Em julho de 2019, Miriam Leitão foi desconvidada de participar da Feira do Livro de Jaraguá do Sul, por pressão de grupos bolsonaristas. Para termos uma ideia da gravidade da situação, o organizador da feira justificou a decisão de cancelar o convite por não ter condições de garantir a segurança da jornalista.
Não estamos falando de um lugarejo nos confins do mundo, onde tudo se resolve na bala, mas de uma cidade de cerca de 200 mil habitantes, um dos expoentes econômicos do estado de Santa Catarina.
Fato semelhante ocorre este ano, envolvendo a escritora Milly Lacombe e a 11ª Feira Lítero-Musical de São José dos Campos. Convidada pela organização, Lacombe teve seu nome vetado pelo prefeito da cidade, filiado ao PSD. A Associação para o Fomento da Arte e da Cultura, contratada pela prefeitura para a organização do evento, expressou que “a decisão foi tomada em comum acordo com a convidada”, visando a “preservar a integridade de todos os envolvidos”.
Mais uma vez é aventada, portanto, a possibilidade do uso de violência contra a escritora. E, mais uma vez, não estamos falando dos cafundós do Judas, mas de uma cidade que é a 19ª colocada no ranking do PIB nacional e a 3ª no estado de São Paulo.
Quando intelectuais são impedidos de participar de eventos culturais por sustentar opiniões divergentes dos poderes políticos, econômicos ou religiosos, por exemplo, isso deve acender um sinal de alerta em nossas mentes.
Trata-se do ensaio de uma tentativa de apropriação da opinião pública. O que, aliás, fique claro desde já, não é exclusividade do pensamento de extrema-direita, cabendo perfeitamente em governos totalitários de extrema-esquerda. No caso paulista, toda a curadoria do evento renunciou e parte dos convidados cancelou a participação.
O prefeito não se fez de rogado: simplesmente adiou o festival para data indeterminada. Provavelmente, vai deixar o assunto morrer, já que, pensando bem, o estímulo ao debate e à reflexão não é exatamente prioridade para gente vocacionada para a censura.
O Brasil precisa estar alerta para a proliferação de uma tendência, lançada no governo Bolsonaro, com o propósito de desmoralizar e demonizar a educação e a cultura, por estimularem a capacitação das pessoas para pensar com as próprias cabeças.
Esses dois casos são emblemas importantes para que se denunciem outros. É inconcebível que na democracia brasileira, tão exaltada, ainda se encontre ocasião para impedir, sob ameaça de violência, que expressões do jornalismo e da literatura se manifestem em eventos públicos.
Políticos ou determinados segmentos sociais não podem ser estimulados a impor os seus ideais, através da imposição de padrões que determinem o que é permitido ou não.
Naturalizar ocorrências como as de Jaraguá do Sul ou São José dos Campos é negligenciar com o direito da população à informação, à opinião plural, ao contraditório, ao debate, ainda que acirrado. A democracia não é uma acomodação.
A democracia é orgânica, é viva, e alimentada pelo permanente questionamento. Seu maior inimigo é o silêncio.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com