As chamas, segundo o Corpo de Bombeiros, consumiram de 300 a 400 metros quadrados. Três salas: uma de arquivo histórico, duas de arquivo de filmes, uma delas, segundo informações do efetivo que trabalha na Cinemateca, de arquivo impresso, também memorável.

Se já não bastasse o ocorrido com o Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2018, a vítima da vez foi a Cinemateca. Não somente um descaso, mas uma falta de respeito imensa com os diversos profissionais e apaixonados por cinema que vêm construindo essa narrativa no Brasil. O motivo é falho. Manutenção do ar condicionado de forma equivocada, o mesmo do Museu do Rio.

O cuidado, segurança, respeito com o patrimônio cultural de grandes cidades como Londres, Paris e Nova York, por exemplo, não se comparam, mas nem na maior escala possível, ao que vemos no Brasil. Um país que já foi referência mundial nos anos 50, 60, 70 com grandes nomes como Elis Regina, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e cineastas fantásticos como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, entre muitos outros, hoje chora pelo descaso com a história cultural e cinematográfica daqui. 

A dimensão consagrada, cultural e material que foi queimada não pode ser mensurada. O que se apurou foi que, de material físico, provavelmente foram perdidos rolos de cópias de filmes, parte da produção de filmes realizados pelos alunos da ECA (Escola de Comunicação e Artes da USP), aproximadamente quatro toneladas do acervo documental de toda política pública do cinema brasileiro, documentos renomados do Instituto Nacional de Cinema, do Concine, da Embrafilme e da Secretaria do Audiovisual, e ainda, objetos como equipamentos cinematográficos que iriam fazer parte do museu da Cinemateca.

Descaso e crise. Um patrimônio deixado de lado, à margem de uma tragédia, soa até como uma queima de arquivo cinematográfico, um abandono que não vem de hoje, mas que culminou em chamas. Fazemos votos de que o patrimônio cultural do Brasil seja tratado com mais cautela daqui para frente. Em comparação a outros continentes, somos novos, mas estamos fazendo história e ela deve ser preservada de forma segura, cuidadosa e, acima de tudo, com respeito. 

Em um momento em que o meio audiovisual cresce cada vez mais, com as próprias redes sociais dando ênfase a esse meio de produção, um desastre como esse nos deixa órfãos de projetos do passado que ajudaram a construir a história até hoje. Que possamos construir um futuro diferente, priorizando a cultura brasileira e a forma como ela sempre se apresentou.

Luciano Mathias é sócio e CCO da Trio, hub global de criação e produção de conteúdo audiovisual