Tenho lido gente inteligente e bem preparada dizer que o Brasil está correndo o risco de um golpe contra a democracia, que estaria sendo orquestrado por uma elite conservadora e pela mídia golpista, cabendo a esta a função de manipular a opinião pública e inflar os ânimos dos brasileiros. Não sei identificar quem exatamente compõe essa “elite conservadora”, mas imagino que dela façam parte todos os que estão penando com a crise, uma categoria na qual muitos estão incluídos, infelizmente. Por exemplo, a indústria, que teve crescimento negativo de 12% em 2015; o comércio, que amargou na faixa de menos 5%; alguns milhões de desempregados, que alimentam um índice que já ultrapassou 8% de nossa força de trabalho… quem sabe agora, também, os advogados… e certamente os que foram às ruas no último dia 13.

Os que acusam a mídia de alimentar esse estado de ânimo alegam interesses econômicos que não são assim exatamente fáceis de enxergar. As empresas de mídia, quanto à origem de suas receitas, são divididas em dois grupos: a) os que dependem fundamentalmente da verba de publicidade, como é o caso dos jornais e revistas; b) os que dependem exclusivamente da publicidade, como é o caso das rádios, sites e TVs. E, considerando que no Brasil o governo, que há anos é o maior anunciante do país, vem batendo recorde em cima de recorde em termos de investimento publicitário, é pouco provável que os veículos estejam insatisfeitos com o bolão a ponto de incentivar uma revolta.

Tendo passado a minha vida profissional trabalhando e convivendo com veículos de primeira classe, sou testemunha de que o foco principal, a prioridade, o cuidado das boas empresas do setor é sempre com o leitor, o ouvinte, o telespectador. E vou contar um fato que ocorreu comigo na Abril.

Era 1994 ou 1995, não me lembro exatamente, não sei se o FHC já havia assumido, mas já estava mandando. Trabalhávamos em oito diretores em uma só sala sob o comando de Thomas Souto Corrêa e as coisas do ponto de vista financeiro na editora não estavam assim uma Brastemp. Precisávamos aumentar, com urgência, o faturamento de publicidade, já que crescer em assinaturas e bancas é um processo lento e complexo. Uma tarde toca o meu telefone, é a secretária de Roberto Civita, que o coloca na linha. “Dalton, nós temos alguma coisa vendida para a Petrobras na próxima Veja?”. Nós tínhamos 20 páginas, dez duplas sequenciais bem vendidas, um faturamento muito importante para a editora e também para mim, que não tinha salário na Abril e era remunerado sobre o que eu vendesse acima do orçado. “Dalton, vamos derrubar. Não vamos publicar esses anúncios”, disse Civita.

Confesso que tentei argumentar. E o Civita explicou: “Nós estamos fazendo uma matéria denunciando práticas irregulares na Petrobras. Não vamos misturar isso com anúncios. Se tiver anúncios junto com a matéria, o leitor tem todo o direito de desconfiar que nós sabíamos de mais coisas ainda e não as publicamos para não perder a verba”. E a Veja não publicou os anúncios. Eu liguei para a agência, que era a Caio Domingues, falei com o meu amigo Eduardo Domingues e assim foi. Eu vi. Eu estava lá. Civita preferiu perder uma verba importante, em um momento crítico, para manter um compromisso ético com o leitor. Acho que o momento que estamos vivendo é oportuno para que esta história se torne pública.

Ao longo de minha vida profissional muitas vezes testemunhei governos de todos os partidos reclamando da mídia. Imaginem, por exemplo, como FHC ficou irritado quando, em 21 de maio de 1997, a mesma Veja publica uma capa com o título: Reeleição. A compra de votos no Congresso; para ficar num exemplo entre muitos dos quais nós todos nos lembramos.

Desde o fim do regime militar, a Indústria da Comunicação brasileira sempre esteve, e creio que sempre estará, unida em defesa da liberdade de expressão. Essa liberdade de expressão fiadora da democracia, que permite ao povo saber de todos os malfeitos cometidos com seu dinheiro. E que representa, isso sim, sempre um grande golpe contra os governantes de plantão que os praticam.

Dalton Pastore Junior é CEO da Corpora Estratégia e Comunicação, presidente do ForCom e integrante da Comissão de Defesa da Liberdade de Expressão da OAB