Há os coleguinhas que buscam inspiração no cinema argentino, de que eu sou um caloroso admirador. Há os que insistam em ler os noticiários à cata de um gancho criativo, o que muitas vezes pode render uma boa sacada de oportunidade. Tive um diretor de criação nos anos 1980 que me dizia: “pare tudo e vá assistir ao novo filme do Ettore Scola.” Justíssimo. Acho, sim, que o criativo é uma soma de tudo o que lê, ouve, assiste e percebe ao seu redor.

Gilaxia/iStock

Outra coisa: as conversas informais, as piadas e o papo furado não devem ser considerados inimigos da criatividade. Nem mesmo da produtividade. Pelo contrário, já renderam muitas campanhas memoráveis e trouxeram prêmios para os criativos que entenderam que matar bem o tempo não significa matar as boas ideias.

Lembro-me bem de estarmos, a Vivi Pepe e eu, pensando algo para o evento de lançamento da linha masculina de Elséve, para a L’Oréal. A conversa era sobre homens e os cuidados com seus cabelos. Contei que, quando era cabeludo, usava shampoos para tratar minhas melenas com carinho. Obviamente rimos disso. A ideia veio daí. Reunimos amigos de infância, parentes e colegas do mercado publicitário carioca para relembrar os tempos em que ostentavam belas madeixas. O cliente gostou tanto que, mesmo sem verba para veicular um anúncio, mandou fazer uns cartões frente e verso e distribuiu no evento de lançamento.

Uma coisa que, por mais que tente, eu não consigo desenvolver é o tradicional hábito dos criativos de ir para uma salinha pensar. O processo em si me incomoda. Quatro ou cinco pessoas, em torno de uma mesa, todos calados, com ar pensativo. Na real mesmo, estão todos na expectativa de que um deles rompa o silêncio com uma ideia matadora para acabar com o sofrimento coletivo. Mas, como nenhum deles se arrisca a ser o primeiro a falar, eles acabam perdendo muitas horas naquele estado catatônico. Nessas situações, sempre que eu posso, saio para ir ao banheiro. Raramente volto para a salinha.

Outra fonte de inspiração corriqueira e, obviamente mal-afamada, é o prazo. Não acredito em criativo que se sinta inspirado sem a pressão poderosa de um prazo cruel para a entrega do trabalho. O prazo é, coitado, muitas vezes, apontado como o vilão, quando, na verdade, o bandido mesmo é o briefing mal-elaborado. Este, sim, não ajuda a gerar boas ideias e ainda embaralha os objetivos da peça solicitada pelo cliente. O prazo, por menor que seja, acaba sendo um aliado porque evita as longas meditações naquela salinha a que já me referi. Desde que, claro, sejam respeitados os limites da viabilidade. O famoso de hoje pra hoje mata qualquer vã tentativa de criação.

Divulgação

Mas, expliquemos o título deste singelo depoimento: o som da água corrente do chuveiro ligado (com o perdão dos meus amigos ambientalistas) faz uma conexão imediata com o meu inconsciente criativo. É quando estou no banho que as ideias jorram em cascatas junto com o jato da ducha.

É meio constrangedor pensar que parte das melhores sacadas criativas que eu produzi ao longo da carreira tenham chegado ao mundo testemunhado a minha ensaboada nudez.

Mas comigo funciona muito essa inspiração no box, aquele ambiente de extremada fecundidade criativa. Acho que é isso: o pensamento flui com o escoar das águas pelo piso do box até chegar ao ralo. Que, sim, infelizmente, é para onde vai boa parte das nossas ideias.

Toninho Lima é supervisor de criação da Artplan