Com a proximidade do Natal e do Ano Novo, chegam os jobs institucionais, alegria dos criativos. É a oportunidade de vivermos o nosso momento Schopenhauer. Viramos todos filósofos. Sem medo de criarmos paradoxos, nessa fase tudo aquilo que vendemos o ano inteiro perde a importância. E começamos uma entusiasmada doutrinação em torno do “verdadeiro significado da vida”. Não é formidável? Vejam o caso do Tempo.

Passamos o ano inteiro lembrando que tempo é dinheiro, de que não há tempo a perder, de que, dependendo de como usarmos o tempo hoje, pior, ou melhor, será o nosso tempo futuro (como ensinou o consultor do Conta-Corrente na GloboNews: para nos aposentarmos, basta juntarmos um milhão de reais até os 60 anos que passaremos a viver com cinco mil por mês…). Chega, porém, o Natal, e tudo isso perde a força de verdade e nos derretemos em teses que desmentem o que foi dito.

Afirmamos, por exemplo, sem medo de errar, que o valor do tempo não está na urgência dos minutos ou das horas, mas nos momentos de que desfrutamos. A imagem, intencionalmente, não é a do momento em que um corretor fecha um belo negócio que lhe garantirá uma gorda comissão ou o de um político embolsando vultosa propina.

Não, os momentos a que nos referimos não envolvem dinheiro, embora ocorram em casas bem mobiliadas e efusivamente iluminadas, como convém à ocasião natalina; os personagens estejam bem alimentados e corretamente vestidos; ninguém transpareça viver apertos de ordem financeira, como estar pendurado no cheque especial, estar renegociando as mensalidades da escola dos filhos ou procurando emprego há seis meses. Tudo se passa como se vivêssemos simplesmente sob a égide do sublime escambo de amor. Não é lindo? Fico pensando se poderia ser diferente. Recuo os 40 e poucos anos da minha vida de publicitário e percebo que sempre foi assim.

O chamado espírito natalino funciona como uma espécie de mal disfarçada expiação do capitalismo. Embora, curiosamente, ninguém dê coisa nenhuma para ninguém. Nenhum negócio anuncia: “Aproveite. Pague qualquer fatura entre o Natal e o Ano Novo que os juros serão dispensados”. Não. A mensagem melosa e virtuosa convive mansamente com os juros de 315% ao ano. Aliás, quem algum dia sentiu de perto essa realidade tem de concordar com o Tempo, quando ele diz “eu passo rápido”, “eu não perdoo”…

Fico imaginando se nós, fingindo-nos de sonsos, resolvêssemos adotar a “filosofia” pregada nesses comerciais institucionais de fim de ano. E concordássemos: “o que é um boleto, diante de um sorriso?”; “o que é um cheque especial diante de um beijo?”; “o que é uma taxa de emissão de extrato, diante de um abraço?” E então começássemos a sorrir, beijar e abraçar, em vez de sofrer com a falta de dinheiro ou em vez de renovar os empréstimos para liquidar as nossas dívidas. E, num grande evento, reunindo milhares de endividados, fizéssemos uma grande fogueira, a que circularíamos num abraço solidário, e nela jogássemos todos esses documentos contábeis que nos desviam do que realmente importa na vida. No mínimo, ia ser bem divertido. Pelo menos até janeiro, quando chegassem as cartinhas do SPC.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimir@gmail.com)