Na coluna anterior, abordei a questão de que o modelo publicitário adotado é o pecado original da mídia digital e que esta precisa ser refundada para ter um futuro sustentável. O primeiro passo cabe aos anunciantes e às agências, que precisam cair na realidade de que esse meio não está valendo o dinheiro para ele destinado. Inclusive porque a maior parte se perde em comissões de todos os tipos, em grande ineficiência e numa quantidade imensa de fraudes.
Na real, pelo baixo valor resultante em “working media”, o que de fato chega aos consumidores, o digital deve ser hoje a mais cara de todas as mídias – isso pensando em termos internacionais, em que o digital já abocanha perto de 35% das verbas; no Brasil, onde fica em torno de 10%, o prejuízo é bem menor, felizmente. Se os anunciantes e agências não mudarem de atitude diante do digital e não passarem a exigir desta mídia tudo o que exigem das demais, pouca será a mudança efetiva.
O segundo passo cabe aos próprios líderes do digital, que precisam assumir que são organizações de mídia e passarem a seguir todas as regras e práticas que as demais seguem. Entrando em aspectos específicos, é fundamental definir padrões gerais e aceitáveis de visibilidade para displays e vídeos. Padrões construídos de comum acordo pelas três partes, ou seja, clientes, agências e a mídia digital. O que vale para tudo o que se segue, aliás.
Também é fundamental haver redução do volume de mensagens publicitárias, especialmente nas páginas mais populares da internet, onde o exagero é evidente e o resultado final é a desvalorização do potencial de cada uma delas. Respeito ao consumidor é outro ponto de mudança essencial. Tanto no aspecto da privacidade como da inteligência. Ou seja, nada de coletar dados de forma sub-reptícia ou através de truques variados, agindo de modo desonesto com as pessoas usuárias. E muito cuidado com publicidade de gosto duvidoso, exageros, truques irritantes e anúncios fantasiados de conteúdo. As pesquisas sobre o meio precisam ser robustas e adotar os mesmos parâmetros já definidos para as demais mídias, para não induzir anunciantes e agências a erros de planejamento, negociação e execução.
Toda e qualquer mensuração pós-veiculação deve ser passível de controle independente e precisa adotar, por default, padrões gerais predefinidos pelas partes interessadas. Não pode ser desenvolvido e controlado pela mídia nem desenhado para cada caso particular.
O passo seguinte é a estruturação de padrões de mensuração multimídia, de modo que o digital possa ser efetiva e operacionalmente comparado com os demais meios. É preciso empregar a mesma moeda para monetizar todas as mídias. Reduzir o excesso de intermediários, consolidadores e prestadores de uma ampla variedade de serviços pouco úteis é outro passo importante, de modo a simplificar o processo e eliminar valores que oneram o custo real da mídia digital.
Finalmente, mas não menos importante, é fundamental que não haja nenhuma condescendência com as fraudes, qualquer tipo dela, inclusive as embarcadas em processos pouco transparentes e regras impostas pelos grandes operadores do digital.
Para tudo isso será preciso combinar regulação com autorregulação. A regulação já começou na Europa, com o GDRP, e deve ser realizada nos EUA, na esteira do último escândalo do Facebook. E haverá em muitos países. No Brasil, além do Marco Civil da Internet, será preciso avançar em aspectos ligados ao campo da publicidade.
Mas será fundamental, igualmente, a autorregulação geral e específica do digital. Seja para definir padrões globais, seja para as necessárias adaptações nacionais.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)
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