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Daí o homem declarou que: “República no Brasil é coisa impossível porque será uma verdadeira desgraça. O Brasil está muito mal-educado para republicanos. O único sustentáculo para este país é a monarquia”. Quem foi este homem? Pasmem. Nosso primeiro presidente. O proclamador da República, Deodoro da Fonseca. Depois desse profundo raciocínio, por causa da chamada Questão Militar, uma série de conflitos entre o governo imperial e os oficiais do Exército, mudou de ideia e passou a conspirar contra a monarquia. Virou o primeiro presidente da República, mas acabou renunciando para não ser deposto pelas armas, tal como ele fizera com D. Pedro II. Seu sucessor, um tirano, Floriano Peixoto – o Marechal de Ferro – fez tantas que conseguiu unanimidade contrária, inclusive dos grandes intelectuais da época, entre eles Olavo Bilac. Tendo eles – os intelectuais – preparado uma passeata de protesto, Floriano pegou um bonde e prendeu todo mundo. Não satisfeito saiu prendendo os opositores. O Congresso começou a discutir a legalidade de seus atos. Floriano sentenciou: “ fiquem aí discutindo que eu vou prendendo”. Um poeta.

Fez todas as loucuras possíveis, de tabelar preços de alimentos a congelar aluguéis, mas entrou pelo cano quando mexeu com o que não devia. Por um motivo maluco qualquer mudou a data do Carnaval de 1892, transferindo a folia para junho. Daí foi demais. O povo se revoltou. Essas histórias, fartamente documentadas, estão no livro Guia politicamente incorreto dos presidentes da República, do escritor Paulo Schimidt. É do livro que retiro uma citação de Oswald de Andrade sobre o governo de Floriano: “Ditadura é sempre letargia. Alegam os amigos de governos fortes que somos crianças demais para ter nosso porvir nas mãos. Puro erro. É tropeçando e caindo que a gente aprende a caminhar”.

Continuo no livro. O próximo presidente foi o primeiro civil eleito no país: Prudente de Morais. O Biriba. Paulista de Itu, Prudente de Morais, também conhecido como Prudente demais, foi um articulador. Conseguiu segurar as Forças Armadas, reatou as relações com Portugal e pacificou as relações com a Itália. Doente, foi substituído pelo vice que nada fez de importante além de colocar boa parte do Exército para ser aniquilada em Canudos. Por três vezes os jagunços de Antonio Conselheiro saíram vitoriosos das batalhas contra os soldados. Quando Prudente voltou, não lhe restou outra saída a não ser enviar a quarta expedição a Belo Monte, o que significou a maior chacina de nossa história. Indo e vindo no governo, por causa da saúde precária, Prudente de Morais conseguiu terminar seu mandato e passou o cargo ao também paulista Campos Salles. Esse, apesar de formação acadêmica sólida, era, segundo os que conviveram com ele, uma besta.

Entre outras frases de rara inteligência, disse que nunca consultava as opiniões alheias pois corria o risco de modificar as suas. No fundo, acabou falando o que muita gente pensa até hoje, ainda mais quando chega ao poder. Acreditando ser financista, viajou para Londres e fez um gigantesco empréstimo na Casa Rothschild para… pagar os juros que o país devia aos Rothschild. Deu como garantia a hipoteca da Estrada de Ferro do Brasil, a renda da Alfândega do Rio de Janeiro e a renda do abastecimento de água do Distrito Federal. Para fazer frente à situação, aumentou brutalmente os impostos, falindo empresas, destruindo a incipiente agricultura e levando o país a uma incrível recessão.

Quase mulato, detestava pretos, a ponto de não permitir a presença de tripulantes dessa cor no navio que o levou à Argentina. José do Patrocínio, em seu jornal A Cidade do Rio apontava: “o presidente é um branco de segunda. Tem a testa do moçambique e os quadris do Cabinda, as pernas curtas do tapuia”. Foi embora do Catete sob uma chuva de vaias e legumes podres. Foi escoltado até a estação ferroviária, onde voltou para sua fazenda em Campinas, endividado. Como se vê, não é de hoje que convivemos com crises, lambanças e confusões. Volto na semana que vem com mais algumas histórias, repetindo sempre (e recomendando o livro) que estou principalmente me baseando no Guia politicamente incorreto dos presidentes da República que, por sua vez, se baseou em farta documentação de época. Pretendo continuar, pois é sempre bom saber que não se faz um país de um dia para o outro.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor