Duas matérias investigativas sobre as fraudes na internet, feitas pelo portal BuzzFeed News, demonstraram que os criminosos digitais estão cada dia mais sofisticados e sabem usar muito bem os intricados meandros do universo das adtechs para organizar esquemas capazes de enganar anunciantes, agências e até as empresas sérias da internet. Fazem isso através de redes de sites falsos, que mimetizam a denominação e a aparência de sites verdadeiros e confiáveis para gerar tráfego inexistente – movimentados pelos adbots de última geração –, que enganam toda a cadeia envolvida e ficam com recursos de marcas atraídas pelas promessas de alta precisão na exibição de seus vídeos comerciais.

Mas é tudo falso: o nome do site, seu conteúdo e os clicks de pretensos consumidores, que na verdade proveem das “fazendas” de clicks feitos por computadores que simulam de forma sofisticada o comportamento das pessoas. Esses sites zumbi, que são em número desconhecido, mascaram sua atividade do começo ao fim, inclusive utilizando serviços conhecidos de aferição de tráfego na net e aparecendo como extensões ou parceiros de sites reais.

Eles se aproveitam das falhas do sistema, que inclusive leva grandes anunciantes globais e suas agências a serem complacentes com essas fraudes, para evitar terem expostas as falhas de seus processos de seleção, checking e pagamento de clicks efetivados. Essa complacência faz com que as ações contra esses piratas da internet não sejam levadas às últimas consequências, tanto porque não se denuncia o crime às autoridades competentes e nem mesmo admite-se publicamente que o problema aconteceu – provavelmente para evitar responsabilização por parte de seus clientes (no caso de agências e veículos) como de seus acionistas (no caso dos anunciantes).

As excelentes matérias (que podem ser acessadas buscando-se “zombies websites” no BuzzFeed) dão “nome a todos os bois”, de empresas adtechs a empresários digitais, bem como dos sites sérios que foram parasitados pelo esquema e das dezenas de grandes anunciantes prejudicados.

Entre os exemplos mais rumorosos destaca-se o do MySpace, a pioneira rede social de sucesso, que praticamente desapareceu e hoje pertence à Time Inc., mas que explodiu em acessos, na faixa de quase 10 milhões, no verão (americano) passado, através de um novo serviço de exibição de vídeos que se mostrou totalmente falso. Quando a matéria do BuzzFeed foi ao ar, a extensão foi retirada da homepage imediatamente e a desculpa dada foi de que era apenas um teste e todos os esforços seriam feitos para que a situação não ocorresse novamente.

O esquema criminoso funciona no sistema de sourced traffic, ou seja, audiência gerada por uma imensa rede de outros sites acoplados e, quando descoberto, os responsáveis afirmam que os eventuais prejuízos para os anunciantes teriam sido mínimos e serão apurados.

Como vem ocorrendo nos últimos anos, quando esquemas semelhantes foram descobertos e as “apurações” não deram em nada, os criminosos do setor costumam ficar impunes, continuam se aproveitando das imensas possibilidades de se esconderem atrás do intricado ecossistema da internet e seguem agindo, inventando formas cada vez mais sofisticadas de pegar uma parte considerável das verbas publicitárias – geralmente advinda de jornais, revistas, rádio e guias, já que a TV tem se mostrado mais imune a essa sangria criminosa de seus recursos.

Cálculos indicam que as fraudes na publicidade digital podem superar os US$ 16 bilhões neste ano e, segundo a entidade mundial dos grandes anunciantes, a WFA, em poucos anos só perderá em termos de volume para o tráfego internacional de drogas.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)