Foi a partir de 2013 que a rua se tornou oficialmente “a maior arquibancada do Brasil” com o jingle criado pela Leo Burnett Tailor Made para a Fiat. Mas, pelo menos na cidade São Paulo, o espaço público tem sido o centro das atenções há muito mais tempo. 

Há diversas razões sociológicas e políticas para a rua ter ganhado tanto espaço na vida do paulistano, seja para protestar, celebrar o Carnaval ou simplesmente se locomover. Mas, certamente, a reorganização da estrutura e de serviços para a população provocada pela Lei Cidade Limpa (14.223/06) impactou diretamente o cenário.

Alê Oliveira

Às vésperas de completar 464 anos na próxima quinta-feira (25), São Paulo passa por momento de transformações estéticas profundas. Parte delas, inegavelmente, trazida pelo projeto que regulamentou a exposição de publicidade no mobiliário urbano na capital, em 2006. Essa é a opinião dos especialistas em urbanismo e mídia exterior ouvidos pelo PROPMARK, que destacaram as contribuições do projeto para incluir São Paulo no hall das chamadas Smart Cities.

“Foi uma grande evolução do mercado, que vinha de uma situação caótica, perdendo a mão das coisas. A cidade passou por uma mudança radical necessária com a legislação para poder recomeçar de maneira diferente e mais organizada”, destaca Paulo Stephan, diretor-executivo da ABOOH (Associação Brasileira de Out Of Home). O executivo lembra que à época houve quem tenha torcido o nariz para a proibição de outdoors e de comunicação indiscriminada pelas ruas, mas que a mudança foi decisiva para que hoje São Paulo tenha um outro patamar de paisagem urbana. Essa também é a avaliação de Rafael Urenha, chief creative officer da DPZ&T. O executivo destaca como principal ganho da legislação a unidade visual e relevância de conteúdo. “O maior benefício foi organizar visualmente a comunicação para que a publicidade ganhasse relevância. As pessoas passaram também a ter mais atenção, a se orientar por essa comunicação na rua porque encontra valor, informações e entretenimento”.

Do ponto de vista urbanístico, o projeto tem desempenhado papel importante, à medida que contribui para evidenciar a paisagem urbana antes escondida por trás da “parafernália visual” da comunicação antiga, como destacou em nota a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL). “Com a remoção das grandes peças que envolviam os imóveis, dos imensos totens de bancos e lanchonetes, entre outros, a história e a arquitetura de São Paulo, que não podiam ser vistas, já que estavam escondidas atrás de parafernália visual, foram reencontradas”.

Alê Oliveira

RECONEXÃO
Com 6.500 faces de publicidade disponíveis, a rede de mobiliário urbano da cidade está sob concessão da JCDecaux e Otima desde 2012. As empresas foram responsáveis por reintroduzir a comunicação no espaço público e contribuir com atualização do mercado de mídia exterior. Também foi tarefa delas promover a profissionalização, além de propor junto às agências soluções efetivas, mas que também dessem o devido respeito à paisagem urbana.

Segundo Ana Célia Biondi, diretora-geral da JCDecaux Brasil, detentora dos relógios de rua na capital paulista, a lei devolveu a propaganda à cidade de forma racional e organizada, e, sobretudo, vinculada à prestação de serviço aos paulistanos. Mas todo o mercado precisou também se atualizar para acompanhar o novo momento. “O retorno do OOH exigiu um esforço coletivo da indústria de comunicação, pois naquele momento tínhamos toda uma geração que se formou e começou a trabalhar sem que o OOH fizesse parte de seu cotidiano”.

Urenha, da DPZ&T, fã assumido do formato pôster, foi um dos que sentiram o baque. “Outdoor é uma peça nobre, mas tinha perdido a relevância devido ao excesso. Depois que a publicidade voltou regulamentada, resolveu esse problema. A legislação é mais um capítulo da comunição das marcas na jornada do consumidor, que hoje tem vários pontos de contato”. Nessa jornada, que inclui o celular como peça central nos deslocamentos, a mídia exterior acompanhou o movimento, unindo conectividade e prestação de serviços”.

Alê Oliveira

É o caso da internet wi-fi instalada nos abrigos de ônibus, administrados pela Otima. O paulistano também passou a receber outros benefícios, como o validador de bilhete único e o aplicativo Leve-me, que disponibiliza rotas de ônibus, metrô, trem, bicicleta e táxi. “A mídia exterior deu outra cara à cidade, com mais cor e iluminação, além de serviços e o entretenimento oferecido pelas próprias campanhas. Recentemente, em pesquisa realizada pelo Datafolha, percebemos que 96% das pessoas aprovam as mudanças introduzidas pelo novo mobiliário urbano da cidade”, destacou a Otima.

Buscando explorar justamente o potencial do OOH e, de quebra, apresentar o patrimônio da cidade de forma mais interativa, a Pinacoteca, em parceria com Metrô, ViaQuatro e CPTM, acaba de lançar o game para celular Pinatrilhos. Segundo Théo Rocha, diretor de criação da F/Nazca Saatchi & Saatchi, responsável pela criação do projeto, a ideia é transformar as linhas do metrô e do trem em um tabuleiro gigante.

O objetivo é chegar à Pinacoteca, que fica na Estação da Luz. Para isso, os jogadores precisam responder dentro do trem a perguntas sobre as obras e seus artistas. Quem acerta segue para uma estação mais próxima do museu. Já quem erra, deve mover-se para uma estação mais distante. “Quisemos motivar as pessoas a usarem o transporte público e, assim, conhecer a cidade. Com o jogo, o visitante chega ao museu com mais conhecimento, mais curioso. Sua experiência fica mais profunda. Juntamos o mobiliário das estações com celular para criar o jogo”, explica o executivo.

Alê Oliveira

NA MEDIDA
De fato, a cidade tem ganhado novos olhares frutos das abordagens mais criativas do mercado de mídia exterior. Nos últimos dois anos, com a evolução desse processo de valorização de sua paisagem urbana, a cidade também tem se aberto para outros formatos de mobiliário. No ano passado, o prefeito João Doria apresentou protótipos de banheiros públicos e bancas de flores que devem ser inclusos no projeto em breve.

As empresas interessadas cuidarão da manutenção das peças em troca do direito de explorar comercialmente os espaços publicitários. Neste ano, Doria assinou decreto que autoriza a abertura de concorrência para empresas que desejam gerenciar 500 banheiros públicos fixos e outros 100 móveis para feiras livres. O projeto de bancas de flores, por enquanto, não andou.

Mas nem tudo são flores, literalmente. A Lei Cidade Limpa também viabilizou os Termos de Cooperação, outro modelo de veiculação de marcas no espaço público. Nesse acordo, a Prefeitura concede às empresas parceiras, como contrapartida visual de inserção da marca na paisagem, a execução e manutenção de melhorias ambientais, paisagísticas e urbanísticas. É o caso dos bicicletários patrocinados pela Bradesco Seguros, por exemplo. Outro caso é o projeto de requalificação de 32 pontes nas marginais dos rios Pinheiros e Tietê. Os parceiros que viabilizarem as obras e a manutenção dos equipamentos públicos por três anos terão direito de divulgar a sua marca na paisagem. Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, isso será feito de forma “segura e harmoniosa, não trazendo nenhum risco para o motorista”, mas o entendimento não é unânime. Sete dias após a Prefeitura ter publicado no Diário Oficial chamamento público para empresas interessadas, o Tribunal de Contas do Município suspendeu o processo, em 27 de outubro de 2017.

Para a urbanista Angélica Alvim, diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, a inclusão de novos formatos de propaganda deve ser observada com cautela. “Demoramos muito para chegar a um espaço sem tanto neon, outdoor e fachadas desorganizadas. É preciso critério. A cidade já é complicada do ponto de vista de poluição visual com toda a fiação exposta, poucas áreas verdes e calçadas irregulares, por exemplo. A gente precisa cuidar da paisagem tendo uma visão conjunta da imagem urbana”.

Alê Oliveira

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