Formado em animação 3D, youtuber chegou a trabalhar em produtoras da capital paulista, como Margarida e O2 Filmes
Tudo começou com vídeos que traziam a sensação de nostalgia para quem assistia. Sentimento este que se tornou o nome do canal de Felipe Castanhari, que atualmente soma mais de 14 milhões de inscritos e mais de um bilhão de visualizações.
Nascido em São Paulo e crescido em Osasco, Felipe Castanhari se formou em animação 3D e, antes de criar o canal, trabalhava no departamento de pós-produção de uma produtora de São Paulo. O que o fez sair da área foi, segundo o youtuber, o "sonho médio do brasileiro": não ter chefe.
"Eu queria ser o dono da minha própria ideia e ter os recursos para executar algo que estava na minha cabeça", afirmou Castanhari.
Foram quatro anos de vídeos nostálgicos até que ele ingressasse em vídeos históricos. O primeiro deles foi contando a história de Adolf Hitler, que já soma mais de 13 milhões de visualizações e, com o tempo, aquela nostalgia de antes foi sendo substituída por conteúdos de história que, inclusive, são passados em escolas de todo o país.
Conforme os anos foram passando e os números crescendo, Castanhari foi se tornando rosto de campanhas e ações de marcas, tendo, inclusive, participado da campanha da Coca-Cola para a Olimpíada de 2016 e carregado a tocha olímpica na época.
Hoje, o portfólio de campanhas estreladas pelo youtuber é extenso: OLX, Mercado Livre, Ambev, FTD, Disney+, Huawei, Buscapé, Hyundai e muitas outras.
Ao PROPMARK, Castanhari conta sobre seu início de carreira, desafios que já enfrentou com o canal e como é o relacionamento dele com as marcas.
Você faz parte da primeira geração de youtubers. Como foi para você entrar nesse meio?
Eu trabalhava no departamento de pós-produção da Margarida, uma produtora de São Paulo, e já trabalhei na O2 Filmes, na Tribo... Trabalhei em vários lugares, com publicidade e na área de games. Eu curtia muito a área e olhando para trás agora, é muito mais fácil você ser especialista em algo. Você só foca naquilo, estuda aquilo, fica bom e não precisa se preocupar com outros aspectos da profissão, sabe? Eu adorava a minha profissão, investi meu dinheiro em cursos e especializações e não planejava sair tão cedo. Eu achava que iria fazer aquilo para o resto da vida e estava tudo certo, eu amava. Mas, eu tinha uma questão, que era saber que ia demorar muito para eu ser o meu próprio chefe, não precisar responder ninguém e poder ser dono das decisões criativas. Eu achava que eu tinha boas ideias. Esse é o sonho médio do brasileiro, né? Não ter chefe. Quem gosta de ter que ficar recebendo ordens? As vezes a gente tem sorte e pegamos chefes incríveis, que nos ensinam muito. Eu tive chefes, principalmente nessa área da arte, que me ensinaram muito, mas no final das contas, eu queria ser o dono da minha própria ideia e ter os recursos para executar algo que estava na minha cabeça. Isso para mim é o mais incrível de ter ido para o Youtube, sabe? Poder fazer isso.
Quando e qual foi a primeira campanha publicitária que você fez?
Eu acho que foi para algum filme, mas não me lembro de foi Paramount. Foi uma época que estava tendo o movimento de migrar dos bloggers para os youtubers e, na época, eu dei sorte de ter um segmento e fazer vídeos que era de fácil adequação para a publicidade. Então, por exemplo, eu fiz um vídeo sobre a Disney e no meio dele tem uma publicidade para o filme 'João e Maria: Caçadores de Bruxas', meio que era só colocar o trailer no vídeo e falar que ia estrear. Mas teve algumas coisas antes disso. Eu estou nesse meio há 11 anos já, a gente acaba fazendo muita coisa (risos), mas se eu não me engano, a primeira campanha grande de televisão que eu fiz foi para a Coca-Cola, na época das Olimpíadas. Foi gigantesca e eu aparecia o tempo todo no intervalo da TV, eu e o Christian Figueiredo brindando com uma Coca-Cola. Eu também carreguei a tocha olímpica por causa da campanha.
Como é para você participar dessas campanhas?
Eu nunca imaginei que estaria nessas campanhas, na verdade. Eu fiz uma para a OLX, com a Fernanda Souza e com o Fernando Caruso e, uma hora que estávamos conversando, eles falaram que meu cachê era igual o deles. A galera que veio antes ainda não tinha um investimento tão grande. Às vezes as marcas liberavam uma verbinha para colocar na internet e hoje isso virou o padrão. Boa parte do orçamento das campanhas é totalmente para digital, então as marcas não têm como escapar dos influenciadores. A verdade é que para a marca, compensava muito sabe? O investimento que eles tinham comparado com o retorno era muito bacana, então valia a pena para eles. As vezes eles pagavam cachês maiores para atores globais e não tinham esse retorno, sabe? Claro que tem gente que também entrega, mas os influenciadores acabaram virando um bom negócio para as marcas.
O que você leva em consideração na hora de começar uma parceria ou fazer uma publicidade com alguma marca/empresa?
Se a marca é grande, é importante que eu seja consumidor da marca, acredite no propósito dela e entenda que é um produto bom para as pessoas, sabe? Ou um produto que eu, simplesmente, utilizo. Recentemente, eu fiz uma campanha para o MercadoLivre, fiz a live deles e entregas nas redes sociais e eu amo o MercadoLivre, uso demais o serviço deles. Para mim, é um privilégio poder trabalhar com marcas que eu utilizo. Lógico que eu não conheço todas as marcas do mundo, mas por exemplo, antes de eu trabalhar com a FTD, que é um grupo de educação gigantesco, eu não conhecia. Eu lembro que quando anunciei, a minha tia veio me contar que eles faziam os livros da minha prima (risos). Eu adoro trabalhar com empresas que foca em educação, sabe? Seja para formação, curso técnico... Tudo voltado para o conhecimento porque eu acho que essa é uma coisa que vale a pena investir. O conhecimento é uma das coisas que mais vai te dar retorno a longo prazo, quanto mais você investir o seu conhecimento, melhor. Outro exemplo bacana é a Melies, que é uma escola de cinema que dá curso de áreas de animação, modelagem 3D, iluminação, textura... Era um sonho meu estudar lá e, na época, eu comecei a trabalhar e juntei uma grana para fazer o curso. Eu saí de lá e fui direto trabalhar na área como animador. Alguns anos depois, eles vieram atrás de mim para anunciar no meu canal. Isso é muito especial sabe? Eu estou anunciando a escola que eu estudei e isso significa muito para mim.
Você é uma pessoa que se posiciona na internet. Isso influencia na sua relação com as marcas? Se sim, como?
Olha, não. Eu acho que eu tive sorte de as marcas não me olham dessa forma, sabe? Como um ativista político. Eu só me posiciono contra absurdos, só que no Brasil a gente tem um monte né? Então a gente acaba tendo que se pronunciar mais, mas eu sinto que é um dever meu, como cidadão, ser crítico do governo vigente, seja ele qual for e especialmente neste de agora que é destruidor para a classe artística especialmente. O cinema no Brasil acabou praticamente, a parte de audiovisual do país está muito difícil. Para mim, é uma obrigação eu me posicionar, entende? Eu tenho me posicionado menos nesses últimos tempo porque tem me dado preguiça, sabe? Tem tanta coisa ruim acontecendo que as vezes eu quero focar em algo positivo por um tempo, para dar uma aliviada e para não ficar muito associado a isso também. O importante é que meu trabalho chegue nas pessoas e se isso for afastar, eu não sei se vale tanto a pena. Mas eu me posiciono por achar que é certo, independente das consequências. Eu nunca pensei que isso me afetaria, eu só dou a minha opinião. Acho que nunca me afetou porque eu nunca fui agressivo demais, eu tento ser coerente, educado... Às vezes eu sinto que uma imagem diz muito mais e ter um alcance maior. Eu tento ser um pouco mais moderado na forma que eu faço a minha crítica.
Como é a relação do Felipe creator com as marcas?
Se a marca quiser que eu seja o diretor e produza tudo, eu faço sim. Recentemente, a gente fez um trabalho com a Ambev e eles pediram que eu entregasse o trabalho pronto para eles, então eu acionei o animador, animação, fizemos o roteiro e eles aprovaram. Eu tenho um estúdio em casa, então a gente entregou tudo e eles só aprovaram. Isso funciona também, mas em campanhas muito grandes não tem jeito. Sempre vai ter uma empresa por trás fazendo a parte de produção, uma agência e tudo mais, mas o que eu tento fazer é falar na minha linguagem porque senão soa estranho para a minha audiência. Eu não posso ir lá e falar de uma forma muito diferente do que falo com a minha audiência porque o conhecimento precisa ser acessível. Eu tento dar os meus pitacos, ofereço roteiros, pergunto se o meu roteirista pode dar uma olhada e tudo mais. Tem marca que deixa, tem marca que não, mas as vezes, na hora eu tento dar uma improvisada, falar com o diretor... Dá para mediar isso.
Tem alguma marca que você gostaria de fazer campanha?
Eu adoraria fazer campanha com a Volvo. Eu sou cliente deles, tenho um XC40 elétrico e a marca tem a questão da segurança né? Eu sei que não é acessível para todo mundo, mas é uma marca que eu gosto muito. Agora, falando de tecnologia, a Apple é uma marca que eu gostaria, mas eles não precisam fazer campanha. Tem a Sony também, Playstation e tudo mais. Já fiz coisas com eles, mas já faz tempo, queria fazer de novo e a minha mulher é embaixadora deles.
Cada vez mais, tem novas redes sociais surgindo, mas você não embarca em todas elas. Existe algum motivo para isso?
Eu estou ficando velho (risos). Preciso entender o que eu quero para a minha carreira, sabe? Eu não entrar em todas as redes que existem é um direcionamento de carreira mesmo. Para fazer um vídeo de TikTok, por exemplo, demanda tempo e eu não conheço ninguém que eu possa contratar que tenha 11 anos de experiência em redes sociais, sabe? Que respire isso, entenda como funciona e saiba os formatos... Para criar esses conteúdos, precisa de tempo, fazer uma edição para aquele formato e tudo mais. O vídeo que eu fiz para o TikTok e que deu certo, só deu certo porque eu me inspirei em um vídeo gringo que já tinha dado certo, entende? Não é algo difícil. Não precisa ser um gênio, mas precisa de tempo e ter conhecimento na área para traduzir aquilo da melhor forma. Claro que dá para fazer isso de várias maneiras, tem umas que funcionam mais que outras, mas se eu for demandar o meu tempo para fazer, eu vou tirar tempo de outros projetos que levam a minha carreira para o ponto que eu quero, que são mais focados para streaming, animação, séries - como eu fiz para a Netflix. Para mim, é melhor usar o meu tempo para essas coisas e para o meu canal, que demanda um tempo. Estamos estudando parcerias com o Youtube e com outras empresas para produzir conteúdos mais trabalhados, com cara de documentário mesmo, então se eu for gastar o meu tempo para planejar e escrever vídeo para o TikTok, não sei vale. Eu sei que o TikTok é uma plataforma importante e que a gente tem que estar lá, mas eu ainda não encontrei uma forma de fazer isso sem tirar muito do meu tempo, mas eu adoraria encontrar uma forma de conseguir.
@fecastanhari Se você tem 10 milhões de reais, você é meio pobre…#agoravocêsabe
♬ som original - Felipe Castanhari
Os seus vídeos são vídeos longos e hoje nós vemos uma tendência de vídeos curtos muito forte no mercado. Você sente essa pressão para produzir esse tipo de conteúdo?
Eu fico desesperado (risos). As pessoas chegam em mim e falam 'Castanhari, faz tempo que você não posta vídeo', mas se você entrar no meu canal, vai ver que o último vídeo que eu postei tem uma hora e quarenta e oito minutos. As pessoas precisam entender que eu entreguei uma hora e quarenta e oito minutos para elas e eu preciso de tempo para fazer isso. Claro que temos outros engatilhados, que estamos produzindo, mas isso demanda tempo e eu sempre falei que quando as pessoas caem no seu vídeo, elas não sabem quanto tempo você demorou para fazer. Ela só vai julgar pela qualidade, então eu prefiro entregar o máximo que eu posso com os recursos que eu tenho.
Você já teve vários vídeos tirados do seu canal e outros que foram desmonetizados por conta de direitos autorais. Como você tem lidado com isso?
A gente tem investido mais em conteúdos autorais, justamente para não ter mais esse problema, sabe? Mas eu tenho vídeos que são preciosidades para mim, como o da história do Brasil na Copa do Mundo, que tem duas horas e quarenta e que neste ano, ele iria ser muito legal para as pessoas. Foi um vídeo que demorou muito tempo para ser feito e ele simplesmente desapareceu, sabe? Tem o dos Beatles também que eu gosto muito, mas não conseguimos reaver ele... É triste porque no Youtube isso acaba acontecendo e as vezes a gente tem que ir para um lado mais fácil - e isso é algo que eu nunca quis fazer - por entender que o lado mais difícil não vai te dar uma estabilidade no canal, porque ficar dependendo de vídeo que você gasta quatro meses para fazer e ele sair do ar depois de um ano é complicado.
Esses vídeos ganham muito views ao longo do tempo. O do Tesla, que tem um ano que eu fiz, já está com 14 milhões de visualizações. São vídeos que são atemporais. O vídeo do Michael Jackson, por exemplo, está no ar, mas eu perdi a monetização dele. Eu acho que nunca vou ter o devido retorno dos vídeos porque sempre tem esse risco de perder a monetização. Enquanto o Youtube não criar um sistema que permite uma monetização proporcional ao conteúdo, ou seja, a empresa receber a monetização de acordo com o quanto o conteúdo dela representa do total do vídeo, vai ter esse risco. Essa monetização proporcional me parece justa, sabe? Se eu tenho 70% de conteúdo original no vídeo, que é a minha voz, minha imagem, o meu roteiro, minha animação... Me parece justo todo mundo receber o proporcional do conteúdo.
