Pesquisa da Filhos no Currículo mostra que 98% das entrevistadas desenvolveram habilidades que agregam na carreira após a maternidade
Se por um lado a equidade de gênero avança na indústria criativa, por outro a pauta da parentalidade ainda tem camadas muito profundas a serem desbravadas. Pesquisa da FGV mostra que 48% das mulheres são demitidas até dois anos após a licença-maternidade. Com a normalização do home office e o trabalho flexível, porém, a expectativa é que as empresas tragam cada vez mais a cultura do bem-estar para dentro dos seus contextos, tornando possível às mães conciliar melhor os seus papéis. Além disso, a pressão da sociedade por mais diversidade no ambiente de trabalho reflete também no maior interesse de organizações pelo crescimento sustentável da carreira feminina.
“As empresas estão sendo convidadas a pensar sobre políticas e benefícios por um novo ângulo. Tenho percebido que o mercado está amadurecendo para a pauta. Quando a gente fala de cuidar da maternidade é sobre cuidar da estratégia de gênero dentro de uma organização. Tenho visto muitas empresas buscarem viabilizar o crescimento sustentável da carreira feminina que não seja a qualquer custo, de uma saúde emocional, de bem-estar, porque senão isso não se sustenta. Essa mulher pode chegar a uma posição de liderança, mas com uma vida pessoal prejudicada, com uma culpa enorme por não conseguir conciliar os papéis”, argumenta Michelle Terni, CEO e cofundadora da Filhos no Currículo.
Posicionada como uma consultoria de impacto, a Filhos no Currículo é uma das iniciativas que surgiram e crescem no país com a proposta de tornar o mercado de trabalho mais empático e inclusivo, valorizando a parentalidade. Oferece um trabalho de revisão de políticas parentais, diagnóstico, sensibilização e curadoria de conteúdo dentro das organizações. A consultoria surgiu há quatro anos da dor pessoal de Michelle que, depois da chegada do seu primeiro filho, Thomas (ela também é mãe de Alex), decidiu sair do mercado de trabalho.
“Eu comecei a questionar sobre qual o papel e a responsabilidade das organizações nessa equação de conciliar trabalho e filhos. Será que a gente muda ou as empresas também não estão preparadas para nos acolher de volta? Foi nesse contexto que surge a Filhos no Currículo, na intenção de que o ambiente de trabalho seja genuinamente pró-família, atraia, acolha e impulsione a carreira de profissionais com filhos”, destaca Michelle, que é publicitária.
Uma das bandeiras defendidas é de que a maternidade é um trampolim na carreira das mulheres, porque, a partir da chegada dos filhos, elas desenvolvem uma série de habilidades, como resiliência e liderança, que agregam na profissão. A Filhos no Currículo realizou uma pesquisa, em parceria com o Movimento Mulher 360, e perguntou para mães (e pais) sobre quais habilidades que exercem na criação dos filhos que te agregam como profissional? E 98% afirmaram que desenvolveram alguma habilidade a partir da relação com o filho que agrega no currículo. Ou seja, quase 100% da amostra - foram 825 entrevistados. “Recebemos uma série de insights superinteressantes, como, por exemplo, paciência, resiliência, resolução de conflitos e liderança”.
A pesquisa culminou com o lançamento da campanha #meufilhonocurrículo, em outubro do ano passado, sendo que 40 mil pessoas interagiram com a hashtag em cinco dias, e contou com o apoio institucional de marcas como Magalu, Danone e Cielo. “O movimento tem crescido e eu estou confiante que é só o começo. Um dos desdobramentos da campanha, que vai além da sensibilização, é o lançamento de um estudo chamado Parentalidade nas organizações, que muito em breve os resultados serão divulgados, com insights sobre o que as pessoas precisam para considerar o seu ambiente de trabalho pró-família e como se sentem acolhidas desde o nascimento do bebê até o retorno da licença-maternidade”, conta Michelle.
Na campanha #meufilhonocurrículo, as mulheres são incentivadas a colocarem os nomes dos filhos no seu LinkedIn e dizerem que a pausa na carreira significa um momento de aprendizado e de desenvolvimento de competências. “Nasce uma mãe, nasce uma líder, muito melhor. A gente é convidada para ocupar esse papel de liderança para permitir que nossos filhos sejam crianças. É uma liderança 24/7”.
Michelle afirma que o movimento foi acelerado exponencialmente por esse contexto de pandemia. “A gente vê uma revolução que não aconteceria sem, por exemplo, a normalização do trabalho remoto, que é um grande desejo de muitas mulheres. Esses profissionais com filhos querem trabalhar remoto, querem uma jornada flexível. É um movimento sem volta”. “As empresas acordaram um pouco para o fato de que não existem duas vidas, existe uma só. Hoje não há mais constrangimento de misturar a vida profissional com a pessoal. As empresas foram convidadas a reverem que esses muros invisíveis não existem e trazerem a cultura do bem-estar para dentro dos seus contextos”.
Passo atrás
No mercado de comunicação, a CEO da Filhos no Currículo entende que há uma intenção positiva de trazer essa pauta nas agências, mas de uma maneira geral percebe que o segmento ainda está um passo atrás nessa jornada. “Existe uma cultura de trabalho sem hora para terminar, com longas jornadas, um trabalho que começa mais tarde e também termina mais tarde, o próprio networking ocorre no happy hour”, exemplifica Michelle. Entre os cases de consultoria da Filhos no Currículo para grandes companhias está a realização de um ciclo de eventos de sensibilização sobre o tema para o Publicis Groupe. “A gente teve a oportunidade de falar com líderes e focar em empatia para trazer um repertório socioemocional e também conversar com as mães e pais da organização sobre paternidade responsável. Foram palestras e workshops interativos”.
Michelle ressalta uma movimentação maior de marcas que cuidam da pauta da parentalidade, criam um ambiente pró-família e promovem isso da porta para fora também, como é o caso do Grupo Raia Drogasil, que contratou a Filhos no Currículo para fazer uma revisão do programa de parentalidade da empresa. Além disso, a marca patrocinou o podcast da Filhos no Currículo, por exemplo.
Um case disruptivo citado pela CEO da consultoria é o surgimento do primeiro prédio corporativo pró-família no Brasil, na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Trata-se do edifício B32, que tem uma escultura de uma baleia na frente, que já abriga companhias como a Meta (Facebook) e outras empresas de grande porte. “É um edifício com conceito sustentável, pró-família que terá o suporte da Filhos no Currículo. Na prática, vamos ter uma sala de apoio para parentalidade para apoiar tanto quem trabalha no prédio como quem circula na praça, com uma programação intensa de eventos, rodas de conversas e ativações para mães e filhos. A expectativa é fazer o evento inaugural em maio, em comemoração ao mês das mães”, informa Michelle.
Baby boom
Com uma história semelhante à de Michelle Terni, a também publicitária Paula Sousa, de 28 anos, lançou em julho passado o hub de experiências Mãellennials, que nasceu para conectar mães e empresas e auxiliar na cocriação de um mercado de trabalho que valorize a parentalidade e humanize as relações, ao mesmo tempo em que impulsiona profissionais e desenvolve um entorno mais empático e inclusivo.
Segundo a líder criativa e idealizadora do Mãellennials, o projeto começou a ser desenhado quando ela estava grávida, em 2018, época em que enfrentou dificuldades por sua condição e passou a pedir demissão em várias agências, porque não conseguia encaixar a maternidade com o modus operandi do mercado.
“Percebi como os espaços eram excludentes para as mães. Eu era, por exemplo, a única mãe em uma agência onde trabalhei. Foi assustador ver que as pessoas não compreendiam que uma gestante precisava fazer pré-natal. Foi muito triste, cheguei a pensar que não poderia mais ser criativa. E só tive coragem de tirar o projeto da Mãellennials do papel em julho do ano passado, quando me senti empoderada após entrar numa empresa que acolheu muito a minha maternidade”, conta ela, que é mãe de Pedro, de 3 anos.
“A Mãellennials se tornou uma comunidade de mães que, assim como eu, enfrentaram solidão materna dentro do mercado de trabalho, principalmente dentro da indústria criativa e tecnologia, que ainda tem muitas práticas que excluem quem é mãe. O objetivo é trabalhar com os dois lados, tanto com as empresas como as mães.”
Hoje uma das maiores questões a serem respondidas pelas empresas é se estão preparadas para receber as novas mães no mercado de trabalho. Isso porque com o país caminhando para o fim da pandemia, a expectativa é que o fenômeno baby boom pode reaparecer, com muitas mulheres engravidando ao mesmo tempo.
Vale lembrar que a pandemia também intensificou a redução na taxa de natalidade no Brasil. Os números demonstram uma queda de 14% em 2021, em relação ao ano anterior. Paula cita ainda o dado de que 86% das brasileiras, segundo o IBGE, querem ser mãe em algum momento da vida delas. “É um número muito alto. Além disso, muitas mulheres adiaram a gravidez devido a questões de saúde pública e cenário de incertezas com a pandemia”.
Na opinião de Paula, apesar do avanço da equidade de gênero no mercado de trabalho, ainda há muito a se fazer pela maternidade. “As empresas pensam que só porque contrataram mulheres estão fazendo muito pela equidade de gênero, mas e as mulheres que são mães? E as mulheres que são mães negras? Existem várias camadas de diversidade dentro da maternidade que as empresas ainda não enxergam”, observa.
Uma das ações da Mãellennials é a mentoria gratuita Fala, Madrinha para mães com líderes inspiradoras do mercado acompanhando cada uma individualmente. Na primeira edição, mais de 50 mães foram amadrinhadas. Outra é a realização do Speed Dating, dinâmica que dividiu as participantes no formato 1:1 mães e recrutadoras em salas para verem se dão match com a cultura da empresa.
Dentro do mercado publicitário, Paula fechou com a AKQA para fazer um brainstormami com o objetivo de repensar as questões de diversidade inclusiva na agência, com o recorte de maternidade. “É a nossa consultoria para empresas, na qual ministramos uma sessão ao vivo com todas as pessoas colaboradoras refletindo sobre a problemática de diversidade e inclusão na empresa”. A Hyper Island também será atendida nesses mesmos moldes.