A presidente da Associação Brasileira da Indústria do Vestuário está na Conexão Ásia desta semana

“Como você vai largar sua carreira para trabalhar com confecção?” Foi essa a pergunta que a publicitária Cinthia Kim ouviu dos pais coreanos ao trocar a vida corporativa pelo negócio da família no Bom Retiro, bairro paulistano que segue crescendo sob uma forte influência coreana.

A escolha se mostrou acertada e a levou à presidência da Associação Brasileira da Indústria do Vestuário (ABIV). Hoje, como a primeira mulher à frente da entidade, ela busca reposicionar a percepção pública do bairro ao peso econômico e cultural real que ele tem.

Poderia contar um pouco da sua trajetória como descendente de coreanos, sua vivência no bairro até chegar à liderança da ABIV?

Eu sou da primeira geração da comunidade coreana nascida no Brasil. Meus pais vieram crianças, em um dos primeiros navios, em 1962, e estudaram aqui. A minha educação, apesar da influência coreana em casa, foi totalmente brasileira. Meus pais, assim como muitos coreanos, seguiram o caminho da moda e abriram uma confecção na década de 1980. Mas sempre me incentivaram a seguir o meu caminho. Valorizaram muito a minha educação, independentemente da área e, por isso, fiz comunicação na ECA-USP e fui trabalhar em agência de propaganda. Durante 10 anos segui a carreira de publicitária, bem longe da confecção e do Bom Retiro. Em 2013, cansei do mundo corporativo e resolvi fazer uma transição de carreira para trabalhar com moda na confecção da minha família. No início, meus pais ficaram espantados: “Como você vai largar sua carreira para trabalhar com confecção?”.

Nossa confecção era pequena e tradicional, uma empresa familiar, com funcionários que já estavam há muitos anos na empresa... Foi outro mundo para mim, que estava acostumada a trabalhar com clientes grandes, verbas milionárias. Foi enriquecedor aprender como funcionava uma confecção – desde a ideia de um modelo até o produto ser vendido para o cliente. Vi também como era difícil ser uma pequena empresa.

Em 2019, a ABIV foi criada e vi na associação uma oportunidade de contribuir para o crescimento da minha confecção e de tantas outras que viviam a mesma realidade. Trabalhar no Bom Retiro, vivenciar o bairro e suas questões, me motivou a extrapolar os limites do próprio negócio. Em 2020, entrei em contato com um dos conselheiros porque queria fazer parte. Fui aprovada para integrar o conselho e, a partir daí, sempre participei ativamente dos projetos da associação. Em 2024, surgiu a oportunidade de assumir a presidência. Topei o desafio.

Bom Retiro é um bairro que carrega fortes marcas de ondas migratórias. O que existe de “essencialmente coreano” na lógica de trabalho, no ritmo comercial e na estética do polo de moda hoje?

O termo “fast fashion” foi usado pela primeira vez em 1989 pelo New York Times, mas acredito que ele sempre esteve presente na maioria das confecções lideradas por coreanos. Existe uma expressão coreana, “ppalli ppalli”, que significa “rápido, rápido”, e vejo isso claramente no ritmo de trabalho das confecções coreanas. Da pesquisa de tendências às vitrines, tudo acontece de forma muito veloz. Por isso, o Bom Retiro é conhecido por antecipar no Brasil cores, designs e modelagens que estão em alta uma estação à frente nos Estados Unidos e na Europa. Nas coleções, procuramos uma abordagem mais ampla, sem reproduzir literalmente o estilo coreano nas peças, pois o gosto da mulher brasileira difere do das asiáticas.

Cinthia Kim, presidente da ABIV | Imagem: Bruno Chicaroni

Você atua em uma região que foi influenciada pela comunidade coreana. Como essa herança molda seu olhar para modernização, gestão e inovação de um bairro que sempre viveu entre tradição e reinvenção?

Viver entre a tradição e a modernização é um grande desafio porque, quando falamos das confecções coreanas, vemos que algumas ainda são muito tradicionais e lideradas pela geração dos meus pais. Mas estamos vivendo uma fase de transição, com muitos empreendedores jovens assumindo os negócios da família ou começando a empreender. Acredito que este é um ótimo momento para acelerarmos a inovação e a modernização nas empresas. Por ter vivenciado uma confecção muito tradicional, sei o quanto esse processo pode ser decisivo e é por isso que quero, por meio da ABIV, ajudar quem ainda está nessa etapa a evoluir, porque sei que isso é crucial para a sobrevivência das empresas.

Ao assumir a presidência da ABIV, você percebeu algum tipo de expectativa associada ao fato de ser descendente de coreanos?

A ABIV foi criada por empresários coreanos, então acabo sentindo uma expectativa natural da comunidade de que a entidade apoie os empresários e contribua para o bairro como um todo. Falo de empresários de todas as culturas, não somente coreanos. Já da sociedade, fornecedores, parceiros e associados, acredito que a expectativa seja a de um bom trabalho com vistas a valorizar cada vez mais o potencial econômico do Polo de Moda, independentemente da minha descendência.

Leia a íntegra da reportagem na edição impressa de 1 de dezembro.