Profissionais destacam características típicas femininas como empatia
e sensibilidade ao lidar com o público como explicação para o fenômeno
Na contramão de outros setores do mercado da comunicação no Brasil, o mercado de PR, ou relações públicas, é dominado por profissionais do sexo feminino. Empresárias e sócias, CEOs e outras executivas desde o nível de gerência predominam nas equipes de agências grandes, médias e pequenas (estas, mais conhecidas como “boutiques”).
E qual seria a explicação para esse domínio feminino nas relações públicas? “Acreditamos em alguns fatores, um deles é que a natureza do trabalho em relações públicas está, historicamente, ligada a características femininas, como comunicação, empatia e sensibilidade para lidar com diferentes públicos e situações”, diz Bia Azevedo, sócia da Marqueterie junto com Teresa Westin e Débora Carvalho. Teresa ressalta o dom feminino para administrar equipes. “Geralmente a liderança feminina favorece um estilo de administração mais colaborativo em um segmento onde o trabalho em equipe é fundamental, que precisa unir disciplinas e frentes de atuação muito diversas. Essas habilidades comportamentais em equilíbrio com as habilidades técnicas são valorizadas e imprescindíveis para um bom desempenho no nosso mercado.”
Há 17 anos no mercado de PR, a Marqueterie pode ser classificada como agência de médio porte do setor. Atende diversos segmentos, como mercado financeiro,
tecnologia, alimentos, bebidas, educação, arquitetura & design, mercado imobiliário, construção civil e agronegócio, entre outros. Sua equipe multidisciplinar é composta por 30 profissionais de comunicação de diversas disciplinas: jornalismo, social media, publicidade, design gráfico e relações públicas, que atuam nas áreas de PR, conteúdo, marketing de influência, mídia e criação.
As três sócias da Marqueterie têm em comum a formação profissional em comunicação: Bia e Teresa são jornalistas e Débora, publicitária. Débora explica que a convergência de objetivos as uniu. “Cada uma de nós teve motivações individuais para chegar aqui, mas convergimos em um mesmo objetivo. Usar essa liderança para administrar uma agência que faça genuinamente a diferença para o business de cada um de seus clientes e ao mesmo tempo promova um ambiente saudável e próspero aos seus colaboradores. Nossa Missão e Valores, criada em 2005, é muito clara e traz isso: fazer da comunicação e do relacionamento uma valiosa e estratégica ferramenta de negócios no dia a dia dos nossos clientes, fundada em valores como qualidade, ética, competência, transparência e eficiência.”
Feeling
O jornalismo também é a origem profissional de Ana Zambon, CEO da Tastemaker, agência de PR que, desde que surgiu, em 2003, já atendeu mais de 390 clientes. Ela trabalhou em publicações de moda como repórter e editora. “Eu não imaginava ter um negócio como hoje. Após uma temporada na Europa trabalhando em agências em Milão e Paris, aprendi que havia um olhar apurado apresentando as marcas e criando relacionamentos com pessoas. Isto foi em 2002. Quando voltei para o Brasil para organizar minha mudança, algumas marcas me procuraram. Quando percebi, já tinha CNPJ e clientes. Iniciei o formato de consultoria de imagem, e, ao longo de 20 anos, o negócio se desenvolveu, mas as crenças são as mesmas: comunicar marcas para pessoas, independentemente de quem elas sejam.”
Ana acredita que o predomínio feminino na área de relações públicas acontece porque a atividade exige “intuição apurada para saber e entender o que de fato vai funcionar bem, uma boa dose de feeling para organizar pessoas e seus egos, e ainda a condição de realizar várias atividades ao mesmo tempo sem descuidar dos mínimos detalhes.” Tudo isso, complementa, são “atributos que as mulheres carregam instintivamente. Nós tendenciamos a sermos menos explosivas, mais ouvintes, pontos que nos colocaram em posições mais estratégicas e menos operacional”.
Opinião semelhante tem Fernanda Tchernobilsky, co-CEO da agência PROS Comunicação. “Acredito que um dos principais motivos seja porque, para atuar com PR, é necessária muita atenção ao contexto atual – e as mulheres têm uma sensibilidade maior para captar essas mensagens e transformá-las em narrativas potentes. Percebemos, também, uma habilidade feminina para considerar diversos pontos de atenção ao mesmo tempo (visão holística) e uma facilidade de lidar com pessoas, trabalhando com flexibilidade e gentileza, características essenciais no nosso mercado.”
Quase uma exceção entre suas colegas de carreira, Fernanda se formou em engenharia, mas afirma que a sua orientação sempre foi comunicação. Depois de poucos anos na produção, decidiu mudar para o atendimento para estar perto da estratégia das marcas de ponta a ponta. Com uma atuação sólida no mercado de live marketing, brand experience, PR activation, branded content e marketing de influência, soma mais de 25 anos de profissão, com passagens em grandes agências como BFerraz, Rock, Hands entre outras, e acumula grandes cases e prêmios - entre eles, o de melhor profissional de atendimento no Ampro Globes Awards.
Colega de Fernanda na PROS, a co-CEO Daniela Graicar começou cedo na área de PR: abriu a sua primeira agência aos 19 anos. Hoje é colíder de um time de 120 profissionais da agência PROS. Também está à frente do Movimento Aladas, em apoio à liderança e ao empreendedorismo feminino, e é uma das diretoras do selo WOB - Women on Board. “Comecei no mundo do PR ainda na faculdade, com 17 anos. Logo percebi minha vocação e paixão por construir a reputação de marcas. Aos 19 anos, resolvi abrir minha primeira agência de PR e, de lá para cá, mantive o olhar curioso para adotar estratégias criativas em cada solução. Poder atender os mais diversos setores da economia e construir estratégias que mesclam formatos de entrega é o que mantém a mente de um(a) RP sempre renovada e a minha vontade de seguir crescendo no setor”, afirma.
A PROS atende as contas de Grupo Boticário, Grupo Petrópolis, Bauducco, Mercado Livre, Huggies, Intimus, Vibra, Porto e outros 20 clientes, com cases que mesclam produção de conteúdo, ativação, marketing de influência e um sólido relacionamento com a imprensa para amplificar grandes ideias. Conta com um time de mais de 120 funcionários.
Preconceito
Nem tudo são flores no caminho trilhado pelas profissionais de PR. Há 13 anos trabalhando no setor, a empresária Denise Delalamo, dona da agência focada em arquitetura e design que leva seu nome, lembra de uma frase do filme Triângulo da Tristeza, uma sátira de costumes que concorre a três estatuetas do Oscar este ano, para sintetizar uma realidade que ainda persiste no mercado de trabalho como um todo. “Há uma fala interessantíssima de um dos personagens, agenciador de modelos: ‘o único mercado em que a mulher ganha mais que o homem é o da moda’”.
Ela fala que as mulheres lidam com uma série de “reflexos da misoginia estrutural” até hoje. “Inclusive na comunicação – vejam quanto tempo levou para que uma mulher fosse alçada ao posto de âncora de um telejornal, por exemplo – só aconteceu em 1976, nos EUA, com a Barbara Walters. E a equiparação salarial ainda é uma discussão polêmica nesse segmento, como em quase todos os outros.”
Denise acredita que predominância feminina em PR acontece porque “é um trabalho que requer mais do que conhecimento técnico e diplomacia. Exige delicadeza no trato e muito jogo de cintura para gerenciar crises. Embora esses predicados não sejam exclusivamente femininos, fomos condicionadas, justamente para transpor barreiras antes intransponíveis, a nos superar nesses quesitos”, afirma.
Sobre o que a levou a entrar para a atividade de PR, Denise conta que escolheu trabalhar com comunicação por paixão. “Sempre gostei de pessoas e marcas. Comecei assessorando uma arquiteta, que foi um trampolim para minha entrada numa agência especializada na área de arquitetura, decoração, design e construção. Estudei e fiz muitas conexões e depois de oito anos nessa agência resolvi abrir a minha, a Denise Delalamo Comunicação. Comecei no meu quarto, na casa dos meus pais, e como sempre cultivei relacionamentos logo consegui duas marcas muito importantes e aos poucos fui crescendo e formando uma equipe. Essa trajetória tem um pouco mais de 20 anos e acredito que o ponto mais importante seja a necessidade de se reinventar, de estar aberto às mudanças e de aprender.”