Mudanças constantes do mercado vêm provocando modificações nos modelos de negócios das agências. Se antes o trabalho era alicerçado na veiculação em mídia e a bonificação adventa deste trabalho, hoje as empresas criativas buscam diferentes maneiras de fazer dinheiro e manter a saúde financeira da companhia.
A Publicis, por exemplo, tem oito modelos de negócios que não incluem a compra de mídia. “Entre eles, consultorias estratégicas, concepção e gerenciamento de estruturas agile e de conteúdo. Esses novos modelos refletem a mudança no perfil das agências, que hoje têm uma entrega que vai muito além de uma campanha”, explica Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis.
“Só para dar um exemplo, no ano passado, criamos para a Heineken o troféu do Grande Prêmio de Fórmula 1 do Brasil, homenageando o Ayrton Senna. A tendência é que a forma de remuneração quando prestamos serviços do tipo seja feita por entregáveis. Isso faz com que a agência tenha uma fonte cada vez mais diversificada de receitas, baseada na remuneração por projeto específico. Claro que a comissão sobre a compra de mídia segue importante, mas hoje temos muito mais flexibilidade para criar modelos de negócios únicos e sermos remunerados por eles de forma igualmente única”, esclarece o executivo.
Recentemente, o funkeiro Kevin o Chris se uniu à dupla de produtores DKVPZ e lançou um clipe que tem assinatura da AKQA. A agência, que ganhou dois Grand Prix no Cannes Lions 2019, sendo um deles para um vídeo musical, terá parte do trabalho pago de maneira curiosa: porcentagem de lucro nos streamings.
Segundo Luiza Baffa, head of strategy and business innovation na AKQA São Paulo, a agência entendeu que a “tangibilização criativa poderia se dar a partir de qualquer tipo de desafio”. No caso dos artistas, não há uma verba gorda como no trabalho para clientes. “Se eu não vou cobrar dele um fee, se eu não vou cobrar dele o valor de hora/pessoa para um projeto especial, como então que eu consigo ganhar de outra forma? Aí o que testamos com o Kevin o Chris foi: ‘e se a gente ganhasse nos streamings?’”, relata a executiva.
“Isso garante também que se você não consegue me pagar agora, vai me pagar depois e eu vou ganhar de outras formas”, explica Luiza. O objetivo é ter uma troca justa de expertises. “Putz, se você não tem toda grana para me pagar, vamos trocar inteligência. Claro, depende do cliente”, esclarece. “Os artistas não têm muitos bloqueios com relação a isso. Com os clientes já é mais difícil. […] Eles observam mais problemas jurídicos”, pontua.
“Sempre tivemos uma tendência para remunerações que não são alicerçadas em comissões de grande mídia, nem de produção. A gente, normalmente, trabalha por hora/homem, com equipe dedicada”, explica Otávio Dias, CEO da agência Repense. “Somos flexíveis. O que a gente percebe é que não dá pra ter apenas uma receita. Cada cliente, cada vez mais, é um caso diferente. Alguns estão mais maduros e procuram, inclusive, o success fee. Temos cases com clientes da área imobiliária onde fomos remunerados pelo projeto e continuamos recebendo por cada venda realizada do empreendimento”, relata.
Na Repense, assim como na Publicis, também há uma divisão: comunicação e conteúdo; data e performance e consultoria e treinamento. “Essas unidades de negócio seguem uma linha de raciocínio bem diferente do que de uma agência tradicional. Algo muito mais próximo das empresas de consultoria e treinamento. Anunciamos no fim do ano passado, mas já temos uma receita de aproximadamente 10% proveniente dessas unidades. Nossa meta é que até o fim desse ano a gente chegue, pelo menos, em 30%”, prevê.
Já a Mutato trabalha com projetos e fee retainer, que estabelece um determinado valor a ser pago pelo cliente, independentemente do volume de peças a serem desenvolvidas. Outro diferencial é a produção. “A Mutato tem a produtora que é e sempre foi uma fonte de receita para a gente. Acho que as duas frentes não tão tradicionais nas agências é a parte de projetos e a parte de produção”, explica Daniel Cecconello, VP de operações da agência.
Em projetos, a marca trabalhou campanhas de Samsung para o lançamento do S10, além de ter mais duas previstas para este ano. Pela produtora, em janeiro, a agência fez a cobertura do Festival Tudum para a Netflix e tem previsto um projeto para produção de conteúdo audiovisual em branded content para uma network de TV paga cujo nome ainda não pode ser revelado.
Mas como estimar se vale a pena apostar num trabalho cuja remuneração será diferenciada? “A avaliação passa pelo financeiro. A oportunidade pode estar acoplada no projeto, o dinheiro em si pode não ser a melhor coisa, mas você tem a oportunidade de entrar num cliente, entregar um trabalho”, relata Cecconello.
“Não podemos nos descuidar de nenhuma frente do negócio. A compra de mídia continua a ser um dos pilares de nossa atuação, até pela magnitude da Publicis e de seus clientes, mas já operamos também com um outro motor que ativa novas receitas”, destaca Lorenzi.
“A Publicis é uma agência que tem como meta desenvolver relações bem-sucedidas e duradouras com seus clientes. Ou seja, olhamos um cliente muito mais pelo plano de médio e longo prazo que ele gostaria de colocar em prática lado a lado com a agência do que pelo tamanho da verba. Dentro disso, é claro que, pela nossa própria estrutura, temos um perfil voltado para marcas muito fortes e sólidas que fazem parte da vida dos brasileiros e são admiradas no Brasil e no mundo”, complementa o CEO.
“Temos duas premissas para definir se um trabalho novo é aderente ou não para a agência. Primeiro é a marca. Às vezes temos uma de muita expressividade, queremos entrar e o projeto é pequeno. Agora, a gente normalmente faz uma conta: remuneração vs. equipe. No mínimo, isso tem de empatar. Não entramos para perder”, pontua Dias.
A busca por trabalhos com uma remuneração diferenciada vem se popularizando e, geralmente, é uma missão de todos os colaboradores. “Todo o nosso time de frente é responsável por buscar novos negócios,
entender as necessidades de prospects e clientes e ver qual a melhor forma de atendê-las. Novos modelos de remuneração são criados a partir da estruturação do modelo de negócio e pensados caso a caso. Muitas vezes, esse trabalho envolve também outras agências especialistas do Grupo Publicis – como Sapient AG2, Vivid, MSL, One Digital e Deepline – sob o conceito do Power of One”, explica Lorenzi.
Mas e o contrário? AKQA ou Mutato, por exemplo, desejam fazer campanhas nos moldes conservadores? “Fazer trabalhos grandes e tradicionais não é um problema. A gente faz alguns hoje em dia. A grande questão é: voltar para um olhar de mídia. Não é uma escolha para a gente. Aí entra em outras coisas, não só em você fazer um trabalho que você considera ou não criativo, entra em transparência do mercado”, explica a head de estratégia da AKQA.
“Hoje, a Mutato não vai aparecer em ranking nenhum de compra da mídia, mas a agência já poderia ser considerada uma agência média/grande. Já concorremos, em muitos casos, com essas agências mais tradicionais e grandes do mercado. Então, a verdade é que o que a gente vê hoje são todas elas tentando se reinventar. Está todo mundo tentando reinventar o que eles fizeram até hoje. É óbvio que a gente almeja ser grande e vamos trabalhar para isso, mas obviamente também dentro do que a gente enxerga que faz sentido e entendendo um novo momento de mercado”, explica o VP de operações da agência. “Hoje em dia ainda existem concorrências que se você não compra um determinado X [de mídia] você nem entra na concorrência. O cliente já te corta”, lamenta Cecconello. “Acho que a partir do momento que isso muda, passamos a ter acesso a outras situações e todo mundo joga de igual para igual”, finaliza.