Confira a entrevista com Jun Yan, doutor em sociologia e professor da Universidade de Xangai
A frase acima, citada por Jun Yan, doutor em sociologia e professor da Universidade de Xangai, sintetiza a experiência da China de enfrentar desafios por meio do diálogo.
Mencionada por ele ao responder sobre a presença reduzida de mulheres em multinacionais chinesas no Brasil – empresas que são tema do seu estudo atual –, ela reflete uma mentalidade coletiva voltada à busca conjunta por melhorias.
Um princípio que se percebe, ao longo da entrevista a seguir, como uma oportunidade em várias áreas, diante das inúmeras possibilidades de cooperação entre China e Brasil.
Xangai é vista como uma metrópole grandiosa e vibrante, mas quais aspectos do cotidiano requerem atenção?
Em certo sentido, Xangai é realmente esse tipo de cidade. Nos anos 1930, alguns escritores japoneses a chamaram de “Cidade Mágica”, um rótulo que talvez carregasse conotações pejorativas no início, mas que evocava um imaginário urbano de aventura e oportunidade. Mais tarde, Xangai se apropriou do termo e o incorporou à sua própria narrativa. Para profissionais estrangeiros, a vida cotidiana está ligada – mas também se distingue – a essa imagem de “Cidade Mágica”. A primeira adaptação é à vida digital. Pagamentos via celular são quase universais, com WeChat e Alipay servindo como ferramentas essenciais para transporte, comida, serviços e contas. A segunda é o idioma. Embora Xangai seja a cidade mais cosmopolita da China, o inglês não é amplamente usado. Algum domínio do chinês não só facilita o trabalho, mas também melhora significativamente a conveniência do dia a dia e a integração com a comunidade. A terceira diz respeito aos estilos chineses de coordenação organizacional e ritmo de trabalho. O rápido desenvolvimento foi alcançado graças à diligência e à alta eficiência organizacional – características de uma “cultura da nova era” ainda pouco familiar aos estrangeiros. Muitas equipes trabalham com metas claras, comunicação intensa e ciclos rápidos, o que exige agilidade para transitar entre regras formais (restrições rígidas) e normas informais (restrições flexíveis). Para quem chega, compreender essa combinação de ritmo e normas é mais importante do que simplesmente memorizar procedimentos.
Quais são as áreas de estudo mais procuradas na Universidade de Xangai e, em sua disciplina, quais linhas de pesquisa despertam maior interesse?
De modo geral, os cursos mais procurados nas universidades chinesas são voltados para áreas aplicadas, estreitamente ligadas ao mercado de trabalho. Na Universidade de Xangai, os programas mais concorridos são os de publicidade, direito, economia e administração e, nas ciências exatas, ciência da computação e inteligência artificial. Essa tendência acompanha as expectativas do mercado, o avanço industrial e uma correspondência mais precisa entre “habilidades e empregos”. Há, naturalmente, exceções: observando as escolhas dos mais bem colocados no Gaokao (exame nacional de admissão às universidades), percebe-se que disciplinas fundamentais, como matemática e filosofia, continuam atraentes, refletindo a preferência de algumas famílias por “capacidades de longo ciclo”, em vez de uma colocação profissional imediata. Na área da sociologia, os temas preferidos incluem sociologia urbana, voltada à governança das megacidades, além de teoria sociológica e história da sociologia. O primeiro está alinhado à rápida urbanização e ao aprimoramento da governança na China, oferecendo uma janela essencial para compreender as condições básicas do país; o segundo, embora pareça mais teórico, desenvolve de forma sistemática a capacidade de distinguir conceitos, raciocinar sobre causas e avaliar evidências – habilidades transferíveis que beneficiam trajetórias profissionais variadas. Os métodos quantitativos e estatísticos são um ponto forte distinto da sociologia na Universidade de Xangai. Nosso currículo valoriza a reflexão metodológica e a alfabetização em dados; esses elementos se integram bem ao estudo da governança urbana, das relações de trabalho e da análise organizacional, proporcionando uma transição relativamente fluida para funções em análise de dados e apoio à pesquisa.
Costuma-se dizer que a China é um país de engenheiros. Como essa mentalidade técnica se traduz no cotidiano acadêmico e profissional?
Após muitos anos de investimento na educação básica e superior, a China formou uma ampla e qualificada força de trabalho em engenharia, que sustenta diretamente seus avanços tecnológicos e seu crescimento econômico acelerado. Essa consequente orientação “engenharia-técnica” influenciou profundamente a vida acadêmica e profissional do país: as avaliações tendem a privilegiar o “como realizar” objetivos de engenharia e resultados aplicados verificáveis, bem como o impacto social, enquanto dedicam comparativamente menos atenção ao “por que” e a questões ontológicas ou teóricas fundamentais. Essa preferência pelo que é mensurável e tangível está intimamente ligada à alocação de recursos, à avaliação de desempenho e à colaboração entre universidades e empresas – uma orientação institucional observável de forma empírica. Dito isso, o cenário está mudando rapidamente. Há um consenso crescente, no nível das políticas públicas, sobre o valor da pesquisa básica; as universidades vêm ajustando sua governança acadêmica para resultados de longo prazo; e as empresas passam a incluir pesquisa fundamental e tecnologias de base em seus portfólios estratégicos. Em outras palavras, a “mentalidade de engenheiro” está sendo reequilibrada: entre a produtização de curto ciclo e a inovação fundamental de longo ciclo, os agentes buscam uma combinação mais sustentável.

No campo profissional, esse pensamento enfatiza o alcance de metas, a viabilidade e os resultados finais, o que pode levar a um investimento insuficiente na construção de bases de longo prazo. Isso se manifesta tanto no ritmo dos projetos quanto na estrutura de talentos e nos orçamentos. No entanto, assim como no meio acadêmico, as empresas líderes estão elevando a importância estratégica da pesquisa fundamental e prospectiva – incorporando “variáveis lentas” (métodos, padrões, capacidades de plataforma e tecnologias comuns) à sua estrutura organizacional. Trata-se não de uma mudança súbita, mas de um processo de “reequilíbrio” condicionado pela trajetória, que leva tempo para se consolidar.
E qual a importância de áreas como propaganda e marketing para um país que se mostra cada vez mais para o mundo?
Não sou especialista nessas áreas, portanto, não farei especulações sobre suas lógicas técnicas internas. De forma ampla, contudo, a China tem a necessidade de se apresentar adequadamente ao mundo, e essas disciplinas ocupam um papel central nessa tarefa. A eficácia depende das duas pontas da ponte. Internamente, é preciso compreender verdadeiramente a cultura e as lógicas sociais chinesas, destilando delas elementos que possuam vitalidade e, ao mesmo tempo, ressonância humana universal. Externamente, é necessário dominar a comunicação intercultural – traduzindo “o que desejamos dizer” em “o que o outro lado está disposto e apto a ouvir”. Sob uma perspectiva econômico-sociológica, trata-se não apenas da produção de conteúdo, mas também do arranjo institucional. Quem atua como mediador intercultural? Que formas organizacionais – instituições de mídia, centros de pesquisa, universidades, empresas – devem assumir a responsabilidade pela narrativa e pela difusão? Como alcançar um posicionamento de identidade estável e credibilidade no mercado simbólico global? O cerne do soft power não está em exercer influência avassaladora, mas em possibilitar compreensão e reciprocidade civilizacional, contribuindo assim para o bem-estar público em sentido amplo.
De acordo com sua pesquisa atual, que impressões tem sobre o perfil e a atuação das empresas chinesas no Brasil?
Minha amostra é limitada; portanto, uma conclusão seria prematura. No entanto, minha impressão inicial é que, em comparação com o que realizei na África e em outras regiões menos desenvolvidas, as empresas chinesas no Brasil demonstram maior conformidade, formalização e grau de localismo, aproximando-se mais do modelo ideal de corporação multinacional. Isso reflete a maturidade institucional do país, que exige equilíbrio entre padrões, custos e flexibilidade. Quanto aos efeitos de mercado, observo sob duas vertentes: uma “dura”, que diz respeito à tecnologia e processos. Tecnologias competitivas podem gerar choques estruturais de curto prazo, mas também efeitos positivos de médio e longo prazo, como ganhos de eficiência, estímulo a ecossistemas e “efeitos de aprendizado” por meio da circulação de talentos. A vertente “suave” refere-se à cultura organizacional e gerencial: ideias sobre gestão da qualidade, colaboração baseada em processos e paradigmas de avaliação de desempenho podem deixar marcas duradouras nos ecossistemas empresariais locais. A direção dessas transformações é incerta e provavelmente bidirecional: à medida que o mercado brasileiro influencia as empresas chinesas, essas mesmas empresas também se reescrevem nesse processo, em vez de exportar uma “chinesidade” fixa e monolítica. Essa dupla inserção costuma determinar o grau de legitimidade e de estabilidade operacional no longo prazo.
Ainda há uma predominância masculina nos cargos de liderança nas empresas chinesas que se apresentam no Brasil. Como tem evoluído o papel da mulher executiva na China e quais avanços destacaria?
Essa é uma questão global e tem sido amplamente debatida na China. Desde 1949, a participação das mulheres no mercado de trabalho e seu status social melhoraram de forma significativa. O ditado “as mulheres sustentam metade do céu” expressa bem sua importância nas funções de trabalho e de liderança. Ao mesmo tempo, pesquisas e reportagens recentes chamam a atenção para as barreiras de carreira relacionadas à maternidade e para os persistentes “tetos de vidro”. Essas observações não se contradizem: avanços macroestruturais nas oportunidades podem coexistir com vieses organizacionais em nível micro. De forma positiva, a conscientização sobre o tema tem crescido entre gerações e na esfera pública, e respostas práticas vêm sendo exploradas, como modelos mais inclusivos de cuidado infantil e trabalho flexível; maior transparência em critérios de promoção e avaliação de desempenho; e programas organizacionais de treinamento e acolhimento voltados ao enfrentamento do viés de gênero. As divergências continuam, mas, na experiência chinesa, “o debate é o começo da solução”. Com a entrada das novas gerações no mercado de trabalho, o aumento da presença feminina no ensino superior e em cargos profissionais e a contínua institucionalização da governança organizacional, é provável que ocorram melhorias estruturais, ainda que de forma não linear e incremental.
O que empresas e universidades brasileiras podem aprender com o ecossistema de inovação e tecnologia de Xangai?
Eu destacaria três pontos. Primeiro é essencial aprofundar a colaboração entre universidades e empresas, bem como o processo de transferência da pesquisa para o mercado. A China tem avançado de maneira notável nesse aspecto: há cada vez mais startups cujos fundadores e principais tecnólogos vêm do meio acadêmico, e os mecanismos que conectam resultados de pesquisa a oportunidades de mercado tornaram-se mais fluidos. No entanto, colaboração não significa simples “terceirização”. Ela deve ser orientada por problemas concretos, com necessidades e métricas definidas em conjunto, fechando o ciclo completo de “pesquisa, cenário, produto, retorno”. Depois, é preciso priorizar as cadeias de valor completas e os ecossistemas de inovação. Sob o encanto da arrecadação de impostos e da geração de empregos vindos de grandes projetos isolados, muitas localidades acabam negligenciando elos “pequenos” que, na prática, são nós críticos. Construir as condições de base – padrões, certificações, serviços de auditoria e testes, canais de mobilidade de talentos e financiamento – é o que sustenta o desenvolvimento e a inovação de forma contínua. Por fim, adotar o long-termism governamental e a continuidade das políticas públicas: manter canais de comunicação frequentes e abertos com universidades e empresas e oferecer apoio institucional a investimentos de retorno lento no curto prazo (como financiamento à pesquisa e orientação industrial). Na China, essa tríade gerou um efeito cumulativo que combina escala, organização e política. Em vez de idolatrar um único “megaprojeto”, o mais prudente é começar pela estruturação de uma engenharia de sistemas.