Empresas hispânicas têm encontrado caminhos e estratégias diversas para conversar com o público brasileiro; idioma é barreira nas redes sociais

O mercado brasileiro tem se tornado um destino para o constante desembarque de startups hispânicas. Ao longo dos últimos dois anos, chegaram ao país empresas do México, Argentina, Colômbia, Peru e Chile, entre elas unicórnios, como são conhecidas as empresas que são avaliadas em mais de US$1 bilhão.  

É comum também que o Brasil se torne o primeiro destino dessas empresas pelo tamanho do mercado consumidor, antes mesmo da entrada em países que têm o espanhol como língua oficial ou que estejam mais próximos, como os Estados Unidos, no caso das mexicanas.

Nesse percurso, um ponto de atenção é estratégia de comunicação para estabelecer diálogos e conexão com o público do país. A Justo Supermercado, uma startup mexicana que se propõe a oferecer uma experiência de compras e estimular o consumo de produtos mais frescos, conta que o começou o processo de desenho de comunicação com o Estudo EIXO, da B&Partners, que ajudou a entender o mercado e a aprofundar o conhecimento sobre os brasileiros.

Bianca Brito, head de brand da Justo (Divulgação)

“Além de falar sobre saudabilidade, no Brasil trouxemos um pouco mais de humor a esse território, para conquistar à primeira vista o público brasileiro, trazendo isso de uma forma leve, divertida e usando os canais digitais como grande aliado para alcançar mais pessoas através do entretenimento”, afirma Bianca Brito, head de brand.

O posicionamento pode ser vistos em ações como a campanha #SupermercadoSemSofrência, desenvolvida com a agência Adventures. Com o influenciador e TikToker  Vittor Fernando como porta-voz e reunindo mais de 100 micro e nano influenciadores, a ação brincou com os problemas comuns ao se fazer compras em supermercados e colocou a marca como opção para acabar com as sofrências.

COMUNICAÇÃO SEM RUÍDOS

O desafio da Casai, que oferece apartamentos inteligentes, passou por entender com rapidez que o tom de voz original da marca, que busca transmitir simplicidade e elegância, poderia soar como algo “um pouco frio” para os brasileiros.

“Como uma empresa do setor de hospitalidade, lançar no Brasil também significava abrir nossas comunicações para países da América do Sul, como Argentina e Chile, que não estavam no nosso radar antes. Isso significou que não só tivemos que criar uma voz de marca brasileira, mas também adaptar nosso espanhol mexicano aos outros países da América Latina”, explica Luiz Eduardo Mazetto, diretor-geral da startup no Brasil.

Luiz Eduardo Mazetto, diretor-geral da Casai no Brasil (Divulgação)

Pesou na estratégia de comunicação da plataforma por aqui também o perfil dos usuários que costuma receber em seus apartamentos no Brasil. Em São Paulo, onde a startup tem mais unidades, os hóspedes mais comuns são viajantes de negócios e a antecedência com que fazem as reservas é menor em comparação com os clientes do México. Lá, recebe mais famílias e viajantes estrangeiros, os apartamentos são maiores e conta com um grande número de turistas dos Estados Unidos.

No caso da fintech gerenciamento de gastos corporativos Clara, também mexicana e que virou unicórnio recentemente, Fernando Asdourian, South America Head of Marketing, Growth e Communication, conta que uma das primeiras ações que fez quando chegou à companhia, em meados de agosto, foi implementar o método RID (Relevant, Impactful, Doable”, em português, “Relevante, Impactante e Executável”). Como a marca tinha um posicionamento forte no país da América do Norte e, normalmente as decisões são tomadas na matriz, ele queria evitar “ruídos” e o impacto nos resultados.

Fernando Asdourian, South America Head of Marketing, Growth and Communication da Clara

“Isso trouxe dados e insights que levaram às decisões de campanha a serem tomadas no país e, principalmente, a considerar o mercado brasileiro como estratégico, tanto por seu crescente poder de consumo como pela sua pluralidade de características”, explica.

Segundo o executivo, antes de desembarcar no Brasil, primeiro destino em seu projeto de expansão, a empresa passou meses discutindo as estratégias. Ele observa que em um país com tanta diversidade, composto por diferentes culturas, hábitos de consumo e de vida nada similares, a adequação de linguagem é de “extrema importância”.

Roger Laughlin, co-fundador e ceo da Kavak Brasil (Divulgação)

Para Roger Laughlin, co-fundador e CEO da Kavak Brasil, startup especializada em compra e venda de automóveis usados, o mercado em que atua é muito semelhante nos três países onde está presente, Brasil, Argentina e México, com negócios sendo feito entre particulares, com muita informalidade e risco de fraudes, um problema que pode ser encontrado no mundo inteiro.

“No entanto, a forma como isso é comunicado ao cliente, precisa ser adaptada na linguagem, contexto e realidade daquele consumidor. Resgatar a relação do cliente brasileiro com o carro, por exemplo, além de oferecer uma solução para o histórico problema com inseguranças e fraudes que, até então, era uma realidade para o consumidor, foi um dos pontos principais adotados na nossa comunicação no país”, afirma.

REDES SOCIAIS E INFLUENCIADORES

Ao longo desse processo de desembarque e construção relações com os consumidores brasileiros, as startups também perceberam que as contas globais das empresas nas redes sociais não estavam funcionando para criar conexões. A  Clara, por exemplo, está estudando a possibilidade de unificar ou não os perfis, o que considera um “grande desafio” estratégico, ao analisar que atua no México e no Brasil e deve expandir para outros dois países na região, com diferentes aspectos culturais.

A Casai também sentiu a necessidade de criar perfis voltados para o país, principalmente por conta do idioma. Por ora, abriu apenas no Facebook, que, segundo a empresa, é a plataforma com um público relativamente mais velho e que se identifica com a proposta da marca. E está com projeto em andamento para as outras redes.

Além disso, Mazetto, da Casai, disse que a marca teve uma das maiores lições quando a empresa começou a sua estratégia de marketing de influenciadores. “É um mercado diferente, com dinâmicas e negociações diversas entre os dois países. Os influenciadores digitais no Brasil têm um poder de voz muito alto nas redes sociais e é um trabalho extremamente valorizado, portanto existe uma negociação mais profunda em relação às escolhas de associação de imagem e experiências”, explica.

Para Asdourian, da Clara, o grande aprendizado “é que é muito mais valioso investir tempo, recursos e estudo para se moldar a um mercado regional do que optar, muitas vezes, somente por traduzir conteúdos de um idioma para o outro”. Segundo ele, apesar desse movimento envolver um processo longo, tem valido pelos resultados e impactos no sentimento de proximidade e no relacionamento com os clientes.