Samir Vani, diretor da MediaTek para a América Latina, fala sobre o mercado de chips para smartphones e smart TVs

Menor do que o estado do Rio de Janeiro e com uma população aproximada da cidade de São Paulo e região metropolitana, Taiwan é reconhecida como polo global de desenvolvimento de semicondutores.

E é de lá que a MediaTek vem conquistando o mundo como líder na fabricação de chips para smartphones e smart TVs.

Trabalho que, como diz Samir Vani, diretor da empresa para a América Latina, requer um sofisticado conhecimento tecnológico, mas principalmente um olhar contínuo para o cotidiano, uma vez que é das necessidades das pessoas que essa tecnologia se traduz, de fato, em inovação.

Confira a sua entrevista a seguir.

Como a MediaTek construiu sua trajetória até chegar à liderança?
Em 27 anos, a MediaTek evoluiu de soluções multimídia para TVs e DVDs para o desenvolvimento de chipsets (circuitos integrados responsáveis por coordenar a comunicação e o fluxo de dados entre os componentes do computador) para celulares, que hoje são um dos seus principais focos. Esses chipsets permitem a conexão com redes 3G, 4G, 5G, o controle das câmeras, o bluetooth, o som, o display e o processador em si, entre outros, garantindo o funcionamento de diversas funções de um aparelho.

E como se deu essa evolução da MediaTek ao longo dos anos?
Expandimos nosso portfólio de forma significativa. Além das TVs e celulares, passamos a atuar em outras frentes, como roteadores e soluções de wi-fi. Mais recentemente, entramos no setor automotivo, com soluções multimídia para painéis com sensores. E agora estamos nos preparando para a nova era da inteligência artificial, com soluções, por exemplo, para data centers.

Essa liderança foi beneficiada por algum acontecimento específico?
Atribuo parte do sucesso da MediaTek ao crescimento do mercado de smartphones, hoje um dos produtos de consumo com maior volume global. A empresa começou a investir em celulares 2G por volta de 2003, antes mesmo da era dos smartphones. Com a chegada do 3G e a explosão do uso dos smartphones, a MediaTek já contava com uma tecnologia sólida e cresceu junto com esse mercado. Esse avanço permitiu à empresa expandir sua atuação para novas áreas.

E daqui para frente, qual é o foco?
Vamos trabalhar bastante a questão da eficiência. Todo mundo já tem um smartphone, as pessoas já sabem usar e dependem muito dele no dia a dia: nos aplicativos do condomínio, do banco, da escola dos filhos... E, quando falamos de eficiência, falamos do uso da bateria ao longo de todo o dia, sem preocupações. Fazendo uma analogia com o carro, isso não significa que, para gastar menos combustível, ele precise ser lento ou ruim. Você pode ter um carro muito rápido, responsivo e, ainda assim, eficiente e econômico em termos de energia. Por isso falamos tanto de bateria. O objetivo é que as pessoas tenham um uso pleno do smartphone e, com isso, se tornem consumidoras mais satisfeitas. Esse tem sido um dos pontos mais importantes que estamos trabalhando na comunicação: mostrar que, além da capacidade de processamento, é essencial ter um “motor” eficiente, que não consuma energia demais e não vá te deixar na mão no fim do dia.

E o que foi determinante para a MediaTek alcançar mais de 46% de participação na América Latina?
Só para colocar em contexto, a padronização global da tecnologia celular, gerida por organismos como o 3GPP, permite que um celular funcione em qualquer lugar do mundo. Com base nisso, o grande diferencial da MediaTek foi democratizar o acesso à tecnologia, focando não apenas em produtos premium, mas em levar alta tecnologia a faixas de preço mais acessíveis. Na América Latina, onde o preço é decisivo na escolha do consumidor, essa estratégia foi essencial. Com o tempo, isso gerou reconhecimento na indústria, entre consumidores conectados e pelo boca a boca, resultando na participação expressiva que temos hoje.

Esse diferencial do preço vale para toda a América Latina?
De maneira geral, se compararmos o mercado latino-americano com o americano, japonês, coreano ou mesmo chinês, vemos que o preço médio dos produtos, da Argentina até o México, é inferior, dado à renda das pessoas. Isso é um ponto importante. Por isso, trabalhamos muito bem com produtos intermediários que entregam quase tudo o que um modelo top de linha oferece, mas com um custo significativamente menor. O consumidor pode ter um produto com grande parte das funcionalidades de um smartphone premium, pagando um percentual menor. E isso é algo que ele vê com bons olhos.

Ou seja, perde-se talvez uma ou outra funcionalidade específica, mas o uso real que se faz do aparelho continua praticamente o mesmo.
Exatamente. A maior parte das pessoas usa 100% do aparelho dentro de suas necessidades reais, mesmo sem ter todas funções de um modelo top de linha. Mas é importante destacar que a questão do preço não é simplesmente oferecer o aparelho mais barato. Se fosse só isso, os chamados modelos de entrada dominariam o mercado. É que, na prática, a maior fatia do mercado está nos aparelhos intermediários e é aí que a MediaTek tem uma forte atuação. Para contextualizar melhor, em 2022 e 2023 começamos a falar muito sobre inteligência artificial nos smartphones. Naquele momento, esse recurso estava restrito apenas aos aparelhos flagships, que contavam com processadores mais potentes, tinham série de funcionalidades como câmeras e outras sofisticações que permitiam o uso da inteligência artificial. O que a MediaTek fez foi, dois ou três anos depois, democratizar esse recurso, levando inteligência artificial para categorias intermediárias e, em seguida, para todo o portfólio.

Samir Vani, diretor da MediaTek para a América Latina (Divulgação)

E nesse mercado altamente competitivo, como fazem com recursos que ajudam a se diferenciarem, como retenção de talentos, uso de pesquisas...?
Hoje, a MediaTek tem cerca de 16 mil colaboradores. Algo em torno de 60% a 70% deles estão dedicados a pesquisa e desenvolvimento. O próprio fundador da empresa, desde a época da sua fundação, é um entusiasta da ciência e da educação. E Taiwan, onde fica nossa sede, se tornou um polo estratégico no mundo dos semicondutores. Apesar de ser uma ilha pequena, ela é responsável por boa parte da produção global de chips. Mas, além da sede, também temos outros centros de desenvolvimento na China, nos Estados Unidos e em outras regiões. Já estamos pesquisando temas como 6G e wi-fi 8. Trabalhar com semicondutores exige pensar cinco, seis ou até dez anos à frente em relação ao mercado. Essa antecipação se reflete nos produtos que oferecemos no dia a dia. Ao longo desse processo, falamos com vários interlocutores: os fabricantes de produtos, todas as marcas que possa imaginar são clientes nossos, todos os operadores de telefonia, saber se eles precisam de alguma funcionalidade específica, o que colocar e o que tirar, mostrar onde podem chegar... Com tudo isso, vamos nos preparando para trazer a tecnologia para o consumidor final.

E nesse olhar para o futuro, o que pode ser antecipado ao consumidor?
Embora o futuro seja imprevisível, algumas tendências já se destacam, como os dispositivos dobráveis – celulares, tablets e laptops – que combinam praticidade e funcionalidade. Também vemos a volta de tecnologias como óculos e relógios inteligentes, agora integrados à inteligência artificial. Com cada vez mais dispositivos processando dados no cotidiano, a IA se torna essencial para transformar essas informações em soluções úteis e acessíveis.

Estando dentro de uma multinacional asiática, o que você percebe de diferenças no modelo de trabalho entre os mercados em que a MediaTek atua?
De maneira geral, a empresa busca adotar um padrão global de trabalho, mas, claro, há diferenças culturais e legais relevantes. Cada país tem sua rotina influenciada por leis trabalhistas e hábitos locais. A MediaTek valoriza essas particularidades, buscando criar ambientes positivos em todas as regiões. Em Taiwan, por exemplo, o forte investimento em formação técnica, especialmente em engenharia, concentra grande parte do desenvolvimento tecnológico na Ásia.

E do ponto de vista do consumidor, também existem diferenças?
Sem dúvida. O consumidor asiático é entusiasta da tecnologia. Ele quer o mais novo chip, o dispositivo com o último recurso e está disposto a trocar de aparelho com frequência. Já o ocidental, como o brasileiro, adota a tecnologia quando ela agrega valor prático. No Brasil, há uma forte valorização das câmeras, reflexo de um comportamento social e comunicativo. A câmera do smartphone, para o brasileiro, não é apenas uma ferramenta. É quase uma extensão do seu jeito de se comunicar com o mundo.

Como a MediaTek atrai e retém talentos diante do ritmo acelerado da inovação? Isso é um desafio no Brasil?
Sim, é um desafio constante, pois a demanda por profissionais é alta. A MediaTek investe em programas universitários e muitos talentos são recrutados ainda na graduação. Na Ásia, a empresa já atrai atenção por seu papel no desenvolvimento tecnológico. Mas, em qualquer mercado, reter profissionais vai além do salário – envolve propósito, cultura e ambiente. No Brasil e na América Latina, a conexão com a missão de democratizar a tecnologia é essencial para engajar quem acredita no impacto social da inovação.

Como vocês tornam a tecnologia mais acessível e fácil de entender para o consumidor?
Esse é um grande desafio. As tecnologias são complexas, mas o foco é traduzir os benefícios práticos. Em vez de explicar detalhes técnicos, mostramos como a inovação melhora o dia a dia, como tirar boas fotos mesmo com pouca luz ou mão trêmula. Eu penso muito na minha mãe. Ela não quer saber dos detalhes técnicos. Ela só quer que o celular funcione, que consiga ligar para uma amiga, mandar uma mensagem... E a gente tenta explicar cada inovação com base nesse olhar cotidiano.

E levam esse olhar para a mídia...
Hoje, além de jornalistas, influenciadores e criadores de conteúdo especializados ajudam a traduzir a tecnologia para o público. A MediaTek investe em identificar o que as pessoas precisam saber e em canais adequados para comunicar de forma clara. Um exemplo é o MediaTek Talks, evento anual para a imprensa, que aprofunda temas técnicos relevantes, como o consumo e segurança das baterias. Assim, profissionais da mídia saem mais preparados para explicar tecnologia de forma acessível e precisa.

Você mencionou os influenciadores, mas quem constrói marca ainda são as agências, não?
Concordo. As agências traduzem o impacto da tecnologia para a vida das pessoas, conectando inovação ao público. Trabalhando com engenheiros, a comunicação técnica é natural, mas sem esse olhar externo da agência, a mensagem se perde. Parcerias como a que temos com a Punto Comunicação são essenciais para tornar a inovação visível e acessível. Quando eu vou vender um chip para um fabricante, estou falando com outro engenheiro. A conversa é técnica, cheia de especificações. Mas se a gente não tiver esse olhar externo, perde-se a conexão com as pessoas. A agência nos ajuda muito nesse sentido. Seja assessoria de imprensa, seja de publicidade ou comunicação institucional, junto com jornalistas e criadores de conteúdo, as agências têm um papel fundamental, porque se a mensagem não chega ao público, a inovação fica invisível.

E por falar em invisibilidade, qual a importância dos eventos de tecnologia e inovação para dar visibilidade ao desenvolvimento dessa área no Brasil?
São extremamente importantes, principalmente para que as pessoas tenham contato com as tecnologias, que se sintam motivadas a explorar, criar, aprender e a ajudar a formar mão de obra qualificada. Por exemplo, falamos muito de câmeras hoje, mas com o apoio da inteligência artificial, o que se pode fazer com uma câmera vai muito além de tirar uma boa foto. Câmeras podem ser aplicadas em áreas como segurança, saúde e acessibilidade. Esses eventos ajudam a disseminar e fomentar inovação e desenvolvimento de soluções, como já acontece com força na China, em um ecossistema vibrante de grandes empresas e startups.