Uma matéria publicada na semana passada no Estadão me chamou a atenção por duas razões: 1- a surpresa de termos uma empresa brasileira como importante player no bombado setor de baterias elétricas e 2- o fato de sua copresidente, Ana Cabral-Gardner, ser chamada de CEO hippie.
Quanto ao primeiro fato, o que coloca a empresa da CEO, Sigma Lithium, em destaque é que, a partir do mês de abril, ela começa a produzir comercialmente em Minas Gerais lítio de alto grau de pureza, insumo crucial para a produção das baterias.
Atualmente, apenas outras quatro empresas no mundo produzem esse mineral. Quanto ao apelido de CEO hippie, reproduzo aqui parte do texto da matéria: ele surgiu no início da criação da companhia.
O motivo foi o fato de a executiva ter aberto mão do equivalente a R$ 3 bilhões ao deixar de explorar 25% de uma mina de lítio para preservar a água das comunidades próximas, que utilizam o Rio Ribeirão Piauí.
A empresa optou por utilizar a água do Rio Jequitinhonha, que chega à região altamente poluído. Para operar, a unidade da empresa conta com um sistema de tratamento de esgoto e de tubulação que reutiliza a água tratada até a sua evaporação.
Outra diretriz do projeto foi não usar agentes químicos no processo, o que possibilita a venda dos rejeitos da mineração para produção de baterias menos nobres, como eletrônicos e na produção de cerâmica, otimizando os ganhos da empresa.
Além do tratamento da água poluída do Jequitinhonha, o que também beneficia a comunidade do entorno do projeto, a Sigma desenvolve iniciativas sociais na região, como o Volta ao Lar, que garantiu o retorno ao norte de Minas Gerais de pais de famílias da região que haviam deixado o local por falta de trabalho.
Hoje, segundo a executiva, esses homens já representam 60% da mão de obra do projeto. Também está investindo R$ 4,5 milhões na construção de duas mil cisternas para pequenos agricultores contra a seca. São reservatórios de água que vão ajudar na contenção das enxurradas, prevenção da erosão e agricultura sustentável. É até engraçado ver uma executiva com esse nível de consciência ser chamada de “hippie”.
Na verdade, todas as suas atitudes deveriam ser encaradas não como um exemplo exótico – de hippie –, mas, isso sim, como benchmark para outras empresas. Até porque o resultado das suas atitudes aparece agora elevando enormemente seu valor, a ponto de ser paquerada por Elon Musk e outros players do bilionário mercado de carros elétricos.
A opção pelo respeito às pessoas e o planeta, mesmo que isso acarrete em perda de receita momentânea, vem da crença de que atitudes como essa geram valor no longo prazo. Não me refiro a valor intangível, mas valor mensurável mesmo.
Uma empresa que age assim tem cada vez mais valor no mercado. Numa entrevista recentemente publicada na revista New Yorker, John Mackey, o lendário fundador da Wholefoods (adquirida em 2017 por Jeff Bezos) e corresponsável pela criação dos princípios do capitalismo consciente (ao lado do professor indiano Raj Sisodia) foi questionado sobre o papel do propósito e do lucro nos negócios, e se o primeiro poderia minar o último.
Ele respondeu: “O propósito é importante intrinsecamente, por si só. Quer gere lucro ou não, o propósito é importante. No entanto, o propósito engajado e autêntico também aumentará os resultados, mas é um fim em si mesmo. Tratar as pessoas gentilmente é um fim em si mesmo. Não é ou/ou. Não é uma troca. Propósito e lucro, não propósito ou lucro”.
É o que vem apregoando o consultor inglês John Elkington há tempos, por intermédio do seu conceito de triple bottom line, resumido, em inglês, por 3 Ps: Profit (lucro), People (pessoas), Planet (planeta).
Lucro e o cuidado com as pessoas e o planeta não são água e óleo. Ao contrário, de acordo com estudo da S&P, empresas sensíveis e conscientes lucram mais. Que sirva de exemplo!
Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
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