A executiva Judith Brito, diretora-superintendente do Grupo Folha da Manhã, que edita o jornal Folha de S.Paulo, será reeleita pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) nesta sexta-feira (20), no encerramento do 8º. Congresso Brasileiro de Jornais para um novo mandato de dois anos. Ela assumiu a presidência da entidade em 2008 em substituição a Nelson Sirotsky, do grupo de mídia gaúcho RBS. Uma das novidades da gestão será o lançamento ainda este ano de um Código de Autorregulamentação para os jornais. O maior desafio é a era digital que inspirou o tema do congresso: “Jornalismo e Democracia na Era Digital”. “Construir um modelo autossustentável de jornalismo independente e de qualidade na era da internet e das mídias digitais é fundamental para toda a sociedade, mais do que para nossas empresas. Sem esse jornalismo, em última instância, não existe a democracia plena”, disse Judith na abertura do encontro, que tem presença de aproximadamente 800 participantes e convidados, entre os quais os candidatos à presidência Dilma Rouseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV). Judith fez pronunciamento do qual destacamos os principais pontos.

PRIMEIRO MANDATO
Definitivamente, não pudemos reclamar de tédio nos últimos dois anos: grandes desafios e importantes conquistas fizeram parte de nosso dia-a-dia. Duas frentes principais nos ocuparam: primeiro, a causa maior da ANJ, a defesa da liberdade de expressão. Paralelamente nos debruçamos sobre uma questão que preocupa o mundo: como preservar o papel dos jornais e do jornalismo no novo cenário digital? Esses dois focos de atenção estão estreitamente relacionados porque tratam do papel do jornal e da liberdade de expressão como atores fundamentais do próprio sistema democrático.

LEI DE IMPRENSA
Em agosto de 2009 a ANJ comemorou seus 30 anos de vida reiterando, como sempre, a importância da liberdade de expressão para a consolidação da democracia. E pudemos fazê-lo com uma motivação extra, uma vez que em abril havia sido tomada uma decisão histórica: o Supremo Tribunal Federal havia acabado definitivamente com a Lei de Imprensa criada pelo Governo Militar.  Por ela, jornalistas podiam até ser presos em função do que escreviam ou jornais podiam ser recolhidos das bancas. Era legislação antidemocrática, com o objetivo de limitar a difusão de informações e opiniões, impondo um ambiente obscurantista para a sociedade. Nunca é demais lembrar que uma sociedade só evolui com plena liberdade para o debate, a troca de opiniões e a divulgação de informações. Essa Lei de Imprensa era tão absurdamente fora do contexto democrático brasileiro que mal vinha sendo aplicada pelo Poder Judiciário. Mas era preciso jogá-la de vez na lata de lixo da história – e isso foi feito.

DIPLOMA
Em junho de 2009, o STF decidiu outra questão que tramitava havia oito anos: a não obrigatoriedade do diploma universitário de jornalista para o exercício da profissão, norma que também estava na lista de criações do governo militar. A ANJ tem sido parceira das escolas de jornalismo, incentivando-as a serem modelos de qualidade na formação humanística. Que fique claro: as empresas jornalísticas só têm a ganhar com profissionais oriundos das boas escolas de jornalismo. Todavia, a obrigatoriedade do diploma como condição de empregabilidade nas redações era clara forma de embaraço à liberdade de expressão, e era natural a sua revogação. Com essas duas vitórias, parecia que a própria missão da ANJ na defesa da liberdade de imprensa exigiria menor vigor. Ledo engano. Nossa democracia está mais forte do que jamais foi, mas há tropeços e intempéries que continuam a pedir nossa contínua atenção. Inexplicavelmente, para confrontar a decisão do STF, as Casas do Congresso Nacional dão curso a projetos de emendas constitucionais que colocam no texto da Constituição Brasileira a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. Casuísmo igual não tem paralelo em nenhuma constituição do mundo, nem mesmo nos países em que a carta é uma brincadeira, que não é o nosso caso.

CENSURA/ESTADÃO
Também há o desafio de pacificar o entendimento do Judiciário sobre o inteiro teor da decisão do STF, que reiterou em cores fortes a noção de que o acesso à informação não é apenas um direito dos jornais ou dos jornalistas. Ele é, antes de tudo, um direito da sociedade. É com informações vindas de empresas jornalísticas sérias e independentes que o cidadão pode se municiar para formar a sua própria opinião. Ainda há decisões judiciais, especialmente os de primeira instância que, ao instituir a censura prévia, mostram uma compreensão equivocada ou limitada do teor da decisão do STF. Um exemplo eloquente é a censura imposta há mais de um ano ao jornal “O Estado de S.Paulo”, que todos conhecem. Por isso, uma das ações conjuntas dos Comitês Jurídico, de Relações Governamentais de Liberdade de Expressão da ANJ tem sido a de promover debates com magistrados em diversos pontos do país, com o intuito de mostrar a importância institucional da informação livre para a consolidação da democracia.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Ainda no front da defesa da liberdade de expressão, sempre há discursos que em alguma medida buscam estabelecer o “controle social da mídia”, a exemplo do que infelizmente acontece em países vizinhos, como na Venezuela. Sabemos que, no Brasil, este não é um desejo majoritário, mas apenas a expressão de alguns grupos contrários à livre manifestação da opinião. São ideias retrógradas e preocupantes. Em todas as ocasiões, a ANJ se levantou contra as ameaças à democracia, na defesa dos direitos dos cidadãos. Os jornais não querem, porém, se isentar da responsabilidade que obviamente têm em suas funções de informar. Em nenhum momento propusemos impunidade, mas apenas nos defendemos contra a intolerável censura prévia. Após a queda da Lei de Imprensa, voltamos a debater uma proposta que nos é cara, como resposta à sociedade que preza tanto a liberdade de expressão.

REGULAMENTAÇÃO
PRÓPRIA
Após discutir internamente, podemos informar hoje que decidimos avançar nos procedimentos de autorregulamentação para os jornais associados à ANJ. Sabemos que muitos jornais já têm seus códigos de ética. A própria ANJ tem seu Código. Agora, trata-se de avançar num modelo que permita debater e avaliar nossos erros, de forma transparente. E foi isso que fizemos. Definimos conceitos básicos para o estabelecimento de um Conselho de Autorregulamentação, composto por 7 membros, que julgará casos a ele submetidos. Nos próximos meses, nosso compromisso é o de detalhar o regulamento e os procedimentos para que este Conselho seja designado e comece a atuar.

FUTURO
Além desta questão central, mergulhamos nos inevitáveis debates sobre o nosso futuro. Os jornais são responsáveis por cerca de metade da produção de conteúdo jornalístico novo, contra apenas 4% produzidos pelas novas plataformas eminentemente digitais. No entanto, estas novas plataformas replicam as informações em média 4,4 vezes na Internet, chegando a 15 vezes nos casos dos títulos de maior credibilidade, em geral sem qualquer pagamento aos produtores de tais conteúdos. Empresas jornalísticas sérias exigem de seus profissionais – jornalistas altamente qualificados – o uso de técnicas de apuração e o compromisso com princípios editoriais transparentes. Tudo isso, a cada dia do ano – o que torna necessária a contratação de centenas de profissionais, no caso dos jornais de maior porte. Somente empresas jornalísticas financeiramente sólidas podem manter a desejável independência editorial em relação a governos ou a interesses privados, o que lhes permite eleger como prioridade absoluta o direito dos cidadãos de acesso às informações, e assim garantir a publicação de notícias e análises que podem contrariar interesses políticos e econômicos. Não estamos desconsiderando as experiências isoladas de jornalismo investigativo, provenientes de esforços individuais publicados em blogs, por exemplo, que sem dúvida podem produzir materiais relevantes. O que destacamos aqui é a importância do exercício corporativo contínuo de um jornalismo de qualidade, suportado por uma estrutura empresarial forte e independente, capaz de amparar princípios em bases estáveis. Foi esta a razão que levou a ANJ a firmar a Declaração de Hamburgo, documento internacional lançado no ano passado por empresas jornalísticas da Europa e que defende os direitos autorais da nossa produção em seu uso pela internet, reivindicando a sua devida remuneração.

INTERNET
A questão está em encontrar um modelo saudável, que permita a continuidade dos padrões anteriores de qualidade na produção de informação e apuração de notícias. Mas esta consciência não nos impediu de buscar soluções práticas e realistas, tendo em conta que a revolução digital é um fato, não uma possibilidade. Assim, constituímos um Grupo Técnico que está dialogando com as grandes multinacionais da Internet. Alguns resultados deste diálogo serão debatidos neste Congresso. Com as mídias digitais a audiência de nossa produção jornalística atingiu números que nunca tivemos antes. Essa realidade significa um desafio e uma oportunidade únicos. Que este CBJ, com mais de 760 participantes, seja mais uma contribuição relevante para o nosso papel de elemento fundamental ao exercício da democracia.