Entidade alerta sobre as 'consequências não intencionais' da decisão do STF para práticas comerciais legítimas

O IAB Brasil manifestou suas preocupações em relação aos possíveis impactos do julgamento do artigo 19 do Marco Civil pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O posicionamento da entidade, divulgado nesta quinta-feira (12), vem um dia após o ministro Luiz Fux votar a favor da responsabilização civil das redes sociais pelos conteúdos ilegais postados por usuários.

Ontem, a Corte abriu 2 votos a 0 para obrigar as plataformas a retirar imediatamente conteúdos ilegais, como mensagens com ataques à democracia, incitação à violência e racismo, entre outras. Na semana passada, o ministro Dias Toffoli, relator de outro processo sobre a questão, também foi favorável à responsabilização das plataformas.

O Supremo está julgando a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

De acordo com o Artigo 19, "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", as plataformas só podem ser responsabilizadas pelas postagens de seus usuários se, após ordem judicial, não tomarem providências para retirar o conteúdo.

O IAB, no entanto, disse que reconhece a importância de combater conteúdos nocivos e ilegais na internet, que prejudicam a democracia e o ambiente de negócios. Mas alerta sobre o que chama de 'consequências não intencionais' da decisão do STF para práticas comerciais legítimas.

Segundo a entidade, um desses pontos é a proposta de responsabilidade objetiva de provedores de aplicações pela mera disponibilização de conteúdo de terceiros “impulsionados, recomendados ou moderados”, o que apresenta riscos e consequências adversas, já que toda a publicidade digital, com ou sem uso de dados, utiliza essas técnicas.

"E é importante ressaltar que, no Marco Civil, a definição de 'provedores de aplicações' inclui não apenas redes sociais famosas, mas abrange todas as empresas que atuam como intermediárias na entrega de anúncios, como redes de anúncios, verificadores de segurança e sistemas de distribuição automatizada, entre outras", informou.

Para o IAB Brasil, esses aspectos da proposta, combinados, geram um "efeito gravíssimo para o setor".

Com isso, todas essas empresas poderão ser responsabilizadas por cada anúncio veiculado em suas plataformas, mesmo sem meios técnicos ou operacionais para verificar a legitimidade das ofertas ou a conformidade legal do conteúdo publicitário de terceiros.

Leia abaixo a íntegra da nota do IAB Brasil:

"O IAB Brasil, associação que representa a publicidade digital no país, manifesta suas preocupações sobre impactos do recente julgamento do Artigo 19 do Marco Civil pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O IAB Brasil é uma entidade sem fins lucrativos que representa mais de 200 empresas que buscam o desenvolvimento da publicidade digital, incluindo anunciantes, veículos, agências, empresas de tecnologia e consultorias. Com 26 anos de atuação e presente em mais de 45 países, o IAB representa um setor que movimentou cerca de R$ 35 bilhões em 2023, gerando milhares de empregos diretos.

Como entidade comprometida com o desenvolvimento sustentável desse mercado, reconhecemos a importância de combater conteúdos nocivos e ilegais na internet, que prejudicam a democracia e o ambiente de negócios. Inclusive, o IAB Brasil já contribui com a discussão por meio da publicação de materiais sobre o tema, como nossa recente contribuição para o Guia de Boas Práticas de Mídias Digitais da Controladora-Geral da União.

Entretanto, é necessário alertar sobre consequências não intencionais da decisão do STF para práticas comerciais legítimas, e que não estão diretamente relacionadas ao tema do julgamento.

Um desses pontos é a proposta de responsabilidade objetiva de provedores de aplicações pela mera disponibilização de conteúdo de terceiros “impulsionados, recomendados ou moderados”, o que apresenta riscos e consequências adversas, já que toda a publicidade digital, com ou sem uso de dados, utiliza essas técnicas. E é importante ressaltar que, no Marco Civil, a definição de "provedores de aplicações" inclui não apenas redes sociais famosas, mas abrange todas as empresas que atuam como intermediárias na entrega de anúncios, como redes de anúncios, verificadores de segurança e sistemas de distribuição automatizada, entre outras.

Esses aspectos da proposta, combinados, geram um efeito gravíssimo para o setor.

Com isso, todas essas empresas poderão ser responsabilizadas por cada anúncio veiculado em suas plataformas, mesmo sem meios técnicos ou operacionais para verificar a legitimidade das ofertas ou a conformidade legal do conteúdo publicitário de terceiros. Essa responsabilização pressupõe que um veículo consiga, por exemplo, validar antecipadamente o estoque de um produto anunciado ou garantir que o preço de cada oferta publicada é real, o que, na prática, é inviável – na internet ou em qualquer outro meio –e compromete o modelo publicitário como um todo.

A responsabilidade solidária entre veículos digitais e anunciantes também merece atenção, pois contraria a própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para publicidade em todos os meios, que estabelece a responsabilização de veículos publicitários condicionada à comprovação de dolo ou negligência. Uma proposta diferente disso criaria um precedente preocupante, com um regime de responsabilidade diferente entre a publicidade veiculada na internet e nos meios tradicionais, como televisão e mídia impressa. Paradoxalmente, o mesmo conteúdo publicitário, quando veiculado nas plataformas digitais desses mesmos veículos, como sites, aplicativos de streaming ou TV conectada, estaria sujeito a um tratamento jurídico mais rigoroso.

Reconhecemos o papel crucial do STF na democracia brasileira. Contudo, qualquer mudança no modelo atual deve ser cautelosa, respeitar princípios constitucionais e mitigar efeitos colaterais para empresas e atividades econômicas que não sejam objeto central deste julgamento, mas que podem ser significativamente impactadas pela mudança proposta.

O IAB Brasil está disponível para esclarecer o ecossistema da publicidade digital e demonstrar sua diversidade, apresentando dados sobre a dimensão e diversidade deste setor estratégico para a economia nacional. Queremos contribuir ativamente na construção de uma solução equilibrada que preserve a liberdade e inovação da internet brasileira e os valores democráticos."

(Crédito: Foto de Julian Christ na Unsplash)