Com a chegada de novembro, muitas marcas apostam na contratação de influenciadores negros para promoverem ações focadas no mês da Consciência Negra. Entretanto, assim como ocorre no período da parada LGBT ou em março com o Dia Internacional das Mulheres, há um questionamento por parte do mercado sobre essa busca pontual feita pelas empresas. Obviamente, há pontos positivos e negativos.

Ana Paula Passarelli, cofundadora da agência Brunch, especializada em creators, relata que a procura começa em outubro e “cresce até o meio de novembro”. “Esse aumento escancara o racismo estrutural da publicidade, que lembra do negro quando lhe convém. É um sintoma crítico de como o mercado publicitário – responsável por representar da melhor forma o consumidor – escolhe colocar mais negros em suas campanhas por conta de uma data que nem devíamos chamar de comemorativa”, analisa.
Um dos agenciados da Brunch é Ale Santos, escritor que se popularizou por utilizar as threads do Twitter para contar a história do povo negro.

Ad Junior faz sucesso no YouTube e Facebook falando sobre racismo estrutural e questões correlatas

“Novembro é o mês que as empresas e marcas enxergam os negros criadores de conteúdo. Minha agenda está lotada, mas é um sintoma da nossa grande invisibilidade em todo o resto do ano. Carnaval, Páscoa e Dia dos Pais também são dia de negro num país com 56% de afrodescendentes”, relatou, utilizando seu perfil na rede social.

Ao PROPMARK, Santos alertou que as empresas interessadas nos negros precisam se preocupar com o quadro completo do problema. “Não adianta as marcas colocarem pessoas negras, utilizarem como uma estética na sua propaganda, na sua comunicação, fazerem grandes comerciais utilizando pessoas negras se isso não tem mudado as estruturas sociais reais do nosso mundo”, alerta.

“[A procura] aumenta, mas não querem pagar o que vale. E não acredito que seja uma regra de mercado, acredito que seja um modus operandi”, analisa Egnalda Cortês, CEO da Cortês Assessoria e Agenciamento, especializada em creators negros. “Os conteúdos que trazemos são relevantes, promovem reflexão e mudanças importantes. Sendo assim, o valor em branding é indiscutível. Resta saber quais marcas valorizam e querem de fato se associar a esse conteúdo com devida valorização”, questiona Egnalda.

Egnalda Cortês, CEO da Cortês Assessoria: “Se vocês não fizerem, o concorrente fará”

Segundo a CEO, o movimento das marcas no período é “bom e ruim” para os criadores negros. “Pois cria falsa expectativa de que haverá mais trabalho e ao mesmo tempo reafirma o quão ainda temos de trabalhar para que haja educação na sociedade […]. Pois creators negros criam o ano todo”, afirma. O youtuber Ad Junior concorda com a CEO: “é importante que a influenciadora digital negra ganhe tanto quanto a branca”.

Com mais de dois milhões de views em seus vídeos, o youtuber ressalta que não há benefício em colocar pessoas negras nas propagandas e não pagar o equivalente “porque acredita-se que aquela pessoa vale menos”. “Esse ainda é o olhar de muitos”, lamenta.

Além do lado humano na construção de uma sociedade mais justa, apostar nos influencers afro-brasileiros é uma ótima oportunidade para as empresas. Anualmente, a população negra movimenta R$ 1,7 trilhão no Brasil, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva. “Estamos falando de um grupo composto por mais da metade da população brasileira […], mas que ainda assim não se sente representado nas propagandas. Segundo a Think Etnus, 61% dessas pessoas compraria mais de marcas que os representassem. Isso é oportunidade”, analisa Ricardo Silvestre, fundador da Black Influence, empresa de facilitação, agenciamento e conexão de influenciadores, artistas e criadores de conteúdo negros ou de periferia.
Para Santos, não comunicar com essa população é “burrice”. “As marcas que quiserem morder um pedaço desse bolo de R$ 1,7 trilhão vão precisar se mexer um pouco e mudar as próprias estruturas para conseguir conectar com a população afro-brasileira”, alerta.

Ricardo Silvestre, fundador da Black Influence: “A comunidade consome o ano todo”

Obviamente, uma marca pode afirmar que não faz sentido falar com os negros fora desse período. Perguntada sobre o que diria a uma empresa com tal atitude, Egnalda é incisiva: “mande embora o diretor ou gerente de marketing que não consegue enxergar a perda econômica e de lucro para a organização. Se vocês não fizerem, o concorrente fará! E se não fizermos internamente, marcas internacionais farão. É um mercado lucrativo e assim como tivemos uma aceleração econômica global com os tigres chineses, haverá o mesmo movimento pelos leões africanos”, prevê a executiva.
“Algumas marcas podem afirmar que não faz sentido falar com negros fora desse período. A comunidade consome o ano todo, e deixar de falar com ela é deixar de falar com a maior parcela populacional do país. É perder audiência e, consequentemente, dinheiro”, comenta Silvestre.

Entre os criadores da Brunch, os negros são 45%. “A gente se orgulha de ter conosco um time que representa a diversidade do Brasil. No entanto, é nítido o esforço da área de negócios ser sempre maior para vender um projeto encabeçado por um creator negro (se não for para o mês de novembro)”, lamenta Ana Paula. Para ela, é no mínimo “estúpido não valorizar um consumidor por causa da sua cor”.

A postura das marcas
Com a chegada do mês da Consciência Negra, o público também fica alerta para o trabalho das marcas no período. Questionados sobre os trabalhos, especialistas e criadores concordam num ponto: a mudança precisa começar por dentro. “As marcas precisam ter mais legitimidade, e elas alcançam legitimidade quando são verdadeiramente inclusivas. Não quando usam a questão negra como um fetiche, como uma coisa de ‘eu vou enfeitar a minha propaganda com um negro’, mas quando elas assumem uma postura de lutar contra as desigualdades raciais. Aí elas passam a quebrar as engrenagens que dividiram e racializaram o Brasil, as engrenagens que criaram uma estrutura desigual por raça na nossa sociedade. Elas têm de quebrar essas engrenagens dentro da própria empresa. Quando isso acontece, aí qualquer discurso que ela vai assumir de igualdade será orgânico e natural porque a igualdade vai fazer parte da alma dessa empresa”, ensina Ale Santos.

Ale Santos se destacou ao contar a história dos negros por meio de threads no Twitter

Para Egnalda, algumas marcas estão estudando e mudando suas estruturas organizacionais, “mas ainda falta muito”. “Dentro das organizações, os dirigentes não são negros e, quando falam em diversidade, pensam no máximo em gênero, ou seja, dão carteirada de terem mulheres, mas e quanto às pessoas negras? […] As áreas de marketing, as áreas de digital das marcas e as agências são dominadas pela branquitude, e para entenderem essa questão com profundidade, só discutindo isso dia e noite de forma incessante. O incômodo deve ser gerado, e gerar incômodo e entregar meta, dentro de uma construção onde não houve essa provocação, é um grande desafio”, alerta a CEO.

As marcas precisarão se adequar ao novo momento, conforme opina Ad Junior mencionando a adequação de marcas feita nos Estados Unidos no início da década de 1970. “No Brasil, elas vão precisar se ajustar”, comenta.

No futuro, as oportunidades devem crescer ainda mais. Com isso em mente, Silvestre faz um questionamento válido: “há uma estimativa de que, no censo do IBGE de 2020, oito em cada 10 brasileiros se autodeclarem negros. O que as nossas marcas farão com essa informação e com essa oportunidade?”