Cada vez mais conheço gente que sofre, como eu, do pânico de esquecer nomes. Não sei se é a idade média dos meus amigos que está aumentando, não sei se são os tempos cada vez mais difíceis, não sei o que é. Mas tenho a impressão de que se trata de uma verdadeira epidemia. O assunto é recorrente e tenho ouvido cada vez com mais frequência o relato de casos de pessoas que subitamente esquecem o nome de velhos conhecidos. Eu já estou parecendo candidato às vésperas de eleições. De puro medo de parecer pretensioso ou metido a besta, ando cumprimentando. Basta sinalizar que sabe quem eu sou para eu sair dando beijos, abraços, olés e como vamos. Dá sempre certo com quem realmente, de alguma forma, me conhece, pois ninguém se sente mal em ser tratado com carinho. Mas confesso que ando causando algum tipo de espanto em garçons, porteiros, policiais de aeroporto e organizadores de filas de táxis. Bastou me dar um tímido sorrisinho de reconhecimento que eu já estou abraçando e perguntando pela família. Até aí tudo bem, já que no máximo passo por viado, mas me sinto constrangido depois de reparar que dei a mão para a aeromoça: “Como vai você, tudo bem”? Não digo que tenha sido o pior, mas por conta deste medo, me ocorreu um caso que encerra alguma lição.

Tenho pouquíssimos inimigos. E todos me parecem gratuitos, já que realmente não tenho dinheiro para comprá-los. Digo até mais. Se tenho inimigos, não consigo me lembrar deles. Não por soberba ou desprezo, já que até mesmo acredito que um homem de bem precise ter entre seus patrimônios uns dois ou três inimigos figadais, daqueles que se tem vontade de matar e aos quais se desejam mais cabeludas desgraças. Neste particular, estou pobre. É possível que tenha gente que me deteste (quem não tem?). Mas eu não consigo me lembrar de mais do que dois filhos da puta de verdade. Pois bem, uma vez levei um dos mais injustos, covardes, inoportunos, imbecis e canalhas pés na bunda jamais dados na história da propaganda, por conta de um maluco que resolveu trocar de agência só porque não era ele que tinha escolhido a minha. Até aí tudo mal, mas fazer o quê? Legalmente era o direito dele. No dia do desenlace, apelou para o famoso “desgaste das relações”, cujo auxiliar, interinamente na função de vice filha da puta, o apoiou plenamente.

Eu confesso que perdi a paciência e deixei claro que em nenhum momento tinha havido a mais tênue sinalização do tal desgaste, e a nossa surpresa pela defenestração não era pela demonstração de negligência, nem de insensibilidade. Era surpresa diante da infinita capacidade das pessoas em não se sentirem obrigadas à lealdade e à ética mais profunda. Pois bem, feliz da vida, botei a tal auxiliar na minha listinha de desafetos. Na intimidade, disse até que ela tinha peitos caídos, bunda mole e era meio analfabeta. Uma enorme injustiça quanto ao analfabetismo. Eu acho que ela era totalmente analfabeta. Vida que segue e – como tudo – a poeira dos tempos acumulam-se. Ganhamos contas, perdemos outras. Levantamos e vamos tocando.

Um dia, estou com a Denise Gorga, no aeroporto, e uma pessoa me cumprimenta. Vou-lhe aos braços: “Oi, como vai? Quanto tempo! E lá, tudo em cima? Continua lá? Que maravilha! Bom te ver! Entrei em desespero, pois não conseguia recordar de quem se tratava. Ela me conta coisas como se soubesse da metade: “Continuo, tudo como sempre, sabe como é, agora somos oito pessoas, mas o trabalho aumentou, mas dá para ir levando, estou chegando de uma reunião com o pessoal de cima, e acho que estaremos revendo o nosso marketing?” Quem, meu Deus? Por sorte, ela pede licença para ir ao toalete e eu fico com Denise, que me diz: “Puxa, Lula, você perdoou a fulana?” Perdoei? Quem? Já era tarde. Estava perdoada. Continuamos amigos para sempre. Acho até que ela tinha um pouquinho de razão no episódio do pé na bunda. Como se vê, nada como o tempo e a memória curta para relativizar as coisas.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)