Uma das principais bandeiras das agências para 2018 é a transformação digital dos negócios de seus clientes, mas, para isso ocorrer, elas precisam fazer a lição dentro da própria casa. Alguns movimentos já têm ocorrido nas principais redes internacionais, como no Publicis Groupe, que prometeu ficar fora dos festivais para investir no lançamento da ferramenta Marcel, e na J. Walter Thompson, com a sua Pangaea. 

Outro player que recentemente anunciou a integração de funcionalidades já existentes em uma única plataforma foi a R/GA, com seu sistema operacional R/GA OS.

Em todos os casos, o objetivo é digitalizar a operação das empresas, acelerando processos, integrando dados de maneira inteligente e auxiliar na tomada de decisões estratégicas. A Africa é a mais nova do setor a aderir a uma tecnologia desse tipo. O AfricaBeat organiza as informações da agência em sua plataforma, incluindo fluxos de trabalho, custos, receitas e horas-homem dedicadas aos projetos.

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A gestão da operação da agência passa a ser feita a partir desse modelo de business intelligence. Na prática, diz a empresa, o modelo já trouxe impactos para o negócio, como revisão de contratos com os clientes, melhor distribuição das equipes, formalização de processos para compliance e redução de ineficiências. Para implementar o modelo e liderar essa nova área, a Africa contratou Alexandre Mantovani, ex-sócio da Falconi, empresa de consultoria de gestão, e diretor de estratégia e gestão do Grupo ABC. Ele se torna diretor de operações da agência.

“O processo de digitalização não pode ser só da porta para fora. Ele deve ser, principalmente, interno. Começar de dentro. Hoje é possível não apenas identificar o retrabalho, mas inclusive saber quanto isto custou para a empresa. E o melhor, consigo fazer isso de qualquer lugar, a qualquer momento, pelo meu celular”, explica Marcio Santoro, copresidente e CEO da Africa. “Poucas empresas conseguem ligar bem a operação com decisões estratégicas. Esse é o grande objetivo aqui, e acredito que seja o grande diferencial”, afirma Mantovani. A primeira etapa do AfricaBeat foi conectar a empresa digitalmente, criar a central de inteligência de operação e começar a coletar dados. Em seguida, explica Mantovani, já se começou a usar tais informações para auxiliar os líderes na gestão dos contratos e estruturação das equipes. “O próximo passo é entrar mais na operação e ajudar as equipes a experimentarem modelos de trabalho cada vez mais eficientes e fluidos dentro da agência e entre agência e clientes”.

Polêmica

As ferramentas de gestão ganharam mais notoriedade em 2017 muito por conta da polêmica causada pelo Publicis Groupe, quando seu CEO, Arthur Sadoun, anunciou a retirada de suas agências dos festivais por um ano para focar na transformação da empresa com o desenvolvimento de sua tecnologia de inteligência artificial Marcel. Arquitetado e liderado por Chip Regiser, co-CEO da Publicis.Sapient, o Marcel deve ser lançado para valer em 2018, durante o evento VivaTech, do próprio Publicis.

A ferramenta atenderá a 80 mil funcionários de 130 países, tentando integrar mais de 200 capacidades profissionais de acordo com cada projeto.

O plano é promover uma grande colaboração virtual para se chegar às melhores ideias criativas e soluções de negócios. A ferramenta informará desde fatos sobre os clientes e demais corporações, capacidades de profissionais em toda parte do mundo, cases e campanhas já criadas dentro da rede, dentre outras funcionalidades que ficarão mais claras no ano que vem.

Na J. Walter Thompson, a ferramenta que integra dados e os 12 mil funcionários da empresa no mundo é o Pangaea, lançado oficialmente em julho deste ano, embora seu conceito seja de 2015 – poucos sabem, mas ele foi idealizado no Brasil (leia mais na página seguinte), e depois construído em parceria da agência com a Mirum e a Starmind, integrando funcionalidades de neurociência e inteligência artificial. O Pangaea permite aos funcionários fazerem qualquer pergunta à plataforma – desde as mais estratégicas relacionadas às campanhas e clientes, até outras que facilitam o dia a dia, como o melhor lugar para sediar um almoço de negócios. A resposta pode vir da máquina ou de outros colaboradores, rompendo barreiras de culturas e línguas.

“O Pangaea é uma ferramenta entre diversos movimentos da agência de transformação do negócio, que encaramos como algo mais profundo. Antes de qualquer tecnologia, precisamos de uma forte revolução cultural, para encerrar um processo de trabalho pré-moldado. No mundo digital native, o modelo não é de linha de produção, mas de experimentar e errar rápido e de forma eficaz”, afirma Ezra Geld, CEO da J. Walter Thompson.

“O ser humano precisa estar apto à constante mudança e os sistemas de trabalho precisam estimular isso, dentro de uma certa ordem. O Pangaea é fruto dessa transformação do negócio da empresa. Primeiro, fizemos uma mudança cultural e, então, identificamos que poderia existir uma ferramenta que ajudasse nisso. Ele acessa a informação e funciona como um catalisador que une as pontas da agência. Podemos acessar inteligência base sobre, por exemplo, uma determinada categoria. O Pangaea agilizou muitos de nossos processos”, analisa o executivo.

A R/GA integrou diversas ferramentas que já possuía no sistema operacional R/GA OS, ativo para 2 mil funcionários, e também amparado na cultura e infraestrutura que a agência já possuía. “A única maneira de ajudar os clientes a transformarem seus negócios é tendo, dentro de casa, a integração dos talentos, dados e ferramentas que desenvolvemos”, afirma Fabiano Coura, VP e diretor-geral da R/GA São Paulo. 

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O sistema permite a integração das pessoas nos 17 escritórios da empresa, promovendo colaboração em projetos. Sete escritórios da R/GA, por exemplo, usaram esse sistema para trabalhar na campanha Love Has No Labels e quatro escritórios, sob liderança da R/GA no Brasil, colaboraram na campanha #Vemjunto, da Nike.

“Essa conexão de talentos gera eficiência, para usarmos os talentos quando realmente precisamos deles. Também, permite que, dentro de uma lógica de trabalho, se melhore a qualidade do produto criativo, pois a chance de chegarmos a uma ideia inusitada é maior de acordo com a diversidade que temos na equipe”, diz.

A plataforma se resume em cinco vertentes. A primeira é conectar pessoas, facilitando a identificação desses talentos para a rede, com possibilidade de bloquear horas de trabalho de acordo com o projeto. “Posso ter, na semana que vem, um ilustrador japonês por 40 horas”, explica Coura.

A segunda é informar, já que o R/GA OS tem uma espécie de Google interno que fornece tudo o que temos sobre determinado assunto. Todos os trabalhos e informações de concorrências do setor automotivo, por exemplo, e quem da equipe tem experiência na área. A terceira é colaborar, com mapeamento dos profissionais de acordo com seus expertises. A quarta é gerir, que inclui as funcionalidades de gestão, que inclui desde controle de custo, até o quanto já se consumiu de investimento em cada projeto. Por fim, existe a vertente de comunicar, que dá conta de conectar pessoas por meio de videoconferências que podem ser feitas até pelo celular.

Agências da J. Walter Thompson adotam modelo criado no Brasil

Adotado em todos os escritórios da J. Walter Thompson, e anunciado há alguns meses, o Pangaea nasceu no Brasil, em 2015. Mais especificamente na operação local da Mirum, com a liderança de Guilherme Gomide. “O Pangaea é o resultado da equação entre inteligência artificial e colaboração entre escritórios. Com ele, descobrimos onde e com quem estão as melhores respostas e orientações sobre os assuntos do dia a dia no trabalho. O Pangaea é uma realidade e está ao alcance de todos, via desktop ou mobile”, afirma Gomide.

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Ele lembra que o Pangaea surgiu a partir de um concurso interno cujo objetivo era criar “soluções para tornar a Mirum a agência mais conectada do mundo”. A proposta ganhadora foi de um grupo brasileiro do campus de Curitiba. Foi um trabalho de interação contínua de uma equipe multidisciplinar composta por programadores, estrategistas, analistas de BI, produtores de conteúdo e planejadores, que se reúnem semanalmente com outros líderes globais para analisar relatórios e discutir melhorias e mudanças em features, comunicação e design. Uma primeira versão beta da plataforma foi lançada em abril de 2016 e, depois, re-lançada globalmente.
“A essência do Pangaea é derrubar barreiras e conectar todos os escritórios para que possamos compartilhar conhecimento, solidificá-lo e, assim, tornar o trabalho ainda mais rico e assertivo”, diz Gomide.

“O seu foco é encontrar experts ideais para ajudar em uma questão específica. Ela também classifica os tópicos e extrai as palavras-chave para geração de insights e análise de dados. O Pangaea pode ser acessado também pelo celular, por meio de um aplicativo ou qualquer navegador, em função do seu design responsivo e intuitivo. Além disso, para atender a grande maioria dos usuários, ele é multi-idioma, com tradução”, explica Gomide.

Na prática, o Pangaea está sendo utilizado principalmente para new business e projetos já existentes dos clientes. No Brasil, por exemplo, em uma fase final de concorrência, informações e insights sobre principais desafios, tendências e dados do mercado do cliente em questão foram obtidos com o escritório de Toronto por meio da ferramenta.

“Estamos promovendo um renascimento do nosso trabalho, conhecimento e estudo de casos realizados ao longo de todos esses anos. Agora, há um espaço para que as pessoas retirem informações em nossos arquivos e deem a elas nova vida ao impulsionar projetos nos quais estamos trabalhando atualmente”, resume Gomide. FT