Thelma Assis (Crédito: Thiago Bruno/ Divulgação)

Há quase um ano, mais precisamente em 27 de abril, Thelma Assis se consagrou como a grande campeã do Big Brother Brasil 20, reality show produzido pela Globo. Após sair do programa, no auge da pandemia da Covid-19, ela viu sua vida dar um giro de 360º. Formada em medicina, Thelma agora tenta equilibrar a profissão com os trabalhos que surgem na televisão e na publicidade. Nesta entrevista, a embaixadora de marcas como L’Oréal Paris, Always e Rico Investimentos, fala da relação com o mercado anunciante, da busca por uma maior representatividade na televisão e nas campanhas publicitárias e da importância de continuar debatendo questões em prol da desigualdade racial e de gênero.

O ano de 2020 foi muito desafiador para todo mundo, mas para você teve um toque especial. Que balanço você faz deste período?

Apesar de ter sido um ano muito sensível para todos nós, por conta da pandemia, para mim, foi um ano que superou todas as minhas expectativas. Entrei em um reality show, saí de lá campeã, obtive o reconhecimento do público, e no pós-programa, ainda apareceram muitas oportunidades de trabalho. Tudo isso é muito gratificante.   

Depois da vitória no BBB 20, como você vem conciliando a vida de médica com a de pessoa pública?

Primeiramente, entendi que poderia fazer um link entre a comunicação e a medicina. Consegui enxergar isso melhor a partir do momento em que comecei a trabalhar com saúde no programa Bem Estar, na Globo. Então, esse papel da médica que fala e orienta é muito especial. Além disso, me obriga a estar sempre estudando e me atualizando. É uma coisa bem bacana e que gostei muito de fazer. No futuro, não penso mais em trabalhar da mesma forma que realizava anteriormente, por exemplo, no esquema de plantão. A minha meta agora é tentar conciliar a medicina com a comunicação e quem sabe partir para uma área mais assistencialista ou criar uma ONG. 

“Sou muito otimista em relação à ciência”, revela Thelma

Aliás, mesmo depois de famosa, você foi para Manaus ajudar as pessoas no combate a Covid-19, certo? Essa foi a sua volta para o trabalho de médica?

Sim. Estava há quase um ano sem exercer a profissão quando decidi ir ajudar as pessoas que enfrentavam a Covid-19 em Manaus, no Amazonas. Não era para divulgar a mídia. Fui na surdina, mas chegando lá tive o reconhecimento dos próprios profissionais de saúde. O engraçado é que achei que isso poderia acontecer com os acompanhantes, mas no hospital em que trabalhei, o 28 de Agosto, os pacientes não podiam ter acompanhantes, ele estava destinado apenas ao atendimento da doença. A experiência foi muito gratificante, mas, ao mesmo tempo, me deu um start de que é preciso conciliar a Dra. Thelma com a participante do Big Brother. Quando exerço a minha profissão esqueço do programa, estou ali para ajudar as pessoas. Só lembro mesmo quando alguém vem pedir uma selfie. 

(Crédito: Thiago Bruno/ Divulgação)

Depois do reality nasceu uma nova Thelma, agora, garota-propaganda e influenciadora de muitas marcas. Esperava toda essa repercussão? 

As minhas expectativas foram superadas. Sempre fui fã do Big Brother e acompanhava o pós-programa de algumas pessoas, mas não imaginava que era assim. Todo mundo que entra lá gosta de alguma visibilidade, né? Brinco que sou uma médica exibida, pois sempre gostei de câmera, televisão e Carnaval. Afinal, sou passista. Então, o Carnaval era a minha única oportunidade no ano de aparecer na televisão durante o desfile. E, agora, vendo a minha imagem nos comerciais de TV e nas capas de revista, foi um susto, mas no bom sentido. Gosto muito disso e, realmente, nasceu uma nova Thelma. Estou trabalhando muito para que essa imagem se mantenha.  

Você já estrelou campanhas dos mais diversos segmentos. Como está sendo a sua relação com os anunciantes? 

Tenho uma assessoria de publicidade que me ajuda. Acredito que o bom desempenho com as marcas está ligado a minha imagem e ao bom trabalho da minha equipe, que me assessora da forma correta. Isso é muito importante. Ouço muito que os anunciantes gostam de mim, que me vem com uma mulher que transmite força e representatividade. Então, recebo feedbacks positivos e busco transmitir para a marca aquilo que eles estão esperando. Apesar de não trabalhar com isso antes, entendi que para trabalhar com a mídia e com o marketing é preciso ter uma mente criativa para que o público se identifique com a mensagem. Venho aprendendo e tendo uma troca muito boa ao longo desses meses, afinal, não faz nem um ano.

Antigamente, a mulher preta não se reconhecia na publicidade. Acredita que as empresas estão mais abertas à diversidade?

A impressão que tenho é que antigamente as marcas seguiam uma cota. Era interessante ter uma menina de cada etnia na campanha para ter um pouco de representação. Hoje, as empresas fazem isso com orgulho. Elas querem ser vistas como marcas que levantam a bandeira da representatividade. Então, trazem pessoas negras, mulheres e o público LGBTQIA+ em suas ações. Somos um país onde mais de 50% da população é preta e eles precisam se enxergar na publicidade. Só assim vamos nos sentir representados para poder consumir aquilo que a marca espera que a gente consuma. Acredito que tudo ainda é um processo, mas estamos conseguindo. Antigamente, quando fiz a minha transição capilar, não encontrava tantos produtos para cabelos crespos e cacheados, como vemos hoje. Isso também é uma vitória para as mulheres pretas. Entendemos que não precisávamos respeitar um padrão imposto pela sociedade, que era o do cabelo liso, e o que importa mesmo é que você se sinta bem. Isso foi um resgate da nossa identidade e um movimento de empoderamento. A transição capilar é mais do que um padrão estético, é todo um contexto de autoconhecimento.

“O racismo é uma pauta que tem que ser debatido pelas pessoas brancas”, diz Thelma

Agora que você também faz parte do universo da comunicação, com participações nas atrações da Globo, com um programa de entrevistas na internet, o Triangulando, o que você gostaria de mudar no mercado?  

Precisamos reforçar a representatividade. O mercado é muito versátil, mas é preciso estar sempre realizando uma manutenção. Em 2020, tivemos muitas campanhas que traziam uma maior representatividade, porém, muito influenciado pelo movimento ‘Vidas Negras Importam’ (Black Lives Matter). Foi preciso observar ações no mercado internacional para que os brasileiros começassem a debater sobre o assunto. Como mudança, gostaria que isso fosse uma constante. Que as pessoas não precisem ter exemplos impactantes para lembrar que as pessoas precisam se sentir representadas em todos os meios de comunicação. É papel das marcas também realizar essas mudanças dentro das empresas. Ter pessoas negras liderando as equipes e ocupando todos os espaços. A publicidade, o que vemos na televisão, por exemplo, é a ponta do iceberg. O que é mostrado para o público. Mas é preciso também ter uma construção dentro da marca. Nela também é preciso ter representatividade.

Você se tornou uma inspiração para outras mulheres pretas. Como observa isso e que mensagem espera passar para outras gerações? 

É muito gratificante ter se tornado essa pessoa. Costumo dizer que não quero servir de inspiração, mas, sim, de incentivo. De onde vim, todos os caminhos me diziam não. Que não era para fazer medicina, pois era uma profissão muito elitista. Para não fazer balé clássico, pois iria gastar muito dinheiro. Então, o fato de ser da periferia de São Paulo, ser mulher e preta, sempre foi um facilitador para encontrar portas fechadas. Com isso, tive que ir abrindo as minhas janelas. É uma questão de não aceitar o que a sociedade ou as pessoas digam que você não pode. Só você pode traçar o seu caminho. É isso que quero passar para as minhas seguidoras e para as meninas que se identificam comigo. Meninas pretas podem ser tudo o que elas quiserem. Elas não precisam aceitar serem subjugadas ou subestimadas, como fui várias vezes.     

(Crédito: Thiago Bruno/ Divulgação)

O mundo fala muito em transformação, mas você acredita que a desigualdade racial e a questão de gênero precisam ser melhor debatidas no Brasil?

Sim, precisamos falar mais sobre o assunto. Estamos chegando em um momento onde as pessoas entenderam o motivo pelo qual elas precisam falar e debater o tema. O racismo é uma pauta que tem que ser debatida pelas pessoas brancas. As pessoas pretas não vão falar o tempo todo de racismo, pois são as brancas que cometem os atos. A gente fala porque é a nossa experiência e vivência de vida, mas as posturas anti-racistas não vem da gente. Essa é a importância do debate. Ainda não temos uma sociedade totalmente desconstruída. Estamos longe disso, mas temos pessoas que enxergam essa necessidade. Isso já é um grande avanço.      

O BBB 21 é a edição com o maior número de participantes negros. Você está acompanhando essa edição? Qual a sua expectativa para o vencedor?

É uma edição que me deixou muito feliz pela representatividade que ela carrega. Quando percebi na chamada que era o ano com o maior número de participantes negros, realmente, isso me deixou bastante contente. E também de representantes da comunidade LGBTQIA+. Já tinha cantado essa bola no ano passado, que precisam ter mais pessoas. Depois, com o programa no ar e acompanhando as fragilidades dos seres humanos de errar e acertar, presenciamos situações que desagradaram todo o público. Isso é um reflexo de coisas que já não queremos ver. Tá sendo uma experiência muito interessante assistir aqui fora. Depois que você já participou, acaba tendo um olhar mais empático para quem está lá dentro. Você acaba querendo entender aquela pessoa e os seus atos. Para a final, estou torcendo muito para o Gilberto. Ele tem essa representatividade que tanto falo, ele se reconhece como um homem preto e gay. Além de ser uma pessoa super inteligente. Reality show é isso, a gente acaba torcendo para a pessoa com a qual nos identificamos. 

Quais são as perspectivas para 2021?

Sou muito otimista em relação à ciência. Fiquei muito feliz com a chegada da vacina e tenho acompanhado tudo bem de perto. Estou ansiosa para que chegue logo na faixa etária da minha mãe e da minha sogra. E, claro, da minha e do meu marido também, mas isso ainda vai demorar um tempinho. Com 70% ou mais da população vacinada vamos ter uma faixa maior de segurança. Tenho uma visão realista e também otimista. Vamos sair dessa pandemia com vários aprendizados. No campo artístico, quero continuar o meu trabalho no programa Bem Estar, fazendo as minhas consultorias de saúde. Quero continuar atuando na publicidade e, na internet, teremos duas novas temporadas do programa Triangulando. Além disso, vou lançar um livro, que vai contar um pouco mais da minha história de vida.