"A empresa tem imunidade em relação a conteúdos de terceiros, mas, para isso, precisa obedecer decisões judiciais"
O X, antigo Twitter, acaba de fechar o seu escritório no Brasil. Divulgada no sábado (17), a decisão reflete o embate com a Justiça brasileira, que fecha o cerco contra a plataforma comprada pelo empresário Elon Musk em 2022 e renomeado para X no ano passado. Apesar do encerramento da operação, o serviço seguirá disponível para os usuários brasileiros.
"É um cenário que se concretiza. Não surpreende, porque Musk não quer cumprir as decisões judiciais. Estamos falando de casos de investigação relativos à informações do PCC, e não só sobre questões envolvendo liberdade de expressão. Musk está atrapalhando investigações judiciais. Óbvio que é preciso tomar cuidado, o Poder Judiciário tem de seguir balizas e controles para evitar abusos de poder e proteger a liberdade de expressão. Mas estamos falando sobre obstrução de investigações", observa Yasmin Curzi, professora da FGV Direito Rio.
No dia 15 de agosto, o juiz Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), elevou o valor de multa, após o X descumprir ordem da Corte de retirar o perfil do senador Marcos do Val (Podemos-ES) do ar, além de outras contas investigadas pela Polícia Federal (PF) por postagens com conteúdos antidemocráticos e ofensas contra autoridades. O valor passou de R$ 50 mil para R$ 200 mil ao dia.
“Essa carta exige a censura de contas populares no Brasil, incluindo um pastor, um atual parlamentar e a mulher de um ex-parlamentar. Acreditamos que o povo brasileiro merece saber o que está sendo solicitado a nós”, publicou a página de global affairs do X, referindo-se ao texto com a determinação de Moraes.
"Há todo o direito do Poder Judiciário de pressionar para que a companhia ceda as informações solicitadas, segundo o Marco Civil da Internet", explica Yasmin, que lembra ainda a desinformação propagada pelo X. "Seguindo o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, a empresa tem imunidade em relação a conteúdos de terceiros, mas, para isso, precisa obedecer decisões judiciais. Do contrário, está cometendo uma ilegalidade", adverte.
O X alega que a saída do Brasil protege os seus executivos. “Apesar de nossos inúmeros recursos ao Supremo Tribunal Federal não terem sido ouvidos, de o público brasileiro não ter sido informado sobre essas ordens e de nossa equipe brasileira não ter responsabilidade ou controle sobre o bloqueio de conteúdo em nossa plataforma, Moraes optou por ameaçar nossa equipe no Brasil em vez de respeitar a lei ou o devido processo legal”, argumenta o X em comunicado.
“Essa decisão de fechar o escritório do X no Brasil foi difícil, mas se concordássemos com a censura secreta (ilegal) de @alexandre e com as exigências de transferência de informações privadas, não haveria como explicar as nossas ações sem nos sentirmos envergonhados”, comentou Musk.
Embate
Em abril, Elon Musk e Alexandre de Moraes trocaram farpas sobre censura e regulamentação das plataformas. Musk perguntou a Alexandre de Moraes: “Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?”.
A provocação foi lançada em um post no perfil oficial de Moraes no X, que elogiava a nomeação de Ricardo Lewandowski como ministro da Justiça e Segurança Pública. Musk deflagrou, então, uma sequência de reclamações. Disse que a plataforma “foi obrigada, por decisões judiciais, a bloquear contas populares no Brasil”, e que todas seriam reativadas. Ameaçou ainda fechar o escritório brasileiro.
A reação de Moraes veio no dia seguinte. O ministro do STF abriu um inquérito contra Musk, determinando uma multa diária de R$ 100 mil por perfil desbloqueado, caso a plataforma descumpra as medidas judiciais. Elon Musk passou ainda a ser investigado no Inquérito das Milícias Digitais. Segundo Moraes, Musk articulou uma campanha de desinformação sobre o trabalho da Suprema Corte e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), incitando a “desobediência e obstrução à Justiça, inclusive, em relação a organizações criminosas”.
No Brasil, a Constituição Federal assegura a liberdade de expressão, mas proíbe o anonimato. Se a pessoa infringir leis ou desferir alguma ofensa, terá de responder pelos danos. Mas a internet faz as próprias regras, acobertadas por plataformas que lucram à custa de polêmicas. O poder econômico alimentado por algoritmos e dados seria inimaginável há poucos anos.
O imbróglio acarretou no abandono do Projeto de Lei 2.630/20, que criaria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecido como PL das Fake News. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, propôs a formação de um grupo que trabalhará por cerca de 30 a 40 dias a fim de formatar um novo texto para regulamentar as redes sociais. O objetivo é responsabilizar as big techs por conteúdos nocivos, além de estudar regras para o uso de inteligência artificial.
"A companhia passa a ser responsabilizada se houver requisição para a retirada de conteúdos que violem direitos, não só de personalidade, mas também de direitos autorais, o que também vem ocorrendo muito no X", insiste Yasmin.