Uma vez o jornal O Globo me fez uma falseta que destruiu a minha tranquilidade. Pediu para indicar quais seriam, na minha opinião, as dez melhores músicas brasileiras.

A ideia foi fazer o mesmo com várias “autoridades” e apresentar o resultado como uma seleção quase definitiva das melhores músicas populares brasileiras de todos os tempos.

Alguém do Instituto Cravo Albim ou do Globo deve ter digitado alguma coisa errada e o meu nome apareceu como entendedor de MPB. Daí a minha participação na pesquisa.

Mas, como não fica bem deixar de atender o Ricardo Cravo Albim ou O Globo, fiz a minha listinha e perdi completamente a paz.

Indiquei A Flor e o espinho, de Nelson Cavaquinho; Construção, de Chico Buarque, As rosas não falam, de Cartola; Aquarela do Brasil, de Ary Barroso; Asa branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira; O bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc; Foi um rio que passou em minha vida, de Paulinho da Viola; Carinhoso, de Pixinguinha e João de Barro; A jangada voltou só, de Dorival Caymmi; e Três apitos, de Noel Rosa.

Agora eu explico meu problema. Enviei a lista para o jornal e meia hora depois me deu o estalo que eu tinha me esquecido de Esses moços, pobres moços, de Lupicínio Rodrigues.

Na mesma noite, antes de dormir briguei comigo mesmo pela indesculpável omissão de Adoniran Barbosa.

Aí me veio uma dúvida: do mestre Adoniran, deveria entrar Iracema ou Saudosa Maloca? No café da manhã do dia seguinte, quase liguei para o jornal para interditar a lista. Não tinha uma única obra de Tom Jobim. Nem de Vinícius.

E passei semanas assim. Revia mentalmente a lista e entrava em sofrimento. Como explicar a omissão de Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa? Nada de Cazuza (Brasil, por exemplo)? Ou não seria melhor Faz parte do meu show?

É justo não citar Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense?

Não consegui achar uma boa explicação para ter me esquecido de Cabelos Brancos, de Herivelto Martins e Marino Pinto.

“Não falem desta mulher perto de mim/Não falem, pra não lembrar minha dor/Já fui moço, já gozei a mocidade/Se me lembro dela, me dá saudade/Por ela, eu vivo aos trancos e barrancos/Respeitem, ao menos, os meus cabelos brancos”. E se for para falar das músicas que me comovem, não posso deixar de fora Conversando no bar, de Fernando Brant (“Que no fundo do quintal morreu, morri a cada dia dos dias que vivi/Cerveja que tomo hoje é apenas em memória dos tempos da Panair/A primeira Coca-Cola foi, me lembro bem agora, nas asas da Panair/A maior das maravilhas foi/Voando sobre o mundo, nas asas da Panair”).

Na mesma linha, Renato Teixeira e sua Romaria (“Sou caipira, Pirapora…). E Gil? Caetano? Bem, estou tentando me livrar deste carma. Tento desesperadamente me esquecer da lista.

Tenho muito mais o que fazer, e até mesmo escrever esta crônica semanal para meus parcos (mas fiéis) leitores. E tenho muito trabalho para fazer.

É preciso apenas se concentrar, não é mesmo?

Mas como fui me esquecer de “Nada do que foi será/De novo do jeito que já foi um dia/Tudo passa, tudo sempre passará”. Perdão Nelson Motta. Perdão leitores.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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