Conheça a história da Shincare na entrevista de Maria Catarina Shin

Elas têm traços orientais, fruto do amor à primeira vista entre os pais, descendentes de coreanos Shin e japoneses Furukawa. Mas, embora sob influência asiática, Maria Catarina, Maria Renata, Maria Sofia, Maria Paula, Maria Fernanda e Maria Isadora são brasileiras típicas – expressão da miscigenação étnica e cultural que torna o país tão singular. Inspiradas em suas origens, mas atentas às necessidades de skincare de mulheres brasileiras, uniram ancestralidade e o olhar local para criar a Shincare, como conta Maria Catarina Shin na entrevista a seguir.

Como surgiu a ideia da Shincare e qual a importância da ancestralidade de vocês como inspiração?
Somos uma casa de sete mulheres e sempre fomos muito vaidosas. Desde criança, lembro que a minha mãe sempre se cuidou muito. E, antes dela, a minha avó por parte de pai, que é coreana. Tenho uma lembrança muito marcante de vê-la guardando produtos de beleza na geladeira. Eu olhava aquilo e achava bizarro (risos)!

Qual exatamente é a origem oriental de vocês?
Somos descendentes de coreanos por parte de pai e japoneses por parte de mãe. Eles se conheceram quando tinham uns 22 anos e foi amor à primeira vista. Minha mãe nasceu no Brasil, mas cresceu na colônia japonesa de Itaquera (bairro de São Paulo), que tem a cultura nipônica bem enraizada. Mas minha mãe é uma japonesa bem brasileira. Os dois são dentistas. Ela é professora de faculdade, dá aula num curso de especialização, então tem um jeito muito aberto, muito falante, algo que certamente herdou do Brasil. Depois, viemos nós, uma escadinha. Somos seis mulheres e dois homens. E como minha mãe é muito devota de Nossa Senhora e São José, todos nós temos nomes compostos com Maria e José na frente deles. Então somos: Maria Catarina, José Filipe, Maria Renata, José Victor, Maria Sophia, Maria Paula, Maria Fernanda e Maria Isadora.

O fato de crescerem em uma família grande, com influência cultural asiática contribuiu ou dificultou a decisão de empreender?
Crescemos em uma base familiar muito boa, muito sólida. Nossos pais sempre foram pessoas muito presentes nas nossas vidas, na nossa educação... Somos muito unidos. Aqui é meio assim: se um está mal, todos estão mal; se um está bem, todos estão felizes. Acho que isso é um pouco da nossa ancestralidade asiática. Claro que há brigas de família, mas há um senso maior de viver em comunidade, de pensar no grupo, no coletivo e acho que isso é das nossas origens, sim.

Abrir a empresa foi uma escolha coletiva?
Sempre tivemos uma vontade muito grande de empreender, só não sabíamos ainda no quê. Mas também sempre tivemos muita cautela: se íamos empreender, tinha de ser algo que gostássemos de fato, que conhecêssemos, que tivéssemos propriedade para atuar na área... E aí volta a questão da vaidade, do autocuidado, da proteção da pele, que era algo que nossas amigas também sempre falavam conosco, pediam dicas do que fazemos com a nossa pele. Então, quando fui à Coreia do Sul, em 2019, com meus pais, fiquei impressionada. É uma mistura de muita tradição com muita modernidade. Aqui no Brasil, o povo é mais expansivo, mais hospitaleiro; lá eles são um pouquinho mais fechados, os costumes são diferentes. E esse contraste entre as culturas ocidental e asiática é muito interessante. Você vai andando pela rua e aí entra em um prédio extremamente tecnológico, onde está havendo um evento sobre kimchi, uma comida tradicional, milenar, um patrimônio da Coreia. É um país muito moderno, mas eles nunca deixam de olhar para o passado, respeitam muito a história do que o país passou. Isso é muito bonito de ver.

E é uma história impressionante...
Sim. E muita coisa a gente nem sabe, porque pouco se fala aqui e não estudamos na escola. É um país que até hoje está tecnicamente em guerra (com a Coreia do Norte). Uma coisa que eu só fui entender quando me tornei adulta, foi a minha avó sempre colocando muita comida pra gente quando éramos crianças. E tínhamos de comer tudo, até o último grão de arroz. A gente reclamava, mas hoje eu entendo o contexto. A Coreia era um país muito pobre, então a comida é algo muito importante. Havia um muro entre o Ocidente e o Oriente, mas agora esse muro está sendo rompido. E aí, quando fiz essa viagem, minha cabeça ‘explodiu’!

Mas qual foi o momento realmente decisório?
Foi no ano passado, mas antes disso, em 2019, foi meu primeiro contato. E naquele período começou a ter um boom de produtos e da imagem coreana: o BTS, os doramas, o Psy... E, lá, eu fiquei chocada com tudo, falava para minhas irmãs que elas tinham de conhecer. Tem uma coisa que minha irmã Renata fala que é muito real. Nós, de origem asiática, passamos por uma virada de chave na vida quando vamos à Ásia, porque nós vivemos no Brasil, nossa cabeça é de ocidentais. E nesse cenário, a gente diz coisas como: ‘Ah, não quero ouvir música coreana; ah, não quero ir para a Coreia, é muito longe...’. Mas ao mesmo tempo temos os traços todos orientais e sentimos falta de representatividade. Somos brasileiras, mas não nos enxergam como tais.

As irmãs "Marias" Fernanda, Renata, Catarina (em pé, da esq. para dir.) e Isadora, Sophia e Paula (à frente) que fizeram do hábito do autocuidado um empreendimento (Alê Oliveira)

Chegaram a sofrer alguma discriminação?
Na escola, era comum. Na adolescência, houve um dia em que Renata e eu estávamos indo para o crossfit e ouvimos uma pessoa dizer: ‘Ah, vocês vieram para cá para roubar o emprego de todo o mundo’. Lembro que nos olhamos e ficamos pensando: ‘Nós somos brasileiras!’. Também teve uma vez, durante a pandemia, em que, do nada, disseram que voltássemos para nossa terra porque estávamos aqui espalhando vírus. É muito chato. Sem contar que, em geral, acham que todos asiáticos são japoneses, ‘tudo a mesma coisa’. E isso é muito complicado, porque nós somos brasileiras, nossa cabeça é de brasileira. Então, quando eu voltei da Coreia, falei: ‘Meninas, vocês precisam ir!’.

Foram juntas?
Depois da viagem com meus pais, fui de novo com meu marido, que me pediu em casamento lá. Ele sempre gostou muito da cultura asiática e queria conhecer.

Ele é descendente de orientais?
Nada! É brasileiro de origem italiana e polonesa. E Renata é casada com um descendente de português e árabe.

Essa mistura toda é muito a cara do Brasil...
Sim! E nós somos muito brasileiras (risos)!

No que você trabalhava nessa época?
Desde o início da minha carreira, trabalhei em banco. Sou formada em engenharia de produção, mas trabalhava com análise de risco de crédito. Minhas irmãs também sempre trabalharam em banco, com exceção da penúltima, que trabalha com informática, e da caçula, que vai prestar vestibular para administração. Mas a virada de chave para criarmos a empresa foi no ano passado.

E como foi exatamente?
Estávamos juntas conversando – a gente sempre conversa muito sobre tudo, sobre a vida, o futuro – e nos questionávamos se estávamos felizes. Eu tinha acabado de fazer 30 e estava com aquela vontade de empreender. Olhei para Renata e perguntei se ela não tinha vontade também. Eu sentia que era o momento. E aí é como se fosse um brainstorm. Depois, estudando as possibilidades, o que de fato gostávamos, o que queríamos fazer, acabamos retomando aquilo que já tínhamos desde sempre, que era o tema do autocuidado, as referências de atenção com a pele desde a nossa avó... A partir da escolha, fomos entender o mercado, pesquisar marcas. Já tínhamos tantas referências legais, já éramos muito consumidoras de skincare, além do fato de eu ter voltado da Coreia com muita informação nessa área, de ter visto o quanto estavam à frente com esses produtos. Aí foi só juntar o útil ao agradável.

Mas antes disso, vocês ainda voltaram à Coreia, né?
Quando decidimos mesmo abrir a empresa, achamos que precisávamos voltar para ver o que estava acontecendo no mercado, o que havia de novo, pois o que eu tinha visto por lá da primeira vez chegou aqui com um delay de uns dois anos. E para Renata, que era a primeira vez por lá, também teve outro aspecto muito bom, porque ela – que já chegou a se sentir envergonhada por ser de origem asiática, diante de tanta discriminação – passou a se sentir representada, a se aceitar. Depois disso, tudo passou a ser mais fácil. Saímos do trabalho no banco e passamos a dedicar 100% à empresa, que está crescendo rápido.

E como se deu esse crescimento? Vocês contaram com alguma agência?
A gente começou fazendo tudo sozinhas: todos os processos, abrindo empresa, CNPJ, patentear a marca... Já tínhamos criado um nome que é uma referência ao nosso sobrenome coreano, Shin – o sobrenome japonês é Furukawa. Aí fomos para a logomarca, as embalagens. Inicialmente, foi entrar na internet, colocar lá “design de produto” e procurar. Depois nos indicaram uma pessoa muito boa; fomos atrás de fornecedores brasileiros para a produção dos cosméticos...

E o que vocês diriam para quem tem esse sonho de empreender?
Tem de ter muito foco, tem que saber priorizar. Não pode aceitar tudo. As ideias serão várias, mas a partir daí, você  se senta, começa a pensar sobre elas, prioriza, planeja. O planejamento tem de ser algo realmente muito claro para que se saiba para onde se quer ir: ‘Onde queremos estar daqui a seis meses?’. Essa tem de ser uma pergunta constante.

Em geral, o brasileiro ainda tem muita dificuldade em planejar as coisas. No caso de vocês, vale o estereótipo de que os orientais são melhores com organização e planejamento? Como vocês fazem?
Normalmente vamos por um caminho muito simples: nos sentamos, escrevemos tudo – tipo papel e caneta. A partir daí, começamos a organizar em tópicos, a escrever à mão mesmo e vamos priorizando as ações. Usamos uma planilha de Excel depois para registrar tudo o que a gente precisa e vamos organizando. Temos um calendário do mês todo e, com o passar da semana, vamos revendo o que faz sentido, as atividades dos dias seguintes e tudo mais. E acho que teve uma influência do meu pai, sim. Eu lembro que, sempre quando tínhamos prova na escola, ele não queria nada desorganizado: tínhamos de responder as questões corretamente e as coisas não podiam ser de qualquer jeito. Eu acho ainda que crescemos em um ambiente muito corporativo e isso também ajudou. Herdamos coisas práticas que os bancos têm. E nossas formações, administração e engenharia, ajudam bastante.

Vocês já comentaram que embora a inspiração e a tecnologia sejam coreanas e o uso de muitos ativos asiáticos, vocês querem ter uma cara de Brasil...
Sim! Por mais que nós usemos ingredientes asiáticos, ativos asiáticos, sempre tem algum ingrediente, alguma composição brasileira que funciona junto com eles, como o óleo de licuri (extraído de uma palmeira da caatinga), que é bem brasileiro. Na parte de produção, só usamos mão de obra brasileira. E todo produto é pensado para a pele das mulheres daqui que vivem sob a influência da variedade climática do país. Acompanhamos de perto todo o trabalho com nossos fornecedores, conversamos muito sobre o que queremos, sobre a tecnologia que trazemos para os produtos e os resultados que desejamos, somos muito criteriosas para estarmos todos sempre na mesma direção.

Vocês participam das atividades da cultura coreana em locais como o bairro do Bom Retiro, aqui em São Paulo?
Em agosto, participamos do festival de cultura coreana por lá. Foi muito legal! Conhecemos os diretores de associações coreanas que também participam. Esses eventos servem para essa troca de contatos. Mas conhecemos muito ali também por causa da minha avó que nos levava quando ia visitar as amigas que moravam por lá.

E quanto aos próximos seis meses da Shincare?
Estamos com uma presença digital bem forte. Mas percebemos que faz sentido estarmos em marketplace, então começamos a trabalhar nisso. Nossa pretensão é ir para pontos físicos: grandes farmácias, perfumarias e vendermos para distribuidoras. Também teremos novos produtos – hoje temos quatro lançados. Há muita coisa ainda para oferecer, pois percebemos grupos de consumidoras que nunca fizeram sequer as etapas básicas de cuidado com a pele. Então, estamos aproveitando esse momento em que a K-beauty está muito presente em tudo para conversar mais com elas, orientá-las sobre os produtos corretos para cada tipo de pele e não apenas no que está na moda. E para isso, somos nós que falamos direto com elas, não temos robôs para responder nas redes. Muitas mulheres ainda têm dúvidas sobre os cuidados básicos, então nós mesmas estamos por trás do Instagram, somos a central de atendimento. Nós somos muito digitalizadas, mas nesse momento em que tudo está sendo automatizado, nós queremos um atendimento mais humanizado possível.