Luiz Fernando Musa, CEO da Ogilvy e chairman da David: “Magalu é o anunciante mais inovador e ousado do país” (Divulgação)

Fazer, refazer, rever e com velocidade. Essa foi a métrica que o executivo Luiz Fernando Musa empregou na gestão das agências Ogilvy e David. A maior concentração foi a manutenção das equipes, empatia, segurança e tecnologia. A criatividade foi outro asset importante, mas mudou. O resultado de 2020 não será similar ao de 2019, quando a Ogilvy contabilizou faturamento bruto de R$ 3,9 bilhões. “Quem fala que cresceu, é mentira”, diz Musa, com sua costumeira franqueza. Nessa entrevista, ele define o Magalu como o anunciante mais ousado do país.

Como foi a experiência de 2020 e o que mais desafiou a gestão da Ogilvy Brasil e da David?
Na verdade, ainda está sendo muito desafiador. Estamos liberando o espaço físico da agência para uma parcela de pessoas que desejam trabalhar presencialmente, mesmo que seja duas vezes por semana. Não é uma determinação. É opcional. O volume de pedidos para retornar é de 10% dos funcionários. Na realidade, não precisávamos voltar. Tudo está indo muito bem. Mas cumprimos os protocolos. Não há mais lugar marcado. Ninguém cria cultura de casa. Todo mundo precisa do convívio pessoal. Quando tudo isso passar, acredito que vamos continuar tendo presença física e home office. Mas tem uma diferença: home office é escolha. Com a pandemia fomos obrigados a ir de uma hora para outra para o house office, que não é a mesma coisa. Foi uma opção abrupta. Nos adaptamos e fornecemos o necessário para manter a produtividade: cadeiras, computadores e adequações.

O processo priorizou pessoas?
Sim. O momento é de descoberta, porque a principal tarefa do ano foi reconhecer que temos um problema que envolve pessoas, profissionais, agências e clientes. A questão é: como é feita a ponte de uma situação de uma normalidade anterior para esse momento?

E qual foi a saída?
Tomar decisões rápidas, olhar para as pessoas e aprender junto. Porque há problemas coletivos e individuais. O incrível foi ver o esforço da equipe para entregar tudo que nos foi demandado nos prazos. Lá na frente vamos avaliar e entender que coisas vamos seguir. Ou não. Todos nós estamos passando por um processo gigantesco de reformatação de valores e prioridades. E nas agências, cujo principal ativo é gente, o maior desafio é conservar talentos. O David Ogilvy dizia que o maior ativo de uma agência sai pelas portas todos os dias. O nosso papel é conseguir ter empatia e construir uma rede de colaboração em todos os níveis. Não dá para tomar grandes decisões nesse momento porque o cenário permanece mudando. A Europa vive uma segunda onda do coronavírus e parece que o baque psicológico nas pessoas é mais intenso. Como eu posso não me mostrar frágil quando eu estou frágil? Precisamos um do outro para atravessar esse período.

E o impacto nos negócios?
Alguns clientes não tinham o que vender. Para outros tivemos de refazer o canal de vendas. Com migração para o digital e operação no e-commerce. Alguns fecharam lojas e outros abriram. Algumas categorias caminharam muito bem, como a de alimentação, que terminou impactando o consumo em casa. Fizemos uma campanha para a Hasbro para mostrar a importância de se brincar com os filhos. Esse ano ficou claro que quem trabalha com comunicação tem de gostar de gente. Ou seja, observar a partir do lugar do outro. E entender as revisões que talvez tivessem valor, mas que estavam escondidas.

A pandemia exerceu algum tipo de transformação que considera relevante?
Ela jogou luz sobre muitas coisas. O abismo social no Brasil sempre existiu. A falta de saneamento básico não é novidade. Só que todo mundo passou a olhar de outra forma e viver os dramas. A importância dos novos heróis que surgiram, médicos, enfermeiros, profissionais de saúde, limpeza, segurança etc., que sempre tiveram papel importante na sociedade, ganharam luz. As empresas que tinham no seu DNA solidariedade, inclusão social e inovação reagiram melhor. Empatia é e se tornou fundamental.

Este ano tem algum rótulo?
Não estamos presos a velhas crenças. Esse é o ano da humildade e de que não há receita pronta. É o ano do fazer e refazer. Nosso papel é tomar as melhores decisões no curto prazo. Com muita informação. E velocidade. Tudo pode ser diferente amanhã. Vemos isso na área de eventos, comportamento, na propaganda e em tudo. Não se pode ficar apegado nas verdades anteriores, mas na própria experiência de vida e das pessoas. Ter sensibilidade para identificar e reagir a problemas. E não pensar que poderia ser como era antes. É como é. O que melhor eu posso fazer? Essa é a reflexão. Pra mim, 2020 tem a importância de resgatar o valor das pessoas e estar bem diante da situação adversa. O que fica é a capacidade de fazer sem nenhuma receita.

E sem briefing?
Com certeza! Este ano ficou claro que a criatividade, no seu sentido mais amplo, é a solução. Reclamar e ficar parado não dá. A criatividade permite encontrar novas fórmulas. Programas de televisão foram refeitos, novos procedimentos foram adotados, a educação online é uma realidade.

E a tecnologia?
É um tremendo ativo da humanidade. No Brasil, ela é o principal meio de inclusão social. Ela permite que negócios sejam mantidos, ganhar dinheiro, estudar etc. A tecnologia e a criatividade são os dois grandes instrumentos, além da ciência, obviamente. E ganham importância enorme, tanto no plano pessoal como no empresarial. Os aprendizados e as questões que vão ficar só serão consolidadas quando entendermos essa parte do cenário, que está mexido, exige gerenciamento do curto prazo. Para tomarmos as melhores decisões. Quem não tinha acesso à tecnologia, especialmente a classe não bancarizada, teve de aderir para poder receber o benefício do governo.

Magalu, que é cliente da Ogilvy, é um exemplo na área de negócios?
A tecnologia passou a ser valor importante para todos. O crescimento da plataforma do Magalu e a maneira como as pessoas passaram a buscar e comprar coisas indicam que sim. Ainda estamos bem atrasados na questão de cobertura e velocidade. E vivemos um drama nunca antes visto. Tudo requer empatia. Portanto, não dá para falar em saldo positivo com tantas vidas perdidas. O importante é que todos os problemas, individuais e coletivos, estejam interligados. O olhar mais inclusivo é fundamental. No caso do Magalu, nossa contribuição é de comunicação mesmo; de como levar isso adiante. Fizemos a campanha do cashback de forma pioneira. Temos uma relação muito próxima, mas a postura do time liderado pelo Frederico Trajano, sob o ponto de visão e inovação, é muito clara. Ajudamos a traduzir isso de forma prática às pessoas com construção de percepção.

Magalu pode se tornar uma plataforma de publicidade para marcas como a Amazon?
Os marketplaces não são apenas plataformas de vendas. Mas também de mídia. Isso está muito explícito. Temos profissionais bem atentos a isso. Posso dizer que vai ser o grande pulo. Magalu caminha para isso. Já presta serviço para parceiros e é agregador de tecnologia. Magalu é o anunciante mais inovador e ousado do país. Se antes era vender fogão, há seis anos é digitalização. É sua grande referência de transformação.

As empresas deixam algum legado?
Elas encontraram seu propósito e entenderam o papel social de cada uma. O que estava no plano teórico ficou exposto. Só conseguimos resolver as coisas quando temos consciência dos problemas. Vínhamos anestesiados ou olhando para o próprio universo. Isso mudou.

Poderia explicar a sua ideia sobre criatividade? Ela avançou para além da métrica estética?
As lives foram uma saída criativa. E que manteve equipes. Fazer reuniões virtuais por meio do Zoom. Cinema ao ar livre com plateia dentro do carro. Desenvolvimento de canais de distribuição. Deliveries. Criatividade foi ver uma série de empresas que adaptaram linhas de produção para disponibilizar álcool em gel. E a criatividade dentro de casa? Foi um desafio. Mas já sabemos que podemos contratar pessoas que moram em outros estados e países. Essa quebra de barreira também é criatividade. Até porque deu uma urgência naqueles que querem ficar mais perto da família. O contexto mudou. Isso tudo é criatividade.

E esse asset na publicidade?
Temos ótimos exemplos. O Burger King premiou pessoas que ficavam em casa com criação da David. A agência também fez uma ação na Espanha que validou os caminhões como se fossem a casa dos profissionais para que eles pudessem receber o sanduíche do Burger King. Foi uma saída criativa, porque na Espanha só se podia entregar pedidos em casa. Eles só não podiam descer do caminhão. A Ogilvy fez campanhas para lembrar a necessidade da vacinação de outras doenças. O ator Babu Santana fez alerta sobre diabetes, em ação para o Novo Nordisk. Também focamos nas jornadas do consumidor no digital para proporcionar boas experiências. Ser criativo dentro dos marketplaces é outro bom exemplo de criatividade publicitária porque eles são plataformas de comunicação e venda. O content studio da Ogilvy ajudou muitas marcas a reagir. A Nestlé teve muito empenho nas questões sociais.

E os resultados?
Obviamente foi um ano difícil. Mas conseguimos prever no início do ano o que viria pela frente. Que não é olhar para o resultado financeiro do ano. Foi um ano de ajustes e de perdas em relação a 2019. Quem fala que cresceu é mentira. É impossível. O desafio é como fazer a transição e como sobreviver. Estamos dentro do cenário de curto prazo. Fizemos tudo que estava dentro da legislação. Não dá para fazer comparações. Clientes saíram e outros chegaram.