Anunciada pelo Writers Guild of America West (WGA), a paralisação deve afetar 600 produções e gerar um prejuízo de mais de US$ 2 bilhões

A indústria de Hollywood foi impactada com a greve dos roteiristas, anunciada pelo Writers Guild of America West (WGA), o sindicato dos roteiristas dos Estados Unidos, no último dia 2.

Segundo o sindicato, sem reajustes desde 2018, o salário médio do roteirista estadunidense desvalorizou 14% por causa da inflação nos últimos cinco anos. Além disso, o WGA também quer discutir o futuro impacto da inteligência artificial na profissão de roteirista.

A greve foi motivada após tentativas de acordo entre os principais estúdios e os trabalhadores a respeito de um aumento nos salários, que não aconteceu. No dia 17 de abril, o sindicato realizou uma votação entre os membros para a aprovação da paralisação, que foi aceita por 97,85% dos participantes.

"A decisão foi tomada após seis semanas de negociações com Netflix, Amazon, Apple, Disney, Warner, NBC Universal, Paramount e Sony, sob o guarda-chuva da Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP)", afirmou o WGA em uma nota divulgada à imprensa.

Segundo dados da Aliança de Produtores de Filmes e TV, que representa os estúdios na negociação, a paralisação deve afetar 600 produções, gerando um prejuízo de mais de US$ 2 bilhões ao país estadunidense. Entre os programas afetados, estão a quinta e última temporada de Stranger Things, Abbott Elementary, Yellowjackets, Billions, Cobra Kai e o spin off da série A Knight of the Seven Kingdom (O Cavaleiro dos Sete Reinos — Histórias do Mundo de Gelo e Fogo), da saga de Game of Thrones.

Além destas, os programas de TV semanais dos EUA, como os talk-shows The Late Show with Stephen Colbert, The Tonight Show Starring Jimmy Fallon e Late Night with Seth Meyers também foram afetados.

Como ficam os anunciantes?
Com a paralisação, ficou o questionamento de como isso afetaria os anunciantes dos programas. Segundo Leandro Maciel, professor dos cursos de Comunicação, Mídias Digitais e Arte na Anhembi Morumbi, a greve pode ser falar do ponto de vista publicitário, no caso da TV tradicional que contempla tanto a aberta quanto a fechada.

"Os players serão obrigados a renegociar ou simplesmente cancelar acordos que estejam atrelados a alguma produção específica. Particularmente, agências que trabalham com lançamento dos canais e dos streamings irão sofrer com o atraso", explicou o docente.

Nos EUA, os programas acontecem por temporadas e, consequentemente, as negociações de patrocínios também. Mariana Munis, professora de marketing e comportamento do consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas, destacou que o momento atual em que a greve se instalou é crucial para os anunciantes, uma vez que é nessa época do ano onde acontecem as reuniões de decisões sobre onde eles irão expor suas marcas no longo prazo.

Com as paralisações, Mariana também acredita que as reprises devam tomar conta das telas americanas, fazendo com que os anunciantes busquem renegociar os valores. "Com esse atraso nas estreias, a mídia pode querer reprisar alguns programas e os anunciantes vão querer renegociar os valores de veiculação,  já que não há novidade na programação".

Roberto Sá Filho, professor do curso de Comunicação e Publicidade da ESPM Rio e presidente do CCRJ, endossou a fala da professora e reforçou que, agora, as empresas de TV precisarão fornecer informações sobre as novas produções e, caso elas sejam interrompidas, renegociar os preços e termos com os clientes.

"A greve dos roteiristas nos EUA, pode afetar as marcas em relação aos compromissos publicitários de longo prazo. As redes e os anunciantes estão preocupados com o possível impacto da perda da programação com roteiros", afirmou Sá Filho.

De acordo com os docentes ouvidos pela matéria, a manifestação deve aumentar ainda mais a busca dos anunciantes por outras formas de divulgação, como por exemplo o YouTube e o Tiktok.

"As redes de televisão devem se preparar medidas que ofereçam precauções e flexibilidade nos compromissos de anúncios. E os compradores de mídia esperam transparência e flexibilidade nas negociações de anúncios durante a greve. A greve pode levar a vantagens na negociação de preços e termos, apesar dos possíveis impactos negativos", afirmou o professor da ESPM Rio.

E o Brasil?
Apesar de seguir as tendências estadunidenses, Mariana acredita que a greve não deve chegar ao solo brasileiro. Para ela, uma das coisas que nos difere dos EUA é o fato de que o Brasil é um dos países líderes em conteúdo para mídias digitais, fazendo com que os roteiristas nacionais não trabalhem com produções que não contemplam apenas a televisão.

"Os roteiristas não encontram-se tão 'nas mãos' da TV no Brasil porque escrevem para outros lugares. Além disso, infelizmente não termos um cinema brasileiro tão valorizado pelo mercado interno, o que nos faz produzir menos que os EUA, quando se trata de filmes", afirmou a professora do Mackenzie.

Já Roberto Sá Filho acha que, embora seja injusto comparar os mercados, a paralisação pode ter impacto nas negociações de publicidades no Brasil, fazendo com que mais transparência e flexibilidade seja exigida dos programadores.

"As empresas de TV linear serão as mais afetadas, enquanto os streamers serão menos afetados, pois têm mais conteúdo disponível. Os anunciantes podem ter vantagens nas negociações de preços e termos, como precaução de que isso ocorra por aqui", explicou.

O Brasil também conta com uma organização de roteiristas, a Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA) mas, apesar de ter se mostrado favorável a greve nos EUA, não atua como sindicato.