Dentre as chamadas novas profissões decorrentes do tsunami tecnológico, duas, em especial, a de transporte de passageiros e de comida pronta, traduzem-se na solução encontrada para as pessoas sobreviverem e pagarem as contas. E as duas, emblematicamente representadas em duas empresas, ou marcas, que se converteram em designações do fenômeno: “uberização”, ou “ifooderização...”.
Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre essa nova realidade, a entrevista de Diego Barreto, sucessor do Fabricio Bloisi no comando do iFood, à Veja Negócios, é mais que esclarecedora. Em determinado momento da entrevista, e falando sobre as pessoas que prestam serviços através do iFood, Diego disse: “A maioria dessas pessoas não tem o iFood como fonte de renda principal, mas como um complemento da renda. Muitos pensam, “Poxa, este mês faltou grana para pagar a conta de luz. Vou trabalhar no aplicativo por algumas semanas e pronto...”. Às vezes nem voltam porque têm outros empregos. Quase 70% mantêm esse tipo de relação com nossa plataforma. Assim, não querem contribuir para a Previdência a partir do que ganham com a gente”.
E, perguntado por Veja Negócios qual seria a solução para esse conflito, Diego respondeu: “Acredito que o Brasil já resolveu problemas semelhantes, como no caso das empregadas domésticas. Se uma pessoa trabalha três dias na sua casa e um dia na minha, não faz sentido a gente contribuir igualmente se as relações são totalmente diferentes. É plenamente possível considerarmos um modelo progressivo: quem trabalha menos e ganha menos contribui pouco, quem trabalha mais e ganha mais faz pagamentos maiores...”.
Em passado recente, bico era uma prestação de serviços genérica. Hoje, com a disrupção tecnológica, com os smartphones, com a angústia decorrente de todas essas possiblidades integradas às nossas expectativas, consumidores modernos, e que queremos tudo da maneira mais prática e no menor tempo possível, o bico institucionalizou-se através de diferentes plataformas, e vem sendo um amortecedor, ainda que precário, da crise social que seguimos mergulhando em decorrência do fim dos empregos.
2 - Concorrência genérica e concorrência específica
Grosso modo, e sem maiores refinamentos, no mar- keting e na vida nos defrontamos com dois tipos de concorrência. A genérica e a específica. Na genérica, todos concorrem com todos. O dinheiro da viagem é o mesmo dinheiro que poderia dar entrada numa casa, num carro, mobiliar o quarto do casal, comprar caixas de uísque e vinhos. Já a específica é quando concorrem dois produtos que prestam o mesmo serviço. Comprar um carro da GM ou da Ford, ir nas férias para a Bahia ou Caxias, comprar um sapato novo, ou, um tênis. E foi assim, entendendo que grosso modo tudo concorre com tudo, e que o dinheiro das apostas de hoje, que não para de crescer, é o mesmo dinheiro que respondia por parte do sucesso de milhares de negócios e empresas.
E assim, despertando de um pesadelo que é real, todos agora começam a se dar conta do preço que pagam pelas marcas de bets nas camisas dos clubes de futebol, no patrocínio de campeonatos, na chuva torrencial de propaganda nas diferentes plataformas. Até mesmo os bancos se dão conta que os investimentos estão sendo devorados pelas bets. E daí? Daí que o cofre já foi arrombado e as perdas, mais que significativas, consumadas. E o pior ainda está por vir, na medida que a partir deste ano, com a regulamentação, é que o fluxo de investimento em publicidade será multiplicado muitas vezes. Por enquanto, cálculos otimistas dizem que apenas 1% do PIB foi desviado das compras e dos investimentos para as bets. Mas muitos calculam que em pouco tempo esse 1% será multiplicado, no mínimo, por 3.
É isso, amigos. Concorrência genérica e específica. Muitas vezes aquilo que te dá prazer, diversão, alegria, e até algum ou muito prejuízo como os jogos, pode estar acabando com o seu negócio e contando com sua adesão e cumplicidade. Assim, nunca mais se esqueça. Tudo concorre com tudo. Em tempo: água, luz e gás concorrem com as bets, ou, vice-versa. Segundo pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, 11% das pessoas deixaram de pagar essas contas para jogar nas bets... Presidente da Febraban propõe a proibição do uso dos cartões de crédito para pagar as bets... Caiu a ficha!
E estamos apenas no começo...
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
fmadia@madiamm.com.br