Amir Somoggi, especialista em marketing esportivo e sócio-diretor da Sports Value, fala as potencialidades ainda ignoradas pelas marcas no mundo do esporte
O ano é de Copa do Mundo, mas desde 2020 a Covid-19 vem jogando contra a organizadora do torneio no Catar, que ocorrerá entre os dias 21 de novembro e 18 de dezembro próximos. Segundo o especialista em marketing esportivo Amir Somoggi, a Fifa teve de socorrer federações de vários países, que ficaram sem as receitas vindas da máquina das competições. “Foi um baque”, comenta Somoggi. De acordo com o sócio-diretor da Sports Value, a fortaleza do futebol mundial acabou descapitalizada e, não à toa, aventa a possibilidade de reduzir o intervalo do evento para dois anos. A busca por verbas ainda tenta compensar o drible de marcas que encontram na geração de conteúdo uma forma inteligente de entrar na conversa sem ter de pagar patrocínios milionários. A jogada é limpa, mas ainda precisa de treino. A seguir, Somoggi revela o que as marcas devem fazer para não dar bola fora.
Qual é a tática para atrair investimentos?
Depois das Copas da Coreia e da Alemanha, o salto ocorreu quando a Fifa começou a buscar mercados mais fáceis para se conseguir patrocínios, como África do Sul, Brasil, Rússia ou Catar. Na Europa, o mercado é mais exigente com questões de compliance. Há interesses por trás, não é só o esporte. O marketing esportivo é usado como ferramenta e não fim. Faz com que governantes se conheçam. Patrocinadores também usam o esporte para aproximação. No caso dos árabes, tem essa suavidade, o turismo. Mas, no caso de outras nações, pode ser negócio puro. Os Estados Unidos, por exemplo, usaram o esporte como ferramenta diplomática para grandes negócios.
Como a pandemia afetou?
A Fifa teve prejuízos porque, além da Copa do Mundo e articulações, ela cuida do futebol de mais de 200 federações. Não tinha de onde tirar dinheiro, ela deu dinheiro, e se descapitalizou para evitar a solvência do futebol mundial. Foi um baque. A proposta de fazer Copa do Mundo de dois em dois anos é porque a Fifa percebeu que precisará fazer dinheiro. Mesmo assim, a projeção é ter US$ 6,2 bilhões de receita no Catar em 2022, ante os US$ 5,3 bilhões na Rússia em 2018, e os US$ 4,8 bilhões no Brasil em 2014. Os direitos de TV atingiram US$ 3,127 milhões em 2018, ante os US$ 2,484 milhões em 2014. Já os patrocínios somaram US$ 1,660 milhão em 2018 e US$ 1,628 milhão em 2014. A Covid-19 também fez os clubes sofrerem, mas cada um encara o momento mais ou menos preparado. O Real Madrid registrou um milhão de euros de lucro no mesmo ano em que o Barcelona teve meio milhão de prejuízo. Uns saem estraçalhados, outros só machucados.
Qual é o potencial de audiência?
O poder de hiperconexão da Copa do Mundo é gigantesco. Jogos das finais podem ser assistidos por mais de 500 milhões de casas no mundo. Se você multiplica esse número por quatro pessoas em cada domicílio, que é mais ou menos a média, tem-se dois bilhões de pessoas. A Copa da Rússia chegou a uma audiência de três bilhões. Já o negócio por trás disso, que são os patrocínios, depende da ativação, porque muitas marcas não patrocinam, mas acabam se associando ao evento indiretamente. Uma das questões que mais afligem a Fifa são os direitos de transmissão, maior fonte de renda. A transmissão linear, de TV, está crescendo porque ainda existe demanda por esporte ao vivo. Mas, quando cair, será difícil estabilizar da mesma maneira. Os streamings compram, mas possuem capacidade de venda limitada. A Fifa sabe disso. Mas se transmitir a Copa na TV aberta ou fechada não conseguirá falar com pessoas de 18 a 25 anos. É preciso considerar plataformas complementares, que deem a chance de atingir o jovem que não vê televisão.
O que a transmissão do Mundial 2022 terá de diferente?
Será o ano do consumo de conteúdo. Estou curioso para ver, porque o consumo de conteúdo mudou, mas temos o mesmo modelo com TV aberta, fechada e vídeos nas redes sociais da Fifa. Talvez, redes sociais como TikTok e Facebook façam sentido. Eu montaria um time de influencers, jogadores e ex-jogadores, para uma ação de entretenimento ao vivo, além dos 90 minutos do jogo. O importante é promover a vivência. O torcedor comum gosta do matchday, e tudo o que está relacionado aos bastidores, vestiário, antes do jogo, o que o jogador comeu, além da transmissão; e de conteúdo exclusivo, mostrando o atleta jogando videogame com o filho, cozinhando com a mulher, indo ao pet com o cachorro. É conteúdo de menor impacto com relação ao jogo, mas não significa que é de baixa qualidade, e ainda é possível levar conteúdo patrocinado. Essa é uma visão que vai evoluir. Marcas não patrocinadoras são maioria e, cada vez mais, perceberão que não precisam estar ligadas ao evento.
O mercado sabe patrocinar esporte?
Você coloca a marca na camisa, bota uma placa, e aí tem de ativar. Onde? Comprando mídia. Isso não existe mais. Qual mídia vai comprar? Instagram, YouTube, Globo? E se a marca não tem dinheiro para tudo? Aí entra o data driven. Custo de aquisição de clientes, mecanismos e ferramentas terão de ser mensurados diária ou mensalmente. Patrocínios caros se transformam em milhões de ativações, não dá mais para correr o risco de o investimento não voltar em vendas. Talvez tenha de criar QR codes, chamar influencers, fazer brincadeiras, porque o humor vende. As pessoas não estão ligadas ao esporte apenas para serem campeões, mas também pela diversão, que engaja, embora a conversão seja baixa. A tendência no esporte mundial é que a marca negocie transmissões, por exemplo, no seu YouTube ou site. Estamos falando de cotas altíssimas. É como se a pessoa que entrar na conta do seu banco pudesse ver o jogo do Brasil ao vivo. O custo de aquisição do cliente, um dos principais KPIs no digital, depende muito da história que a marca vai contar. Mas não adianta ser uma matemática, precisa ter visão mais humana, e usar o poder do esporte como veículo de marca.
O que é e o que não é proibido?
Ambush marketing é colocar uma marca no meio da transmissão, por exemplo, na arquibancada, atrás do gol, onde passa a câmera, e é um uso indevido. Agora, se a marca pega influencers que têm milhões de fãs, monta um estúdio ao lado de um estádio, por exemplo, no Catar, e produz conteúdo 24h, com as marcas patrocinadoras desses influenciadores apoiando a cobertura de jantares, baladas e entrevistando ex-jogadores, não há infração. A audiência do futebol nem sempre precisa estar conectada ao evento.
O que falta para o Brasil?
Criar ROI e considerar o esporte como plataforma de negócios e não de visibilidade de marca, que não converte. A internet, os estudos sobre ativações e mensurações de propriedades esportivas provam: o que converte é conteúdo de qualidade. Mas ainda tem gente contando o centímetro de TV, enquanto todo mundo faz data driven. Só no Brasil permanecem métricas ultrapassadas. Coloca-se R$ 10 milhões em uma cota com retorno de R$ 100 milhões em mídia, e se considera isso como ROI. No meu cálculo, esse valor corresponde a um terço do ROI, só vai trazer um pouco da realidade. A TV ainda pode atingir o público errado. Não existe nada mais assertivo que o esporte. E o futebol é genial para isso. Mas falta formalidade na gestão. Quando tivermos isso, a publicidade também vai dar um passo além. Usa-se muito o futebol como mídia, mas também é uma forma de a marca não cair de cabeça em uma gestão que, muitas vezes, é ruim. Espero que a lei das empresas ajude. Vamos esperar acontecer para poder, então, comemorar.
Como valorizar um patrocínio?
Tem essa nova legislação da Sociedade Anônima do Futebol, para a transformação dos clubes em empresas. No México, por exemplo, os clubes já são geridos por empresas, e eles não vendem o espaço publicitário nas camisas tão barato quanto aqui. Lá, o volume de dinheiro da publicidade é mais caro, o próprio mercado publicitário mexicano é mais valioso, até pela questão da audiência vinda dos Estados Unidos. Isso ajuda. Claro que uma empresa bem administrada vale mais. Um clube bem administrado tem de vender um patrocínio melhor. O Flamengo vendia patrocínios muito melhores do que vende hoje porque, melhor administrado, vale mais. No entanto, ainda é algo aquém do que poderia ser.
O futebol deixará de ser machista um dia?
O futebol brasileiro é mais conservador que a própria sociedade brasileira. Isso existe no esporte, em geral, mas o futebol é ainda mais arcaico, e pouco antenado com o que há de mais moderno. O mundo do esporte, porém, acena para questões de diversidade e igualdade. Ídolos como LeBron James e Lewis Hamilton já ocupam espaço maior que a própria Fifa sobre temas de humanidade. Estudos mostram que o espaço ocupado pela fala dos atletas deve triplicar nos próximos anos. É o ídolo que produz relação de valor hoje. Quem não investir em projetos com ídolos terá um impacto menor. Iniciativas do esporte nas comunidades também ganham cada vez mais espaço devido à sensação de pertencimento. O mercado publicitário precisa aderir a isso. Marcas devem construir um storytelling real. O que vende é a autenticidade da história que ela conta.
Há um choque de cultura?
Hoje, 70% dos jovens de até 20 anos preferem marcas socialmente engajadas com suas causas. Há atletas que já faturam mais com Instagram. 72% dos jovens brasileiros têm um time europeu, e a Liga que mais tem penetração no Brasil é a NBA. Os mais jovens, nem time europeu querem. O jovem de 16 anos não quer mais saber de futebol. Quando as marcas perceberem que o torcedor de mais de 40 anos está, muitas vezes, no perfil do reacionário, antiquado, verá que não vai dar mais para atender a esse público, carregar esse discurso, que inviabiliza a captação de recursos no exterior. Podemos ver cada vez mais clubes recusando certos patrocinadores porque o próprio consumidor vai exigir propósito. No automobilismo, que tem grandes patrocínios técnicos, antes uma empresa testava o seu combustível para transmitir percepção de qualidade. Hoje, se ela polui, será cobrada. O que faz para investir em energias renováveis? A interrogação insiste na cabeça de marcas que não estavam preparadas para esse tipo de questionamento.