Lideranças do setor refletem evoluções e desafios para a equidade racial na publicidade, mesmo com o avanço de campanhas com o tema

Nesta quinta-feira (20) é celebrado o Dia da Consciência Negra, que desde 2023 passou a ser feriado nacional. Na publicidade, a data amplia o debate sobre representatividade e práticas de inclusão dentro do próprio setor.

O último levantamento do Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP), ‘Publicidade Inclusiva: Censo das Agências Brasileiras 2024’, indica que apenas 30% dos profissionais das agências são negros (considerando pretos e pardos). Nas lideranças, o cenário se torna ainda mais desigual: há pelo menos dez vezes mais CEOs brancos do que negros, reduzindo esse percentual para 9%. Quando o recorte cruza raça e gênero, apenas 17% das profissionais são mulheres negras.

Nesse contexto, campanhas recentes têm provocado reflexões e ilustram o papel da publicidade na redução das desigualdades.

Um dos trabalhos que mobilizou o debate foi o case ‘Nigrum corpus’, da Artplan para o Idomed. A obra reúne ilustrações anatômicas sobrepostas a padrões florais e doenças ficcionais que simbolizam formas de discriminação estrutural. O livro passou a ser adotado por universidades brasileiras como apoio em discussões sobre racismo na formação médica e, em 2025, foi reconhecido no Cannes Lions e no El Ojo.

Também em 2025, o Banco do Brasil lançou o projeto ‘Faces Negras Importam’, criado pela WMcCann, que resgata e recria representações visuais de Tereza de Benguela, Luiza Mahin e Maria Felipa — figuras históricas negras frequentemente ilustradas a partir da mesma imagem genérica de ‘A Mulher Negra de Turbante’ nos bancos de imagem.

Os retratos foram desenvolvidos pela diretora e artista visual Ilka Cyana, com apoio das pesquisadoras Aline Najara, Eny Kleyde Vasconcelos, Silviane Ramos e Rejane Mira, combinando ferramentas de IA e edição digital. As imagens serão disponibilizadas para pesquisas e acervos.

Case virou projeto de Lei

Entre os destaques, está o projeto de lei inspirado em uma campanha da Vult. O PL 80/2024, apresentado pela vereadora Marta Rodrigues (PT) na Câmara Municipal de Salvador, assegura que instituições de ensino usem capelos adequados para cabelos afro, cacheados, crespos e volumosos nas formaturas da rede municipal.

A proposta busca ampliar representatividade e combater o constrangimento de estudantes que não conseguem utilizar o acessório tradicional. O projeto foi motivado pelo movimento #RespeitaMeuCapelo, criado pela GUT São Paulo para a Vult e desenvolvido pela Dendezeiro.

A iniciativa inclui o lançamento de um mini-documentário com participação da professora Dra. Joana Angélica, primeira reitora negra de uma universidade no Brasil, e pretende produzir mil capelos inclusivos para formaturas previstas no segundo semestre na Universidade Federal do Sul da Bahia e na Universidade Zumbi dos Palmares. A campanha gerou mais de 7,7 milhões de pessoas alcançadas organicamente pela imprensa e redes sociais.

‘Ondas de diversidade’

Apesar dessas ações, parte do mercado defende que a discussão ainda carece de continuidade. Em abril deste ano, durante o propcast especial D&AD, Angerson Vieira, co-CCO da Africa Creative, avaliou que “Mercado ainda trata a diversidade como ondas”.

“Parece que a gente vive um mercado reativo, que quer limpar sua barra quando a diversidade vira uma discussão”, explicou o executivo no episódio. A visão é compartilhada por lideranças dedicadas ao tema. Patricia Alexandre, presidente do ODP e diretora do Sinapro-SP, reforça que avanços estruturais dependem de compromisso permanente, não apenas de ações pontuais.

“Para que a gente possa acomodar essa injustiça social e reconhecer as desigualdades raciais, é fundamental que se tenha um desenvolvimento sustentável e equitativo. Eu percebo que as agências têm muita teoria, embasadas principalmente no ODS 17 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, estabelecido em 2015 pela ONU), mas não a colocam em prática”, afirma ela.

Para Patricia, práticas de diversidade exigem sensibilização constante, envolvimento das lideranças e metas claras que garantam continuidade. Ela avalia que a inclusão se fortalece quando passa a integrar políticas, rotinas e governança. “Quando a gente transforma em meta, tudo fica melhor, porque essa diversidade vai vir com o tempo e de forma permanente, deixando de ser uma onda”, disse.

Na perspectiva da executiva, critérios de ESG adotados por empresas como Globo, Natura e O Boticário mostram que a transformação ocorre quando o mercado exige fornecedores alinhados aos mesmos propósitos.

“Para que a gente consiga acabar com as ondas e fazer a inclusão social de verdade, a gente precisa trabalhar as organizações do segmento para este fim, incorporando a diversidade como uma agenda permanente de desenvolvimento e evitando ações pontuais. Só assim a diversidade inclusiva e sustentável vai acontecer” - Patricia Alexandre | Imagem: divulgação

Além de iniciativas institucionais, modelos de operação baseados em recortes diversos também ganham força. A Gana, agência composta por 100% de colaboradores negros, defende que o avanço depende de mecanismos de gestão e não apenas de boa vontade.

Para Inaiara Florêncio, sócia e CSO da Gana e CEO da Oju, o mercado só romperá ciclos de estagnação quando tratar diversidade como vetor econômico: “Precisamos mudar a conversa de ação de diversidade para vetor econômico. Só vamos romper o ciclo de altos e baixos quando a pauta deixar de depender da boa vontade e passar a depender de mecanismos de gestão: metas trimestrais, rituais de acompanhamento, políticas de sucessão e accountability executivo.”

Inaiara Florêncio, Sócia e CSO Gana | Imagem: divulgação

Diante desse cenário, o propmark convidou lideranças de diferentes agências para responder à pergunta: quais caminhos seguir para que o setor deixe de operar em ‘ondas de diversidade’ e avance para políticas permanentes de inclusão e desenvolvimento de talentos negros?

Rejane Romano, diretora de ESG do Publicis Groupe Brasil

Para Rejane Romano, o setor só avança quando a agenda está ligada ao negócio. Ela destaca a importância da escuta ativa e de ações afirmativas orientadas por essas equipes e reforça que monitoramento constante garante continuidade.

"É fundamental que esse compromisso esteja integrado à estratégia do negócio, com metas bem-definidas e acompanhamento contínuo em cada agência ou empresa. Esse avanço passa por uma escuta ativa dessas equipes, garantindo que suas perspectivas orientem ações afirmativas" diz a executiva.

Iniciativas de atração e formação de pessoas negras; programas internos que sustentem um ambiente realmente acolhedor e inclusivo, além de políticas de aproveitamento interno e mobilidade de carreira para quem já atua na organização, estão entre as sugestões de Rejane.

Rejane Romano, diretora de ESG do Publicis Groupe Brasil | Imagem: divulgação

Debora Moura, head de atração e D&I da Artplan e Grupo Dreamers

Para Debora Moura, o ponto central é intencionalidade. Ela afirma que quem opera por onda é quem não tem diversidade integrada à estratégia

"O único caminho é ser genuíno, agir com intencionalidade. Só vai seguir as ondas de diversidade quem não tem o olhar inclusivo consolidado como estratégia de negócio. Para quem trabalha com intenção, o caminho natural e intencional é avançar para políticas permanentes, que garantam a inclusão e o desenvolvimento, trazendo pro dia a dia o trabalho de diversidade", aponta a executiva.

Debora Moura, head de Atração e D&I da Artplan e Grupo Dreamers | Imagem: divulgação

Fabiana Schaeffer, co-CEO da Netza&Co e presidente da IAA Brasil

Para Fabiana Schaeffer, diversidade deixa de ser uma onda quando passa a integrar a estrutura das empresas. Segundo ela, “diversidade só deixa de ser uma onda quando vira cultura, processo e estratégia, um motor de inovação e impacto positivo para todo o setor.”

"É preciso transformar essa "onda" em governança, a fim de que não sejam apenas ações pontuais. Isso significa estabelecer metas claras, indicadores acompanhados pela liderança e políticas formais que orientem contratações, promoções e decisões estratégicas. Quando a inclusão entra no core do negócio, ela deixa de depender do calendário ou do clima do mercado e passa a ser parte da identidade da organização" explica a executiva.

Fabiana Schaeffer, co-CEO da Netza&Co e presidente da IAA Brasil | Imagem: divulgação

Denise Vieira, HR business partner – Pessoas, Cultura e D&I da WMcCANN

Para Denise Vieira falar sobre o tema exige consistência e aponta que o início da jornada de talentos é determinante. "Para que deixemos de operar em 'ondas', precisamos fazer o básico com excelência: incorporar o recorte racial desde o início da jornada de talentos, garantindo processos de recrutamento e seleção que ampliem o acesso e eliminem barreiras", comenta a executiva, que reforça: "Novembro é um marco importante, mas não pode ser o único momento de visibilidade".

"Criar políticas de desenvolvimento, investir em capacitação e garantir espaço de voz e crescimento para profissionais negros de forma contínua é o que sustenta mudanças reais — e é isso que move a WMcCANN enquanto agência comprometida com diversidade, equidade e inclusão como valor, e não como tendência", finaliza ela.

Denise Vieira, HR business partner – Pessoas, Cultura e D&I da WMcCANN | Imagem: divulgação

Carla Guimarães Espindola, VP de Pessoas e Comunicação da Africa Creative

Carla Guimarães Espindola explica que, na Africa Creative, iniciativas de diversidade estão integradas ao negócio.

Ela também destaca a Escola Africa, realizada com a Universidade Zumbi dos Palmares.

Escola Africa, da agência Africa Creative | Imagem: divulgação

“Acreditamos que inclusão se constrói na prática diária e no fortalecimento de vínculos, por isso mantemos parcerias contínuas com organizações como a CUFA, aproximando a agência de territórios que historicamente ficaram fora do centro da indústria", afirma a executiva.