Com 25 anos de carreira e passagens por diversas agências nacionais e internacionais, Anselmo Ramos é apontado pelo mercado publicitário como um dos grandes criativos brasileiros. Inquieto, deixou há dois anos uma posição confortável na David para construir a sua própria agência independente, a Gut, que já conta com escritórios em Miami, Buenos Aires e São Paulo. Nesta entrevista, o executivo faz um balanço da sua trajetória, dos prós e contras em abrir um negócio próprio e do desejo em explorar outros mercados como a Europa, África e Ásia. Além disso, fala sobre o atual momento de pandemia causado pela Covid-19 e como o profissional de comunicação deve enfrentar e se portar neste período de crise.

A Gut completa em abril dois anos de atuação no mercado. Que balanço você faz desta trajetória?

A GUT Miami e a GUT Buenos Aires completaram dois anos dia 9 de Abril de 2020. E a GUT São Paulo um ano dia 11 de Março de 2020. Nem acredito. Está tudo acontecendo tão rápido. Nem nos nossos sonhos mais loucos a gente imaginou que fosse acontecer tanta coisa em tão pouco tempo. Estamos com mais de 100 pessoas em 3 países, EUA, Brasil e Argentina. E trabalhando com marcas incríveis. Por um lado, eu fico arrependido de não ter feito isso antes. Mas por outro, agora é relativamente mais fácil e mais rápido, graças à reputação criativa e os relacionamentos que construímos ao longo da carreira. Nunca estive tão desconfortável na vida. Mas nunca estive tão feliz. No meu caso, desconforto gera felicidade.

Esperava essa rápida aceitação e conquista de contas em São Paulo?

Sou otimista por natureza. Então sempre achei que fosse bem. Mas nunca imaginei que fosse tão bem. A GUT foi a agência que mais cresceu o ano passado no Brasil. E começamos em Abril. E o melhor, estamos crescendo na maioria dos casos sem concorrência. Nós não somos fãs de concorrências. Não achamos que é necessariamente o melhor jeito de escolher uma agência. Preferimos Dating em vez de Pitching. Achamos fundamental agência e cliente conversarem muito sobre a publicidade e a vida e ver se realmente os dois lados querem a mesma coisa. Não é só o cliente que tem que avaliar a agência, a agência também tem que avaliar o cliente. Quando estávamos considerando abrir a GUT no Brasil, começamos a perguntar para algumas pessoas o que elas achavam. Teve dois tipos de respostas. O primeiro grupo dizia ‘esquece, não venha nunca para o Brasil, é um país complicado, um mercado cheio de fórmulas, vocês são muito gringos, não vai dar certo’. O segundo grupo dizia ‘por favor venha, vocês são diferentes, e o mercado brasileiro está precisando de um chacoalhão, está muito acomodado, vai chover cliente’. Ainda bem que decidimos ouvir o segundo grupo.  

No Brasil, você ajudou a construir a história das agências Ogilvy e David. Fundar a sua própria agência sempre foi o seu sonho? 

Ter minha própria agência sempre foi meu sonho. Desde a ESPM, já brincava de ter agência. Nosso grupo de trabalho fingia que era a ‘Braga Cardillo Ramos’. Na Colucci, o Miguel Bemfica me chamava de ‘Anselmo Propaganda’. Ele já sabia antes do que eu mesmo. A David foi o mais próximo que cheguei de ter uma agência. Mas, apesar de ter sido fundador e sócio, a agência era da WPP, não era minha. Com a GUT, finalmente estou realizando meu sonho. Demorou, mas chegou. E valeu a espera. Não poderia ter encontrado um sócio-fundador melhor do que o Gaston Bigio. Somos muito diferentes, ele é tango, eu sou bossa-nova, e é por isso que funciona. O importante é que somos dois obcecados pela publicidade. Gaston e eu também não poderíamos ter sócios melhores. 

Quais são os prós e contras em ter uma agência independente? 

Tem milhares de prós e só um contra. Os principais prós são liberdade total e absoluta. Não ter que ligar pra NYC antes tomar uma decisão, rapidez de operação, cometer mais erros, poder falar ‘não’, escolher os clientes certos, trabalhar só com quem a gente gosta. O contra, não contar mais com o dinheiro de uma holding company. Como nós decidimos não ter investidores e ser 100% independentes, os dois primeiros anos tivemos que apertar o cinto e investir tudo na GUT. Valeu a pena o sacrifício. 

Os clientes estão mais abertos a este modelo?

Os clientes vão estar sempre abertos a agências que sabem o que querem. Nossa indústria passa tanto tempo pensando em posicionamento de marcas para nossos clientes, que às vezes a gente esquece do nosso próprio posicionamento como agência. Que tipo de agência você quer ser? Que tipo de trabalho você quer fazer? Que tipo de clientes você quer? São perguntas básicas, mas que muitas vezes não são feitas. Nós temos sorte de ter um nome que já vem com uma filosofia clara. Queremos fazer um trabalho corajoso para clientes corajosos. Um cliente que não queira fazer um trabalho bom, não vai ligar para uma agência chamada GUT. Então nosso nome é um filtro. Os clientes precisam cada vez menos de uma agência com 200 escritórios pelo mundo. O que eles precisam mesmo é paixão, comprometimento, confiança e obsessão. E isso uma agência independente tem de sobra.

Mas você não descarta a hipótese de no futuro realizar a fusão com algum grupo internacional, certo?

Neste momento, estou sendo 100% purista e romântico. Estou tão contente, que quero ser independente pra sempre. Não sei se o Gaston concorda necessariamente comigo. Se um dia o Martin me ligar, eu passo o telefone pro Gaston. Quero chegar num ponto em que as pessoas da GUT parem de me convidar pra entrar em reuniões porque vou acabar dormindo, babando e falando alguma merda. Pra mim é uma questão lógica e estratégica. Estamos num creative business. Estamos no business que vende criatividade. Se você partir do princípio de que independência gera criatividade, então consequentemente ser independente deveria gerar mais business.

Há planos para abrir novos escritórios pelo mundo?

Sim. O plano é tipo aquela carta do War: ‘Objetivo: Conquistar o Mundo’. Vamos abrir a GUT Europa, GUT Africa, e GUT Asia. A razão pela qual estou usando continentes e não cidades, é porque ainda não decidimos as cidades. Recentemente, até fiz um post público falando disso, e teve várias pessoas pelo mundo que entraram em contato com a gente dizendo que estão prontas para abrir a GUT nesses mercados.

Com 25 anos de carreira e passagens por diversas agências nacionais e internacionais, como você avalia as constantes transformações do mercado?

Precisava falar que tenho 25 anos de carreira? Comecei minha carreira fazendo past-up num estúdio. Colando letraset com cola de benzina, junto com o Xã Vilela da Havas+. Depois virei redator e escrevia em máquina de escrever usando corretor de texto. Acompanhei o nascimento da internet. O primeiro site que entrei foi o da Fallon McElligott, em Mineápolis. E nunca mais parei de acompanhar as mudanças. O segredo é ter curiosidade de criança. É ter uma obsessão pela vida. É ler tudo, é ver tudo, é viajar. É estar aberto a aprender. Estou no momento fazendo o curso OPM em Harvard e não é nada confortável ter aula de finanças a essa altura. Mas adoro essa sensação. A única coisa que temos certeza na vida é que as coisas vão mudar. Então ter uma boa relação com a mudança é fundamental.

A diversidade ajuda no processo criativo?

A diversidade é fundamental no processo criativo. Se todo mundo for igual na agência, as ideias vão sair todas iguais. Quanto mais diversidade você tiver, mais criativo você vai ser. Mas diversidade não é fácil. Na minha carreira, eu sempre fui o estrangeiro, o “latino”, o cara que falava com sotaque, o cara que tinha que escrever com um dicionário do lado. Mas justamente por causa disso eu era diferente. Sempre tive que buscar essa mistura entre confiança e humildade. Confiança em propor algo diferente para aquela cultura, e humildade para entender que não sou daquela cultura. Encontrar o equilíbrio certo entre confiança e humildade é fundamental num ambiente diverso. A diversidade é como a criatividade. É um mindset e uma atitude constante. Você nunca vai chegar num ponto onde vai dizer “agora sou diverso o suficiente” ou “agora sou criativo o suficiente”. Sempre dá para ter mais diversidade e criatividade. É uma eterna busca. Nós estamos apenas começando. E, nos dois casos, ainda temos muito a aprender. 

Qual a melhor forma para a construção de marcas com performance?

Hoje existe uma obsessão por dados. Só se fala nisso. Mas dados não são nada sem coragem. Hoje é fácil ter acesso a dados. As marcas têm dados chegando de tudo quanto é lado, do app, do site, do ponto de venda, da promo, da campanha, de todo e qualquer brand touch point. A questão é, o que fazer com tantos dados? Qual dado é o mais relevante para fazer diferença para o negócio? É aí que entra o ‘gut instinct’, a intuição. A intuição ajuda a filtrar e selecionar o melhor dado. Depois, é importante executar esse dado de um jeito ‘gutsy’, corajoso. E quando você faz isso, você conecta emocionalmente com as pessoas, tocando o coração. Que por sua vez, gera ainda mais interações com a marca, e consequente mais dados.

Você tem se mostrado muito ativo nas redes sociais sobre este momento de pandemia. Qual a sua análise sobre o assunto e como o profissional de comunicação deve se portar?

Ultimamente ando dividindo tudo o que penso nas redes sociais. É um jeito de tentar ajudar, inspirar, provocar o mercado. É claro que na agência eles me criticam, dizem que estou entregando todos nossos segredos. Mas que segredos, se ninguém sabe nada? E se ninguém sabe nada no dia a dia, imagina durante uma pandemia? É um território completamente impensável para todos nós. Quem disser que sabe exatamente o que fazer, parabéns, por favor liga pra mim. É um evento sem precedentes, além das nossas capacidades e conhecimentos. Temos que acessar o evento todo dia, e ajustar os planos a partir dos acontecimentos. Nesse momento, as ações falam muito mais alto que as palavras. O melhor marketing agora é justamente ajudar. Como, depende de cada marca. E com o decorrer da crise, pouco a pouco todos nós vamos precisar de muitas coisas: informação, esperança, otimismo, distração, até mesmo humor. O importante é não perder o foco, não esquecer o posicionamento da marca. Cada marca pode ajudar de um jeito diferente. O nosso grande desafio agora é ajudar cada cliente a navegar essa crise, ajustar o tom e encontrar a melhor ação ou mensagem nesse novo contexto. Estamos todos vivendo o melhor curso de liderança que existe.

O mercado sairá diferente depois do covid-19? Qual a sua expectativa?

Por um lado, acho que o mundo nunca mais vai ser o mesmo. Outro dia alguém estava reclamando no Twitter que não queria estar vivendo um momento histórico. Nunca mais vamos esquecer de 2020. E talvez vamos dar mais valor às coisas mais essenciais da vida. E pensar um pouco mais na comunidade e em como o mundo está muito mais conectado do que parece. Por outro lado, o ser humano tem uma tendência a voltar muito rápido à normalidade, ao conforto, ao comportamento “default”. Então assim que essa crise passar, dá pra imaginar todo mundo se abraçando, lotando bares e restaurantes, e fazendo de tudo para compensar o “tempo perdido”. Sinto que vamos ter uma felicidade exacerbada, mas ainda com a dor de um trauma recente. Mas realmente não dá pra prever o que vai acontecer. Temos que viver um dia atrás do outro. Lavar as mãos, praticar o distanciamento social, manter a calma, e fazer o máximo para ajudar quem mais precisa.