No apertado período de cinco dias a que se reduziu o Cannes Lions, a gente se comporta como uma esponja, absorvendo osmoticamente tudo o que rola por lá.

Nem o ser mais onipresente conseguiria presenciar um terço sequer de todo o conteúdo e as inúmeras atividades que o festival proporciona.

Mas, parece que por osmose mesmo, a gente pega um comentário aqui, lê um post ali, participa de uma rodinha acolá, assiste às palestras e entrega de prêmios que conseguimos e vai conseguindo extrair a essência do maior festival de criatividade do mundo. Mas são necessários uns dias para decantar toda a informação absorvida.

Uma semana depois, cá estou eu tentando passar a vocês a síntese do que consegui captar. E o que consigo depreender de tudo é uma polarização entre o lado da tecnologia e o da humanização.

Tanto no conteúdo, como nos cases vencedores, a gente percebe a presença dessa dualidade. Nunca se falou tanto de tecnologia, algoritmos e matemática atrelados ao marketing.

Tive a pachorra de contar: havia 12 conteúdos explicitamente relacionados a inteligência artificial. E outras tantas citações presentes no meio de outras apresentações.

Realidades mistas, também. Combinações de realidade aumentada, realidade virtual com a nossa realidade pura e simples estiveram presentes em diversas discussões. Robôs, BOTs, androides, máquinas com superpoderes pareciam nos colocar num filme de ficção científica. Mas, não! É tecnologia a serviço do hoje!

O uso de dados é um caso à parte. O acesso e o cruzamento de dados parecem tão facilitados que nos amedrontam. Ah! Mas aí tem o outro lado. O lado da crítica ao excesso de presença da tecnologia e seu consequente valor exagerado. O sempre presente John Hergaty, o H da BBH, que já vinha virando sua artilharia contra a matemática no nosso negócio, desta vez, foi taxativo: “É um festival de tecnologia, não de criatividade”, disse ele em entrevista à Advertising Age.
Outro crítico feroz, este preocupado com o poder dos megagrupos tecnológicos, o professor e escritor Scott Galloway, levantou a plateia do Innovation Stage ao alertar quanto a força descomunal das empresas que ele chama de The Four, as quatro megaempresas, de atuação global e tentacular: Amazon, Apple, Google e Facebook.

O valor de mercado dessas empresas e seu apetite pelo lucro e pelo domínio de mais e mais setores da economia é o que assustam Galloway.

O faturamento dessas empresas supera o PIB de muitos países. Algumas delas conseguem fugir de taxações comuns às empresas tradicionais, criando uma vantagem competitiva desigual.

Tudo isso parece lógico, mas teve palestrante preferindo, em vez de criticar o excesso da tecnologia, simplesmente enaltecer o lado humano da criatividade. Desse lado, tivemos conteúdos tratando de emoções genuínas, de espiritualidade, de amor, de respeito e de solidariedade, como nunca.

Nunca se cobrou tanto das marcas e empresas uma atitude autêntica e verdadeira de integração aos problemas da humanidade. Mais do que vender produtos e serviços a bom preço, o que se espera das empresas é essa visão humanista e sensível da sociedade. Numa dessas noites de insônia (sempre pintam nesse ambiente de tanta informação), me surgiu então a visão de uma luta entre high tech x high touch.

Ou seja, de um lado, a poderosa tecnologia, com seus algoritmos e traquitanas onipresentes nas nossas vidas. Do outro, a não menos poderosa emoção, trazendo à tona sentimentos intrínsecos a todos os seres humanos, mesmo os mais frios e tecnológicos. E quem ganhou essa luta? Ninguém!

Ganhou o equilíbrio. Ganhou o & e não o ou. Foram inúmeros os cases vencedores que mesclaram magistralmente a tecnologia com os fatores humanos mais sensíveis. Ganhou, enfim, a criatividade.

O resumo está expresso na fala de um dos palestrantes: “A criatividade, ela sim, será capaz de salvar o mundo”. Eu acredito!

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda) (alexis@fenapro.org.br)

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