No Dia da Consciência Negra, profissionais do setor refletem sobre os desafios, avanços e o que fazem para promover a inclusão racial
O dia 20 de novembro celebra a memória de Zumbi de Palmares, líder do Quilombo de Palmares. Morto em 1695, Zumbi se tornou um dos maiores símbolos de luta e resistência contra a escravidão. Atualmente, a celebração do Dia da Consciência Negra destaca a importância de reconhecer e valorizar tanto a luta quanto a cultura negra.
O mercado publicitário frequentemente reflete as lacunas sociais, com a presença de minorias subrepresentadas, especialmente a comunidade negra, muitas vezes limitada em oportunidades e visibilidade. A ausência de perspectivas diversas não apenas limita a riqueza de narrativas e experiências compartilhadas nas campanhas, mas também perpetua estereótipos.
“A indústria de publicidade e as agências desempenham um papel muito relevante na construção de narrativas culturais. Dessa forma, torna-se fundamental que assumam o compromisso de promover representações responsáveis, justas e respeitosas de grupos diversos, contribuindo para o enfrentamento do racismo, da homofobia, do machismo, da xenofobia e dos estereótipos que atentam contra a dignidade e os direitos humanos e civis da população brasileira”, declara a professora Antonia Aparecida Quintão, orientadora de pesquisas sobre diversidade racial nas organizações na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Refletir sobre a diversidade dentro das agências não é apenas uma questão de justiça social, mas uma necessidade para impulsionar criatividade, inovação e autenticidade. Pensando nisso, o propmark conversou com líderes que compartilharam os desafios, avanços e projetos de agências voltados para a inclusão racial.
Wunderman Thompson
Camila Arruda, CPO na Wunderman Thompson, conta que a agência reconhece a autenticidade e sa ingularidade como elementos essenciais para ter as melhores pessoas, que produzem trabalhos mais humanos, únicos e criativos. A CPO destaca o “Manual da agência sem racismo” e o estudo global “A onda da inclusão”, que compartilharam com o mercado. Além do “Relatório de inclusão, equidade e diversidade”, que em breve contará com sua 3ª edição.
“Criamos também, há alguns anos, um grupo de afinidade para discussão das questões sobre raça, que nós chamamos de Coletivo Gonzales, formado por pessoas que representam a diversidade racial. Estamos no segundo ano do Programa de Desenvolvimento e Aceleração de Carreiras Negras e, recentemente, conduzimos a sétima edição da Semana da Equidade Racial, um evento de grande importância na agência, que todo ano tem um tema específico e conta com rodas de conversa, painéis, palestras, entrevistas com personalidades, pensadores ou especialistas de diferentes temáticas.”
A Wunderman Thompson ainda lançará, nas próximas semanas, um site dedicado à diversidade, compartilhando insights, conteúdos e materiais para expandir a discussão para além dos limites da agência.
SoWhat
Well Bruno, criativo e articulador de diversidade e inclusão na SoWhat, acredita que a importância da diversidade racial na publicidade não difere da sua relevância em qualquer outro setor da sociedade. "Ela nos convoca para a promoção de reparações estruturais, oriundas dos efeitos do racismo, que por séculos tem desenhado rotas de exclusão, impedindo que profissionais pretos tenham acesso a determinados espaços. Por si só, nosso senso de responsabilidade e consciência em relação aos desdobramentos de três séculos de escravidão em nosso país deveriam nos mover mais rapidamente na direção da construção de um mercado mais justo e igualitário".
Para além o profissional conta que promover a ingressão de pretos e pretas no mercado é, de alguma forma, reconhecer a importância e influência do povo negro nas artes, na cultura e, cada vez mais, na produção de conhecimentos voltados para a comunicação e formas de consumo, ou seja, é investir em inteligência e inovação.
Na SoWhat, Bruno explica que inicialmente, existe um mapeamento transversal da densidade da diversidade em uma amostragem geral, seguido por análises específicas por área e hierarquia. Esse processo proporcionou um diálogo mais substancial com a liderança, identificando áreas específicas que demandavam mais atenção.
"Nosso senso de diversidade inclui outros vetores essenciais, como identidade de gênero, orientação sexual, idade, origem e a presença de alguma deficiência. A partir dessas análises, construímos um plano de ação robusto, resultado do estudo de uma literatura especializada, e o dividimos em quatro pilares fundamentais: mapeamento contínuo, sensibilização e letramento da comunidade, instrumentalização de lideranças e acompanhamento constante", completa.
Dessa forma, a abordagem abrangente não os auxilia a promover uma cultura mais inclusiva e diversificada, mas também contribui para o desenvolvimento contínuo de estratégias e práticas que impulsionam a igualdade de oportunidades em todos os níveis da organização.
Soko
Johana Quintana, head de people & cultura na Soko, fala que a publicidade é responsável por criar sonhos e construir o futuro e, com isso, sua responsabilidade com relação à diversidade, equidade e inclusão, se torna ainda mais importante.
A profissional afirma que a Soko atua com letramentos constantes, manuais e políticas de conduta; vagas afirmativas em todos os níveis hierárquicos; aplicação de pesquisas internas para medir a proporcionalidade não só de recrutados, mas também de turnover e promovidos dentro de cada recorte.
“É preciso dizer também que existem muitos desafios da porta pra dentro e da porta pra fora. O primeiro está em garantir o mesmo nível de conhecimento no assunto para todes, depois o de conseguir aplicar tantas ações que são transversais a qualquer iniciativa de RH e fazer com que todas as pessoas na liderança se tornem co-responsáveis pelo tema para que no final a D&I seja parte da cultura da empresa”, destaca Johana.
Moringa
Fabrício Batista, diretor de criação da Moringa, conta que “quando temos diversidade no ambiente de trabalho, as possibilidades criativas se multiplicam, pois elas nascem de diferentes pontos de vista e de vivências”.
Para ele, no fundo, o objetivo da publicidade é se conectar com as pessoas. Assim, quanto mais humanas e mais próximas da realidade da audiência forem as mensagens, mais efetivas elas serão.
Batista destaca a campanha “Empreendedorismo negro”, criada para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), na qual todos os envolvidos foram pessoas pretas.
“Empresas precisam criar espaços de aprendizagens para que o time possa evoluir tecnicamente, pois nem sempre as pessoas vão vir prontas para a função que foram contratadas. Quem teve acesso precisa aprender e ter oportunidade de passar o conhecimento para frente. Os líderes precisam aprender a ensinar e, principalmente, precisam criar um ambiente onde todos possam evoluir”, finaliza Batista.
Netcos
Marta Souza, head of data da Netcos, explica que diversidade é investimento, como todo investimento, requer visão. "É preciso priorizar, monitorar, ter medidas de gestão para corrigir o curso das ações. É dar condições para que, como todo recurso, consiga performar bem e gerar seus frutos para as companhias".
Para ela, existe responsabilidade social também. "A publicidade não pode perpetuar uma espécie de institucionalização do racismo, ela trabalha para ter persuasão junto ao público em geral, estar presente nas rodas de conversas… mais pessoas precisam se ver e com o cuidado adequado, não adianta agir de forma superficial e irresponsável ao tentar corrigir um problema criando outros, através de representações estereotipadas".
Na Netcos, existe a preocupação com a diversidade mesmo sendo um time pequeno, inclusive nos cargos de liderança. Além disso, a equipe sempre procura apoiar causas e projetos voltados para inclusão e incentivo a diversidade e representatividade.
"O olhar de quem contrata precisa ser treinado para conseguir enxergar além da diversidade que cada um carrega, mas os potenciais técnicos que possuem. Não da pra ignorar que o racismo ou que preconceitos diversos que a sociedade está inserida não impactem as equipes, principalmente em nossas construções e associações implícitas", completa.
monkey-land
Jaque David, head de planejamento da monkey-land, compartilha que investir em diversidade é "simplesmente, vivenciar a vida como ela é. A pluralidade é o que permite não sermos hegemônicos. O coletivo é o que nos fortalece. Ter pessoas diferentes em convivência possibilita a ampliação de perspectivas de acordo com a contribuição e repertório de cada um. Mais é mais quando estamos falando de somas".
"A minha chegada à monkey-land, há pouco mais de um ano, foi um passo importante para abrir essa conversa e trazer uma liderança não hegemônica. A equipe que venho formando é 100% negra, e é minha premissa como gestora em procurar primeiro profissionais negros para compor o time. Além disso, internamente, estamos promovendo um censo para identificarmos nossa equipe interna e promover ações ao encontro da equidade para 2024", explica.
Para garantir um ambiente de trabalho diverso, ela acredita que o ambiente de trabalho precisa ser seguro, as pessoas precisam ter garantias que não estão sob ameaça. "Isso tem a ver com todas as esferas do racismo, e é preciso promover um local que valorize e reconheça as pessoas como elas são, que considere o que elas têm a contribuir, independentemente de onde elas venham, de qual formação tiveram, de qual religião frequentam. As pessoas seguras são mais felizes e criativas, e o maior benefício disso é conseguir devolver pra sociedade mais pessoas felizes e criativas, que vão poder vislumbrar outros futuros possíveis", conclui.
AKM
Lais Gonçalves, executiva de contas da AKM, compartilha que "como mulher preta e publicitária, acredito que o investimento em diversidade é urgente e deve ser um compromisso diário entre agências, marcas e a sociedade como um todo". Para a executiva, a representatividade da população negra no mercado, na publicidade e em tantos outros espaços ainda não é pequena, comparado a grandeza da população preta.
"Entendo que o caminho para mudarmos essa realidade vem de dentro para fora, dando voz, espaço e valorizando as pessoas pretas, seja através de programas de vagas afirmativos, iniciativas que conscientizem sobre a temática racial, o incentivo ao letramento racial, a criação de grupos de afinidade nas organizações, entre tantas outras formas para investir e apoiar a diversidade e o movimento antirracista", completa.
A AKM tem a diversidade como propósito claro, e busca fazer um trabalho coletivo para diminuir as diferenças, com times igualitários e diversos, investindo no crescimento e reconhecendo talentos.
A agência conta com Comitê de D&I com a missão educar, promover e conscientizar o público interno. E conta com projetos sociais como parceiros, sendo eles: Vozes das Periferias e Gerando Falcões, que conectam as pessoas periféricas às vagas de emprego.
"Como profissionais de comunicação que influenciam no comportamento e consumo junto às marcas, temos o papel de fomentar a potência criativa da comunidade preta, incentivando projetos de inclusão, conectando-os com as marcas e ações de publicidade, para abrir portas e potencializar a mudança real do início ao fim, criando e apresentando mensagens consistentes, representativas e que de fato reforcem a diversidade cultural e étnica que existe em nosso país", conclui.
AMPRO
Heloísa Santana, presidente-executiva da Ampro, diz que investir em diversidade é ir além de políticas de contratação inclusivas. "É uma declaração de compromisso com a criação de ambientes de trabalho socialmente responsáveis, dinâmicos e inovadores. As organizações que adotam essa abordagem, independente da sua estrutura, não apenas se beneficiam internamente, mas também desempenham um papel vital na formação de um futuro empresarial e social mais diversificado e sustentável. Na minha visão, a diversidade não pode ser vista apenas investimento, mas um específico para a excelência e o progresso".
Para garantir a diversidade dentro de agências e empresa, Helo destaca ações como: políticas de recrutamento com vagas inclusivas; programas de capacitação responsáveis; programas de capacitações, acolhimento e desenvolvimento; criação de grupos de mentorias; criação de comitês com colaboradores; programas de escuta aberta pela liderança, com devolutivas efetivas e reais.
Para ela, os desafios geralmente esbarram em implementar a cultura começando pelas lideranças, observar as eventuais adaptações a serem feitas e essencialmente reagir aos feedbacks e aprendizados do dia a dia.
"A diversidade racial na indústria de publicidade e marketing não é apenas uma questão ética, mas também uma estratégia inteligente para contribuições a contribuição, inovação e crescimento dos negócios. À medida que as marcas confirmam a importância da representação equitativa, são apresentadas não apenas para a construção de uma sociedade mais justa, mas principalmente para fortalecer suas posições no mercado. A diversidade não é apenas um valor, mas uma ferramenta poderosa para a criação de uma indústria de publicidade verdadeiramente impactante e inclusiva", completa.
Digital Favela
Tiago Trindade, CCO da Digital Favela, compartilha sua vivência no mercado como publicitário, preto e com mais de 20 anos de mercado e passagens por grandes agências: "Quando comecei, não encontrava nem mulheres, nem homens pretos ao meu lado. Ainda mais na criação. E pra poder ter ideias aprovadas por profissionais que não tinham a minha origem e minhas referências, precisei hackear o sistema criativo e traduzir minhas ideias com roupagens que os publicitários, em sua maioria brancos, iriam entender. Com o tempo, as minhas ideias começaram a ser aceitas do jeito que elas eram. Só então vi meu crescimento e pude colaborar efetivamente com as campanhas que participava. Ou seja, quando a diversidade de pensamentos e de vivências é inserida no mercado, o profissional ganha, a agência ganha e as marcas ganham ainda mais".
Trindade conta que a Digital Favela reproduz a diversidade real que existe nas favelas brasileiras. "Em nossos sets de filmagem, por exemplo, a diversidade é uma realidade por trás e na frente das câmeras. Desde o contra-regra, passando pela direção de arte, gaffer, até o diretor ou diretora que em grande parte são mulheres pretas, periféricas que colocam seus olhares e narrativas nos conteúdos que produzimos".
Para o criativo, investir em diversidade vai além de selecionar um profissional preto ou preta para uma ou outra vaga. "É investir em ferramentas e ambientes que mantenham aquele profissional naquele vaga e potencialize o seu crescimento, ou naquela empresa ou no mercado".