A propaganda deixa de ser a única fonte de receita da plataforma

O bilionário Elon Musk renomeou o Twitter para X no último dia 24 de julho, encerrando a presença de um ícone entranhado na história mundial das redes sociais. No mesmo dia, a versão para desktop já estampava o novo símbolo. Nesta segunda (31) Google Play Store e App Store também atualizaram o aplicativo, agora reconhecido como o “estágio futuro da interatividade ilimitada – centrada em áudio, vídeo, mensagens e pagamentos bancários –, criando um marketplace global para ideias, serviços e oportunidades”, tuitou Linda Yaccarino, presidente-executiva da plataforma.

O Twitter foi lançado em 2006 na cidade de São Francisco, na Califórnia (EUA), por Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass, que trabalhavam na desenvolvedora de podcasting Odeo. Batizado originalmente como Twttr, na cor verde, o negócio logo seria identificado pela cor azul.

O passarinho, chamado “Larry the Bird”, foi adotado em 2010, como uma homenagem ao jogador de basquete do Boston Celtics Larry Bird. Dois anos depois, o nome da ave mudou para “Twitter Bird”, e já começava a ecoar sons em defesa da liberdade de expressão. Alguns dos slogans que entoaram o canto da marca foram “It’s what’s happening” e “What’s happening?”.

Marcos Bedendo, da ESPM: nome e gestão ruim, e mudança atabalhoada (Divulgação)

“A marca Twitter era tão forte que gerou um substantivo, o tweet – ou tuíte, em português –, o verbo tuitar, e um som, aquele assobio do passarinho”, recorda João Felipe Sauerbronn, professor da Escola de Comunicação da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Em apenas um ano, a plataforma idealizada para o compartilhamento de mensagens curtas ganhou vida própria, e captou recursos de US$ 5 milhões. Nessa primeira rodada de investimentos, já valia US$ 20 milhões. “Não se joga fora um ativo como esse”, condena Marcos Bedendo, professor de branding da ESPM. A oferta pública inicial (IPO, do inglês “initial public offering”) realizada em 2013 levantou US$ 31 bilhões.

Canto do pássaro
“O Twitter é uma marca bem-sucedida, com impacto global, não só pelos usuários, mas pela repercussão que traz para a pauta jornalística, política, colocada no centro de discussões globais”, comenta Bedendo.

João Felipe Sauerbronn, da FGV: foco da mudança é o novo modelo de negócios (Divulgação)

Não à toa, o primeiro tweet, postado pelo CEO Jack Dorsey no dia 21 de março de 2006, se transformou em arte digital no formato de NFT ou non-fungible tokens (em tradução livre, tokens não-fungíveis), e foi vendido no site de leilões Valuables por 1.630 Ether, o equivalente a cerca de US$ 2,9 milhões. A mensagem dizia: “Apenas configurando o meu Twitter”.

De 140 para 280 caracteres, o microblog que popularizou o uso de hashtag “#” – linguagem criada pelo designer Chris Messina em agosto de 2007 para aglutinar mensagens sobre um mesmo tema – virou reduto de manifestações políticas, sociais e culturais deflagradas em todo o mundo. Em 2012, por exemplo, o Twitter foi escolhido por Barack Obama para anunciar a sua reeleição à presidência dos Estados Unidos, um dos posts mais retuitados da história da rede. Aventa-se hoje a possibilidade de textos com 2,5 mil caracteres, além de fotos e vídeos postados no Twitter Notes.

Voo para o Brasil
Descoberto pelos brasileiros em meados de 2008, o Twitter ganhou versão em português três anos depois. Com escritório em São Paulo desde novembro de 2012, a marca sempre teve o Brasil entre as suas principais bases de usuários globalmente.

Elon Musk sinalizou mudança do Twitter para X com mensagem postada no dia 23 de julho (Reprodução)

O arroubo das marcas não tardou. A plataforma começou a disputar a verba de marketing de anunciantes interessados em se aproximar de uma comunidade cada vez mais disposta a expressar as suas ideias. A inserção de publicidade começou em 2010 com o Promoted tweets, que evoluiu para o Twitter ads. A ferramenta promove posts, perfis e assuntos mais discutidos (trends), elevando o tráfego das marcas e as chances de gerar conversões.

Pouso forçado
No Brasil, o Twitter participou de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para combater a desinformação nas eleições de 2022. Mas, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva era eleito para o seu terceiro mandato como presidente do Brasil, Elon Musk anunciava a compra da plataforma.

A história começou antes, em abril do ano passado, quando o bilionário adquiriu 9,2% das ações da companhia. Logo em seguida divulgou a intenção de comprá-la por R$ 44 bilhões. Porém, desistiu. O descumprimento de obrigações contratuais para a análise de contas falsas e spam foram algumas das alegações imputadas à época.

O Twitter o processou e Musk voltou atrás. O dono da Tesla e SpaceX mal efetivou o negócio e demitiu o CEO Parag Agrawal, além de executivos de alto escalão, desencadeando uma onda de desligamentos que atingiu cerca de 7,5 mil funcionários, metade da força de trabalho do Twitter à época. Em novembro de 2022, a rede tinha cerca de 229 milhões de usuários diários, massa administrada por 38 escritórios em 23 países.

A experiência de uso também foi abalada. Recursos antes gratuitos como a autenticação em dois fatores via SMS e o selo azul de verificação passaram a ser cobrados. Já o volume de tweets visualizados e mensagens enviadas, e o acesso aos dados da plataforma foram restringidos. “Mesmo tomando decisões questionáveis, que já seriam suficientes para quebrar uma marca, o Twitter se manteve pela confiança que conquistou em sua comunidade”, analisa Bedendo.

Diferentemente de produtos, que investem em esforços para criar grupos próprios, o Twitter ergueu naturalmente uma comunidade fiel. “Essa marca não é só do Musk, ela é da comunidade. Não houve redução no volume de usuários, mas agora pode ser que ocorra”, suspeita Bedendo.

O X da questão
“Musk está promovendo uma grande transformação na empresa, e estamos observando o fim do modelo de negócios Twitter e o começo do modelo de negócios X”, pondera João Felipe Sauerbronn, da FGV.

O professor explica que, muitas vezes, a intenção do comprador é ter acesso aos usuários, à operação e à tecnologia já desenvolvidas e consolidadas pela empresa adquirida. “Resta alterar o modelo de negócio, o que parece já estar em curso desde a compra do Twitter por Musk, com a cobrança por alguns serviços”, observa Sauerbronn.

Segundo o estudioso da FGV, o ponto central da mudança é o novo formato de negócio do X, que se aproxima do modelo de plataformas de prestação de serviços. A propaganda deixa de ser a única fonte de receita da plataforma, e a cobrança pela intermediação das conexões entre empresas ou governos e demais usuários chega como geração adicional de faturamento. “Alinhado à ideia de transformação do X em plataforma de prestação de serviços, Musk pretende acrescentar ao X uma plataforma de pagamentos, como já é feito pelo aplicativo chinês WeChat e seu WeChat Pay”, diz Sauerbronn.

Leia a íntegra da matéria na edição impressa de 31 de julho.