Cláudio Gonzalez, editor da Livraria e Editora Anita Garibaldi e coordenador do Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois, está na Conexão Ásia desta semana
Habituado a encarar multidões que se debruçam sobre as bancas das editoras durante as feiras de livros, o editor da Anita Garibaldi e coordenador do Centro de Documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois, Cláudio Gonzalez, tem um termômetro preciso das preferências do público sobre os títulos. E na última Feira do Livro da USP, em novembro, uma preferência ficou ainda mais clara: o interesse por obras chinesas e sobre a China é uma realidade crescente. Na entrevista a seguir, ele fala de oportunidades e desafios para o segmento editorial aproveitar esse momento.
Vocês acabaram de participar da Feira do Livro da USP (Universidade de São Paulo), que é um dos grandes eventos do ano para o mercado editorial. Que balanço, em geral, você faz da edição deste ano?
A Feira da USP é anual e está na sua 27ª edição. Ela nasceu como um evento voltado ao público acadêmico, mas já faz muitos anos que se transformou em um dos principais eventos do mercado editorial de São Paulo. É frequentada por um público muito mais amplo do que a comunidade universitária e, consequentemente, atrai editoras de todos os nichos, desde as que publicam livros infantis até as que se dedicam a temas religiosos. Na edição deste ano, essa diversidade de público ficou bastante marcada e, assim como vem ocorrendo com as Bienais do Livro, há uma predominância de jovens em busca de livros técnicos e teóricos que são indicados nas bibliografias dos cursos que eles estudam, mas principalmente de gente buscando literatura de ficção. Então, para editoras com este tipo de publicação, as vendas certamente foram bastante positivas. Estive na Feira como livreiro de duas editoras: a Anita Garibaldi e a Contraponto, com muitos títulos voltados para a área política e, nas duas bancas, as vendas deste ano foram melhores do que as do ano passado.

Em termos de vendas e interesse do público, como se destacou a procura por livros relacionados à China durante a feira?
Não tenho como saber como foi esta procura nas demais editoras, mas nas duas que representei (Anita Garibaldi e Contraponto) o interesse e a curiosidade dos frequentadores pelo tema China ficou evidente. Na Contraponto, que tem no seu catálogo dois volumes da obra Governança da China, de Xi Jinping, e mais alguns títulos voltados ao tema da cultura e do pensamento chinês, a procura foi alta. Na Anita Garibaldi, nossos títulos sobre a China esgotaram, sinal também de alta procura. Na Boitempo, o livro de Elias Jabbour sobre a economia chinesa é um dos mais vendidos. E notei que em quase todas as bancadas onde havia livros sobre a China, os exemplares estavam em destaque.
Você poderia detalhar mais como esse interesse crescente pela China tem se refletido, na prática, na procura por livros relacionados ao país asiático?
O mercado editorial não é diferente de outros mercados, ele também funciona na lógica da oferta e da procura. Quando um tema começa a gerar demanda, logo aumenta a oferta de títulos sobre ele. Mas, ainda que a procura por livros sobre a China esteja crescendo, é pequena a oferta de publicações sobre o assunto e, sobretudo, é baixíssima a quantidade de livros disponíveis no mercado editorial brasileiro de autores chineses, sobretudo na área da filosofia e da literatura. Acredito que a procura crescente vai incentivar, no curto prazo, um aumento desta oferta, mas por enquanto ela ainda é muito baixa se comparada à de autores europeus, americanos e até mesmo do Oriente Médio. No ramo da literatura, sobretudo quando falamos de romances e poesia chinesa, a dificuldade de conseguir profissionais capacitados para traduzir do chinês para o português ainda é um obstáculo que talvez ajude a explicar a baixa oferta de títulos. Além disso, escrever sobre um assunto que requer elaboração teórica não é tão automático. O movimento começa nas universidades, com um significativo aumento de pesquisadores dedicados a estudar e elaborar teoricamente sobre a realidade chinesa, depois essas pesquisas acabam sendo publicadas em livros, especialmente por editoras mais progressistas, pois ainda há muito preconceito injustificado no mercado editorial com a China por ser um país governado pelo Partido Comunista. Na nossa editora, esse problema não existe.
Mesmo com políticas de subsídio para publicações institucionais, chamou a atenção desde a feira do ano passado o interesse de jovens pelos livros do presidente chinês, Xi Jinping. Há alguma base nessa percepção?
Acredito que há o fator “curiosidade” envolvido nesta procura. A China, sob a liderança do presidente Xi Jinping, nos últimos anos, vem disputando com os Estados Unidos o posto de maior potência mundial, em várias esferas: tecnológica, militar, econômica e diplomática. E isso, claro, desperta o interesse das pessoas em conhecer as estratégias e o pensamento por trás deste movimento de rápida ascensão. É claro que o fato de o livro ser subsidiado pelo governo chinês e oferecido por um preço muito acessível também ajuda a aumentar sua procura. Ainda que não tenha pretensões imperialistas, colonialistas ou hegemônicas, a China, como potência emergente, percebeu que o soft power é um instrumento importante para se fortalecer e se proteger num mundo cada vez mais globalizado. Os Estados Unidos fazem isso de forma sistemática há décadas. Acredito que subsidiar a produção de livros como este do Xi Jinping faz parte do soft power chinês.
Leia a íntegra da matéria na edição impressa de 8 de dezembro.