“Publicidade é uma comunicação persuasiva, assim como todas as outras, desde que os homens fizeram sinais e emitiram sons. Com o tempo, desenvolveram a fala e a escrita, a retórica, a dialética, as figuras de linguagem, o audiovisual. Este texto, inclusive, é uma tentativa de persuasão, assim como os anúncios – às vezes convencem, às vezes não.

E quando é que os anúncios convencem? Quando dizem respeito a necessidades e desejos, mesmo que apenas latentes, que tenham aderência à cultura do público-alvo. Assim sendo, parte da sociedade pode ter desejos de eliminar à força uma favela ou de entrar num sex shop, mas a dissonância cognitiva pode lhes tirar a aderência da comunicação, se esta vier a existir.

A cultura vigente é dinâmica e acompanha a moral, que também varia de acordo com o tempo e o lugar. Escritos ou não, códigos morais foram muito diferentes desde a antiguidade até hoje. Basta lembrar o Império Romano, os índios antropófagos, o apartheid, o culto às celebridades, o fundamentalismo religioso e mais um monte de coisas que circulam na internet. Fala-se muito no ‘ser melhor’, no fim dos preconceitos – esta é mais uma das vertentes, quando verdadeira.

Uma característica importante do nosso tempo é a falta de unanimidade. A sociedade é multifacetada e multiorientada e daí surgem censores, controladores, agressores, aqueles que desejam moldar todo mundo dentro das suas convicções, desrespeitando a cultura e a moral dos outros. Daí surge, inclusive, o patrulhamento pelo ‘politicamente correto’.

Mas a sociedade não se criou para ser subjugada por quem quer que seja. No caso do Brasil, apenas estabeleceu uma Constituição que nos garante a liberdade de expressão, desde se compatibilize com os direitos fundamentais dos cidadãos e com outros bens protegidos, tais como: moralidade, saúde e segurança pública. E acrescentou regulamentações e leis complementares.

Há duas maneiras de mudar as leis de um país: pelas influências ao Legislativo e ao STF, se for o caso, ou pelo processo revolucionário da afronta e da força, como fizeram os gays ao simular a crucificação de Jesus ou como faz o Estado Islâmico. No campo das influências, fica fácil entender por que o Alana e a Anvisa, entre outros, lutam tanto para disseminar sua ânsia de censura. Assim como os revolucionários, eles querem poder para mudar ou regulamentar a Constituição segundo suas vontades. E ocupar o espaço político.

Então, a publicidade pode circular livremente? Nem tanto. Existe o aparato legal, que vale para todos e, especificamente, o Código Brasileiro do Consumidor. Quando ela se autorregula, o faz muito bem em relação ao green washing, por exemplo, ou a qualquer assunto de julgamento puramente objetivo. Mas quando entra na subjetividade, quando o assunto é moralidade pública, é preciso cuidado redobrado. A moral é muito elástica e acompanha as manifestações culturais. Publicidade também é cultura e esta não quer censores.

Censor é aquele que determina o que as nossas famílias vão acessar nos museus, nas revistas, na internet, na televisão ou em outros meios. Mas nós precisamos da cultura, pois sabemos que a criatividade se alimenta do relacionamento de informações. O controle remoto e o mouse são de nossa propriedade, nós não concordamos em emprestá-los ao censor.

E não deveria caber às leis proibir propaganda de maus produtos antes de proibir ou corrigir os produtos. Gorduras trans, por exemplo. À propaganda, assim como aos nossos Códigos de Ética, cabe, em primeiro lugar, cumprir as leis. Se um produto é legítimo, ele pode ser anunciado. Se deve ser anunciado ou não, fica por conta da consciência de cada um. Julio Ribeiro jamais aceitou contas de governo. Mas outras agências aceitaram, legitimamente.

E nós voltamos a dialogar sobre cultura e moralidade. Qual é a moral ideal a ser seguida pelas agências de propaganda? A cultura e a moral vigentes. O que a Globo mostra no Carnaval do Rio e de São Paulo, por exemplo, é uma manifestação cultural, faz parte da moral vigente exibir aqueles corpos seminus e dançar. E não se pode censurar a cultura impondo palavras pretensamente corretas, desprovidas de humor, inclusive. A cultura disseminou a denominação gay, que nem é uma palavra da língua portuguesa, mas está posta, é válida. O que não impede que um cara cheio de trejeitos seja chamado de veado. Velho, baixinho e gordinho não é idoso de baixa estatura, levemente obeso; não chamaremos os pretinhos que adotamos de afrodescendentes, porque a palavra não é carinhosa; e a Verão é gostosa, tudo o que se espera de uma boa cerveja.

Ofendeu o leitor? Melhor mudar de página porque não faz parte do meu público-alvo. E o campo do jogo é democrático.

Os preconceitos estão disseminados. Noutro dia saiu uma reportagem criticando o governo porque enviava aos Sem-Terra ‘comida e, pasmem, até cachaça’. Nada a favor das invasões do MST e seu financiamento público. Mas é claro que, no interior, uma linguiça frita pede uma caninha. Ou por acaso cachaça é produto ilegítimo?

E onde ficam os Indicadores de Sustentabilidade que a Abap construiu junto com a ESPM? Esses são os instrumentos para uma melhor consciência das agências em suas práticas. Para que elas observem as leis e para que contribuam com o aperfeiçoamento da cultura e da moral vigentes, através de uma comunicação criativa e de qualidade. Assim como um bom livro. Mas, como dissemos, a publicidade deve ser aderente à cultura, caso contrário não terá qualidade nem efeito. O Inferno de Dante era aderente ao século 14.”

Marcelo C. P. Diniz é publicitário e autor de “Será a propaganda culpada?” (Ed. 5W)