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Eu me inspiro pela aleatoriedade da vida. Por tudo o que não é central, reto, linear. Curiosidades, bobagens, lateralidades. Uma vez li que se colocarmos um macaco numa máquina de escrever, em algum momento ele irá escrever a obra completa de Shakespeare. Chama-se Teorema do Infinito. E, desde que eu li, esse treco não sai da minha cabeça. Pô, a gente por aí se matando pra escrever anúncios muito piores que qualquer trecho de Hamlet e os macacos prontos pra nos dar uma aula, se dermos a eles tempo suficiente. Sob esse ponto de vista, é até bom termos prazos de criação sempre apertados na propaganda. Ao menos nos livramos da comparação com os macacos poetas.

Comparação da qual escapamos, mas que talvez tenha enlouquecido uma outra fonte de inspiração pra mim: Van Gogh. Por ter começado a pintar somente aos 27, o artista tentou acelerar o tempo em busca da perfeição das cores. Era como o macaco do teorema tentando obsessivamente comprimir o infinito dentro de sua existência para ser o Shakespeare das artes. Chegou perto, convenhamos. Até os 37 anos, fez nada menos que 900 quadros, uma média de dois por semana. Mas pirou. Não sem deixar para o mundo cores que fazem qualquer olho sorrir.

Cores. Se não temos mais Van Gogh entre nós, temos o Carnaval do Rio. Que, além dos olhos, fazem a minha alma sorrir. Uma alma portelense, moldada por anos de frustrações e bullying com minha mãe, que todo ano dizia que a Portela ia ganhar, e nada. Esse ano a águia voou mais alto e eu estava lá na Sapucaí, olhando pro céu, sorrindo pra minha mãe – que finalmente pôde ver sua águia campeã lá de cima, do céu.

O Carnaval de fato me inspira. Ele lembra minha mãe, que lembra minha família: a minha mulher, Beth, e minhas filhas pequenas, Nina e Luna. Lindas, elas me fazem levantar todos os dias com a intenção genuína de ser uma pessoa melhor. Aliás, não só elas. As mulheres em geral me inspiram muito. Sou fã da sensibilidade, da inteligência e da força que elas têm demonstrado para transformar o mundo em que vivemos em um lugar melhor. Um lugar mais justo. Um planeta melhor para elas. E para todos nós.

Pipoca (sim, mudei de assunto do nada. Aleatoriedade, lembra?). Sério, pipoca é a coisa mais inexplicável do mundo. Como é que uma pelotinha de milho vira um carro alegórico de amido e fibras daquele? Cientistas dirão que é porque o milho armazena água e quando esquenta rompe a casca. Já os astecas diziam que são espíritos escondidos dentro da casca do milho, que se libertam com o calor. E que essa transformação do milho em pipoca é um fenômeno sobrenatural. Eu fico com os astecas. Tem mais mistério, mais história. E, cá entre nós, se não fosse sobrenatural a gente já teria visto pipoca de feijão ou de amendoim por aí. Na dúvida, tô com os espíritos.

Que, aliás, também são uma fonte de inspiração diária pra mim. Entender o que tem além desse plano, qual o nosso propósito, que forças externas influem na aleatoriedade da nossa vida. Missão, aprendizado, evolução. Como podemos evoluir na curta passagem que temos nesse planeta? Precisamos, como sociedade, mais do que nunca, pensar nisso. Em como fazer o bem no período que temos por aqui. Pois, ao contrário do macaco do teorema, não temos todo o tempo do mundo. Melhor fazer diferente então. Melhor pensar bem antes de apertarmos cada tecla da máquina que escreve a história de nossas vidas.

Moacyr “Moa” Netto é diretor de criação da W3haus