Eu resolvi pegar o trem.
É tanta gente que dá até medo.
Tem gente correndo para cima de você; outros dando um passo sobre o vão, sem saber se o pé vai pousar; aqueles que baixam a cabeça, juntam os braços e partem para a batalha; o zumbido das estações; a plataforma cheia, ameaçando encolher.
E é também onde eu voltei a encontrar gente de verdade, despida de máscaras e estereótipos fáceis.
Todo dia tem alguém que levanta para deixar a senhora sentar, e esta: “Obrigada, mas eu tô bem aqui!” – num misto de orgulho e de quem ainda vai dar muito trabalho nesta vida.
Ela é bem diferente das lembranças que tenho da minha avó, e não preciso de pesquisa para saber disso.
Teve uma vez em que eu, “pobre coitado”, saí achando o meu dia insuportável e, para piorar, chovia.
Espremido dentro do trem, pensei em achar outra vida.
Daí, entrou um senhor, cego, muito simples, encharcado da cabeça aos pés, mas com a dignidade intacta.
Seu rosto era pura altivez.
A calma com que permaneceu ali, esquecido no meio de tantos, e claramente entendendo tudo aquilo com naturalidade, me inspira nos dias mais difíceis.
Ele ficou apenas duas estações, e até hoje acho que era um anjo.
O melhor dia é sexta à noite, quando os casais se encontram na plataforma.
Gostava mais do tempo em que a ausência do celular fazia o encontro mais dramático.
Afinal, havia sempre o frio na barriga de ela (ou ele) não aparecer.
Um bando de jovens é o mesmo bando da minha época.
A verdade fundamental ainda é a mesma, a vontade de fazer parte de algo maior, a segurança de quem ainda não trombou com os muros, o ímpeto, a paixão.
Tem o celular, têm os vícios, tem o individualismo. Só que também tem o companheirismo, a sagacidade e, principalmente, o certo e o errado.
Eles sabem, eles conversam, os amigos se empurram, o menino continua olhando abobado para a menina que, sentada dois amigos para lá, continua fazendo o mesmo charme.
Entre os vendedores ambulantes e os artistas de rua, os que mais me encantam são os repentistas modernos, os rappers.
Para quem nunca viu, sugiro o trem do metrô, da estação da Sé para o Jabaquara, em São Paulo, entre 15h e 18h, no qual muito provavelmente você vai encontrar um desses artistas.
Eles não entram cantando, primeiro percorrem o trem, estudam os carrancudos, o grupo de meninas, o garoto bonitão, o sisudo e a senhora agarrada à sacola de plástico.
Na segunda estação, já com a letra na cabeça, fruto de sua bagagem cultural, imaginação, talento e profunda observação das pessoas daquele vagão, partem para o ataque.
Ligam o estéreo a tiracolo, que solta um ritmo compassado, e cantam em versos secos, amarrando o que têm para dizer com tudo aquilo que observaram.
Passam depois coletando o que o público desejar pagar. Tenho certeza de que alguns são melhores publicitários do que eu.
No fim de semana, encontro famílias e a eletricidade é outra.
As crianças estão ali, grudadas no braço do pai, sentadas no colo gostoso da mãe.
Existe uma serenidade no ar, de que esse caminho é tão bom quanto o destino.
Os mais novinhos dormem gostoso, enquanto os mais velhos surfam, acompanhando o gingado dos trilhos e invariavelmente caindo alegres.
Descem a escada que sobe, arrastam-se embaixo da catraca e ouvem o grito dos pais, certos e felizes de estarem sendo observados.
Esses têm nome, são o Pedro e a Nina, da minha Vanessa, meus amores.
André França é vice-presidente de mídia da WMcCann