O consumidor no centro da situação pode assustar, mas as agências estão preparadas e conscientes do que vem por aí. A crise, provocada pela Covid-19, trouxe um consumidor que já vinha ensaiando mudanças. Mas, agora, ela é real. O pós-pandemia promete.

Camilla Massari, VP de atendimento da AlmapBBDO, fala de um mundo nunca vivido antes e compara o atual estado de coisas com a Segunda Guerra Mundial, que resultou em medo, instabilidade emocional, financeira e incertezas. Porém, ela lembra que o pós-guerra trouxe impulso ao desenvolvimento, inovação e um grande esforço das nações para se reerguerem. “Assim como lá, estamos frente a outro momento de mudanças fundamentais”.  Camila acredita que as pessoas estejam repensando seus valores, prioridades e até o seu cotidiano. “Elas já estão adquirindo novos critérios de escolha, assim como novas formas de comprar”, analisa. 

Para ela, o consumidor esteve assustado, com medo, e isso o fez segurar os gastos. “Mas acredito que, aos poucos, as pessoas vão reorganizar suas prioridades e voltarão a consumir, só que com novos valores, desejos e necessidades”. 

Na visão dela, o mercado publicitário já trabalha o processo de reconhecimento do consumidor que se avizinha. “Será um processo de ‘re-conhecer’ os segmentos de pessoas com os quais nos relacionamos por meio de todo tipo de dados disponíveis, que possam nos ajudar a entender novos hábitos, critérios e gatilhos de escolha. Temos muito a redescobrir”. 

O trabalho nas agências é intenso, pois tiveram de rever tudo. “Tínhamos o ano todo planejado e foi preciso repensar”, conta. Ela não acredita que os anunciantes estejam preparados para o “novo normal”. “Ninguém está. Os próximos tempos vão demandar uma atenção constante ao contexto externo para nos movimentarmos dia após dia. Mas essa não é uma necessidade que nasceu agora, ela só se tornou mais urgente”.  

Já para Daniel Baena, managing director da EnergyBBDO, a pandemia mostrou ao consumidor que talvez ele não precisava do produto ou serviço que consumia e, por outro lado, deixou mais evidente a importância de outros. “Mas, no geral, acho que os gastos serão um pouco mais racionais e menos por impulso. Teremos consumidores mais conscientes, afirma. 

Segundo ele, o mercado está se movimentando muito para entender quem será o consumidor no pós-pandemia. Essa pandemia, para ele, foi um grande reset no jeito que as pessoas estavam acostumadas a viver, nada será como antes. E com os anunciantes não será diferente. “A verdade é que, infelizmente, ninguém consegue prever quando as pessoas vão poder sair das suas casas e voltar a circular como antigamente e isso pede um novo olhar ao que tinha sido planejado como estratégia para 2020 e também para 2021”.   Conforme o executivo, os anunciantes estão pensando de forma diferente e com absoluta certeza de que não vão voltar mais aos padrões e formas de consumo de antes da pandemia. “Os que perceberem isso antes e correrem para se adaptar tendem a se dar bem”.

Segundo Baena, pesquisas mostram que as marcas que mantiveram os investimentos e se posicionaram positivamente durante a pandemia, sem querer vender ou converter, com o foco em ajudar a população com ações sociais, vão sair dessa crise mais fortes.

Conexão

Para Amanda Gasperini, diretora de Data Intelligence & Insights da F.biz, este é o momento em que empresa precisa conhecer mais os consumidores e prospects, entender a experiência de cada ponto de contato e saber de fato como construir a conexão tanto agora como no futuro, “que, como se sabe, não será igual a antes”. “Os anunciantes que estão com esse olhar, vão sair na frente e voltar da crise de forma mais estruturada, conseguindo se conectar com o consumidor”.

Para ela, uma das coisas que a pandemia deixou mais latente foi a “explicitação dos valores de cada empresa”. “Com isso, o consumidor passou a olhar para as empresas conforme seus valores não só falados, mas tangibilizados, buscando uma conexão real com suas crenças. Sua exigência cresce nessa relação, assim como o digital e seus novos hábitos estão respondendo às suas necessidades”.

Eduardo Simon, CEO da DPZ&T, lembra que, neste momento, os consumidores estão mais conectados e o desafio é desenvolver uma comunicação integrada, que não interrompa com atributos funcionais de uma marca. “Ela deve oferecer entretenimento e ser tão envolvente quanto o conteúdo consumido. Ela deve despertar no consumidor o mesmo desejo que ele tem de compartilhar o conteúdo consumido. E não é de hoje que formatos de merchandising e patrocínios vêm amadurecendo e buscando menos interrupções”, argumenta.

Para Simon, o papel do mercado publicitário é fundamental para ajudar a manter o diálogo entre os consumidores e as marcas, criando um elo para uma nova realidade e um futuro que ainda está sendo construído. “Um futuro em que as marcas entendam de maneira empática seus papéis na sociedade. Com isso em mente, as marcas mais antenadas com o nosso tempo, além do comportamento e o espírito das pessoas, compreendem com mais clareza as novas formas de comunicar que surgem e mudam rapidamente. Então, há uma urgência em observar e entender bem de perto o que está acontecendo para acompanhar essas mudanças”.

Ele sugere que as agências fiquem próximas de seus clientes, oferecendo soluções completas. “Não somente propaganda, mas proporcionando diagnóstico para os problemas e as ferramentas necessárias para solucioná-los, independentemente de qual sejam”.

Simon explica que a crise veio num momento em que o mercado de propaganda e as marcas já estavam em transição. “De março pra cá, as pessoas estão se adaptando a uma nova vida e, consequentemente, os anunciantes também. Hoje, atitude é tão importante quanto o discurso e, mais do que nunca, a tarefa de comunicar é primordial. As marcas precisam se retransformar do ponto de vista de comunicação, se recolocando nas conversas com as pessoas e encontrando um propósito neste momento em que a sociedade está passando por uma transformação tão intensa e preocupante”.

Para Renata Bokel, CSO da WMcCann, o consumidor será um misto de euforia e retração. “Euforia porque ele vai querer reviver tudo o que perdeu. Por outro lado, vai enfrentar um futuro incerto na perspectiva financeira, já que 81% dos brasileiros apontaram estar preocupados com o seu emprego e 80% com sua saúde, segundo pesquisa da Accenture, de abril deste ano”.

Segundo Renata, o mercado está tentando entender quem é este novo consumidor e como ele vai se comportar quando a pandemia arrefecer. “O problema é que isso não vai desaparecer de uma hora para a outra, não existe uma data marcada para a pandemia acabar, ou um grande acontecimento que vai ser ‘o dia’ que o isolamento social vai terminar”. Mesmo assim, ela fala que este tem sido um ano de grande revisão para se adequar a este “novo diferente” que o mercado terá de enfrentar. “O legado que esta pandemia trouxe para o mercado da comunicação é adaptação. Teremos de nos adaptar dia após dia para entender como vai ficar o mundo, a economia, a saúde e as relações humanas quando tudo passar. O que vivemos hoje é sem precedentes; temos quatro crises dentro de uma: sanitária, econômica, política e psíquica – as pessoas nunca enfrentaram tudo isso juntas, de forma global”, diz.

Para ela, outra coisa que a pandemia trouxe foi uma nova noção de conveniência. “Se tínhamos um conceito de conveniência em fevereiro, ele sofreu um drástico update durante a pandemia. Hoje você ter uma entrega na sua casa, ou esperar que uma marca consiga te oferecer uma experiência end to end, que você consiga resolver tudo remotamente, por exemplo, já traz uma nova consciência do que significa a conveniência do brasileiro”.