmos das redes sociais – cruel subproduto do imenso volume de informações compartilhadas – se transformaram em encheção de saco para usuários.

O volume de fake news reduziu reputações e credibilidades. E até mesmo a publicidade digital oferecida às marcas escorregou feio no próprio mar de volumosas promessas. Da velha esperança de promover o contato humano, unir comunidades em torno de determinados temas, viabilizar a saudável troca de ideias e intercâmbio de oportunidades de trabalho, as redes sociais se transformaram em uma espécie de ringue de radicalismos, tormento psicológico e novas formas de bulling geradas algoritmicamente.
Não tem sido fácil lidar com o fim dessa paixão que parece não ter futuro, pela falta absoluta de confiança e de cumplicidade. E devo dizer que o saldo desse relacionamento – nosso, com as redes sociais – não foi lá essas coisas. Desenvolvemos síndromes, vícios, manias, depressões, ansiedades de toda ordem. Uma nova doença dos tempos modernos está sendo chamada de “frieza social”: é a preocupação exagerada com o que se publica ou curte em redes sociais. Neste mundo monitorado por algoritmos e passos registrados 24X7, podemos acabar mergulhados em excesso de autocensura e “rigidez social”, uma espécie de conformismo e aversão ao risco.

Pesquisas indicam, cada vez mais, a insatisfação das pessoas com as redes socias. Uma delas, feita pelo portal The Verge e a Reticle Research no fim do ano passado, nos EUA, mostrou um cenário de desconforto por parte de 15% de usuários do Facebook, por exemplo. A paixonite passou, o amor não ocorreu e ficamos tempo demais esperando a nossa grande recompensa no final. E tudo o que encontramos no final do arco-íris foram… problemas.

Mas eu tenho esperança: 2018 tem tudo para ser o ano da virada e o começo de um novo relacionamento – entre pessoas e empresas, entre empresas e empresas, e entre pessoas e pessoas – neste ambiente tão caótico em que se transformou o digital. Legislações pipocam pelo mundo, pessoas cobram a privacidade perdida, programas de controle de qualidade de mídia digital ganham força para garantir e comprovar que investir na mídia digital pode valer, sim, a pena. Muitos movimentos indicam que este será o ano em que daremos adeus ao vale-tudo, retomando e exigindo alguns valores essenciais esquecidos pelo caminho como transparência, ética e respeito.

Leia mais
Coca-Cola quer recolher 100% das suas embalagens
Mercado se prepara para a “Black Friday” da educação após resultado do Enem