No ano em que a cidade de São Paulo comemorava seu quarto centenário, 1954, nascia no Rio de Janeiro, pelas mãos, competência e com o nome de seu fundador, a Gomes de Almeida Fernandes, anos depois, Gafisa. Assim, é, seguramente, a melhor testemunha de tudo o que aconteceu no mercado imobiliário do país nos últimos quase 70 anos.  Brilhou, ofuscou-se, construiu, vendeu, inovou, revolucionou, era a marca mais vista no topo dos edifícios pelos passageiros dos aviões que aterrissavam em Congonhas, e comprou um dos megassucessos do mercado imobiliário brasileiro, que foi Alphaville.

De 20 anos para cá mergulhou em decadência, e recentemente seu controle foi assumido por Nelson Tanure, 69 anos, baiano de Salvador, empresário e administrador de empresas, que se especializou em comprar empresas em dificuldades e trazê-las, quase sempre, de volta à vida. Dentre as incursões de Tanure, os destaques vão para o estaleiro Emag, mais adiante o Verolme, depois a Companhia Docas de Santos, em 2001 assumiu o controle do Jornal do Brasil, também da Gazeta Mercantil, em 2013 torna-se o principal acionista da petroleira HRT, que vira PetroRio, na sequência investe na Oi e arremata em leilão a Copel Telecom, em 2020. E de dois anos para cá concentrou sua artilharia na Gafisa, hoje sob seu controle.

Há um ano, diante de uma enorme expectativa, informava, em anúncio de página dupla no Estadão, a Nova Gafisa: Gafisa, sua plataforma de soluções para morar, conviver e investir. E no final do anúncio dizia ser, a partir daquele momento: “O maior marketplace do mercado imobiliário. É assim que estamos construindo o futuro. Mais do que construir prédios, criamos encontros, fazemos história”. E com o velho logo na assinatura, no formato de triângulo, antes do naming Gafisa, e tendo embaixo as palavras: “Incorporadora, Construtora, Propriedade, Viver bem, Capital”. Definitivamente, um tudo que não era nada.

A grande expectativa que existia frustrou-se. Seguiu sendo, pela generalidade, portanto, indefinição uma nau perdida num oceano de quase 70 anos de história, de picos, vales, abismos, sem uma definição clara do que verdadeiramente pretendia ser e fazer.

Em seu site, números exuberantes, tipo, já construiu o equivalente a 15% de toda a área da cidade de São Francisco, USA. O número de pessoas que hoje moram num Gafisa seria suficiente para encher 25 estádios de futebol ou lotar a Avenida Paulista, e por aí vai. E anos atrás, como comentei, chegou a ser dona no empreendimento Alphaville. Agora, um ano depois do anúncio, nas palavras de seu novo CEO, Henrique Blecher, que chega à empresa depois de Tanure comprar a empresa dele, Blecher, a BAIT, anuncia seus próximos movimentos.

Ao mesmo tempo que corre atrás para cortar em 30% uma dívida de R$ 2 bilhões que a empresa vem carregando, Blecher promete concentrar todas as baterias da empresa no território do luxo. Apartamentos a partir de R$ 3 milhões, com 2/3 dos novos lançamentos concentrados no Rio de Janeiro. Em paralelo já fez um corte no quadro funcional de 15%, fechou dois escritórios na cidade de São Paulo, e pretende alcançar um VGV em 2023 da ordem de R$ 3 bi. Dando sustentação a essa estratégia e reposicionamento, Blecher explica: “Nossa expectativa é que o Brasil vai melhorar. Com juros declinantes a partir de maio ou junho. Confiando que o Congresso fará uma oposição qualificada, governo responsável em termos fiscais, e inflação sob controle”. Será?

É assim que a Gafisa, a mais tradicional das incorporadoras brasileiras, ingressa em 2023, em busca da mais que aguardada recuperação de uma construtora que brilhou intensamente e durante décadas no mercado de imóveis do país. Pergunta, a Gafisa é de verdade uma nova Gafisa? Pelo retrospecto dos últimos anos, não.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
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