Rogério Fernandes de Macedo, fundador da Associação Sunbin de Wushu e Cultura Chinesa de São Paulo, está na Conexão Ásia desta semana
Há quem encare as artes marciais apenas como técnicas de autodefesa e livros como ‘A arte da guerra’ apenas como manuais de combate a adversários. Porém, tanto a prática quanto o clássico milenar do pensamento estratégico chinês revelam não um convite ao confronto, mas um repertório profundo sobre disciplina, tomada de decisão e inteligência situacional. É sobre essas competências indispensáveis a qualquer liderança estratégica responsável, que o sinólogo Rogério Fernandes de Macedo, fundador da Associação Sunbin de Wushu e Cultura Chinesa de São Paulo, fala na entrevista a seguir.
Você é um dos poucos sinólogos brasileiros membro do World Sinology Center (Centro Mundial de Sinologia), além de ter outros certificados, como o do International Confucian Association (ICA), na China. Qual é a importância desses reconhecimentos?
O Centro Mundial de Sinologia é focado em pesquisas sobre a China. Em 2024, quando foram celebrados os 50 anos de relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular da China, foi fundado o Conselho Brasileiro de Sinologia como parte do Conselho Mundial de Sinologia. E eu fui convidado como integrante, junto de outros professores e pesquisadores do Brasil. Já o ICA foi criado para falar do confucionismo e todos os membros-fundadores são parentes do próprio Confúcio. Um deles é Kong Deli, professor da Universidade Beijing Jiaotong, na China, onde eu estava fazendo meu doutorado sobre a sinologia chinesa, e tive o privilégio de ser apresentado a ele por meio do Instituto Confúcio da Unicamp.

Sua pesquisa é sobre sinologia comparada. Isso significa estudar como os chineses estudam a China, certo?
Minha questão veio do livro que traduzi na graduação e depois no doutorado – tema da minha pesquisa – do linguista chinês Wang Li, ‘A história da linguística chinesa’. No quarto capítulo, ele fala dos sinólogos ocidentais e da relação deles com o chinês, mas o material é feito para ensinar os chineses sobre a história da língua. Foi aí que percebi que ele estava explicando o que é sinologia na China (Han Xue, estudos dos clássicos Han) e fui pesquisar. No texto, Wang Li cita política e filosofia como objetos de estudo da sinologia chinesa. Enquanto a sinologia ocidental pesquisa tudo, na China, estudam política e filosofia – o que, claro, abre outros leques. Desde o período imperial, a própria filosofia produz política, produz teorias que funcionam como leis; essas leis são oficializadas e se tornam política.
E como surgiu seu interesse pela China?
Eu comecei a estudar chinês na adolescência, na própria comunidade chinesa na década de 1990.
O interesse veio pelas artes marciais?
Na verdade, eu me interessava pelo modo como os chineses resolviam as coisas. Eu via televisão, lia livros sobre artes marciais, mas o modo como resolviam os problemas é que me chamava a atenção. E só usavam a arte marcial em último caso, ainda assim para se defender. A arte marcial serviu como porta de entrada para a cultura chinesa. Escrevi um artigo publicado na China sobre isso. Quando a arte marcial é ensinada de maneira consistente, ligada à cultura, dança, vestimenta e história das armas, tudo se amplia; não fica só na luta, vira um contexto cultural.
A arte marcial funciona como um elo cultural...
Para os brasileiros, seguramente é essa porta. Muitos chegam querendo “praticar”, depois dizem que é “pela saúde”, e só mais tarde percebem: “A cultura chinesa me atrai”. Mesmo quando se chega pela luta, existe um contexto cultural antigo: guerras, textos militares, ‘A Arte da Guerra’ de Sun Zi (popularmente conhecido como Sun Tzu), o período de Guan Gong (Guan Yu, na verdade, pois Guan Gong é a referência para Duque Guan), respeitado nas artes marciais. Entender a história dele (período dos Três Reinos) mostra que a justiça era primordial na arte marcial. Saber ser justo e entender o contexto. Por que lutar? Para quem lutar? Qual o propósito?
Leia a íntegra da reportagem na edição impressa de 24 de novembro.