A série Adolescência, recém-lançada pela Netflix, vem provocando uma onda de reflexões profundas em diferentes esferas da sociedade — das rodas de conversa entre amigos e famílias, aos debates nas escolas e nas redes sociais. A produção escancara questões delicadas e urgentes sobre o universo emocional e comportamental dos jovens de hoje, evidenciando um abismo, muitas vezes invisível, entre pais e filhos. Muitos responsáveis têm se dado conta, com surpresa e até espanto, de que conhecem muito pouco sobre o que se passa na vida emocional de seus filhos — especialmente no ambiente digital, onde comportamentos ansiosos, tóxicos ou depressivos nem sempre são visíveis à primeira vista.

Ao trazer à tona essas tensões familiares e sociais, a série nos leva a uma pergunta essencial: o quanto os adultos realmente conhecem e acompanham a vida digital dos jovens e crianças sob sua responsabilidade? E mais: como estão se preparando para educá-los nesse novo território, que é, ao mesmo tempo, fascinante e cheio de armadilhas?

A ABA defende que, ao contrário de proibir o uso de telas para crianças, é preciso educá-las para o ambiente digital. Em um mundo midiático, globalizado e hiperconectado, é preciso que as crianças e adolescentes aprendem a lidar, de forma segura e saudável, com os mais diversos fenômenos sociais.

E para isso, é urgente que a presença dos adultos vá além da vigilância e caminhe para o acolhimento, o diálogo e a orientação consciente. Ao invés de proibir o acesso a dispositivos digitais, que é uma estratégia contrária ao contexto de uma geração nativa digital, é mais produtivo acompanhar e dialogar sobre o que elas estão assistindo e jogando.

Essa abordagem ativa não apenas ajuda a garantir que o conteúdo seja adequado, mas também permite que os pais identifiquem interesses, compartilhem experiências e ensinem habilidades de pensamento crítico, preparando-as para navegar de forma segura no mundo digital.

E isso se aplica também ao conteúdo publicitário voltado ao público infanto-juvenil – que deve sempre ser feito de forma responsável e com todos os cuidados redobrados tendo em vista a condição especial das crianças ainda em desenvolvimento.

Como Presidente do Comitê Jurídico da ABA, acompanhei de perto a atuação da entidade sobre o PL 2628/2022, que “dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais”, o qual a ABA participou com manifestação contrária ao seu primeiro texto que se mostrava colidente com as garantias constitucionais da livre inciativa, liberdade de expressão, informação e livre concorrência, ao então prever a proibição absoluta de qualquer publicidade ao público infanto-juvenil.

Como única entidade no Brasil que defende os interesses dos anunciantes e os representa, por meio do seu Pilar de Advocacy, a ABA sugeriu o aprimoramento ao texto do PL, aprovado por Comissão de Mérito do Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados. Posteriormente, a ABA foi convidada a participar de audiência pública sobre o referido PL, pelos membros da Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD), que tratou do substitutivo aprovado pela CCJ. Na ocasião, apresentei, em nome da ABA, um statement sobre o tema, no qual a entidade concordou que o texto substitutivo trouxe maior proporcionalidade à proteção da criança e adolescente no ambiente digital e harmonização com a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor.

A ABA tem enorme preocupação com as crianças e os adolescentes e está certa de que eles merecem proteção especial, o que não significa, porém, a exclusão de qualquer comunicação e do marketing responsável, bandeira essa defendida e propagada pela entidade constantemente. Dito isso, é vedado evidentemente o abuso da comunicação – como prevê o artigo 37, § 2º do CDC, que proíbe apenas a publicidade abusiva, analisada caso a caso, a fim de ser verificar se houve exploração de ingenuidade da criança e do adolescente.

A publicidade infanto-juvenil no Brasil é ampla e devidamente regulamentada. Além da CF, do ECA e CDC, temos no Brasil uma das melhores normas de autorregulamentação para o regramento da publicidade infantil (seja online ou offline), com obrigações de identificação da mensagem publicitária, respeito aos direitos as crianças e adolescentes, inúmeras regras emitidas pelo Conar e atualizadas com todas as legislações. Além disso, existe um extenso rol de restrições à publicidade infantil, em contínua atualização, que se aplicam integralmente aos ambientes digitais.

Na qualidade de cofundadora do Conar, a ABA também reconhece a enorme importância da autorregulamentação no regramento da publicidade infantil e participou da elaboração do Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais do Conar, que traz importantes orientações para o marketing responsável no ambiente digital.

Como exemplo, o Guia reforça que, na publicidade realizada por influenciador, haja cuidado redobrado e aprimoramento por todos os envolvidos na sua divulgação quando envolver crianças e adolescentes, devendo ser perceptível o seu intento comercial e destacada a distinção da publicidade em relação aos demais conteúdos gerados pelo influenciador. Há também a orientação de uso de uma camada adicional de proteção ao público infantil: não basta a identificação, deve haver a distinção do conteúdo para não induzir a criança em erro sobre a natureza publicitária da mensagem. Há também uma orientação específica para ações de conscientização, com ênfase na educação prévia dos usuários da rede, bem como sua capacitação e aprendizagem sobre os parâmetros para a publicidade responsável.

Seguindo essa linha de pensamento de que a educação e o diálogo são sempre os melhores caminhos para desenvolvermos cidadãos conscientes e responsáveis, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Governo Federal lançou no mês passado uma publicação que orienta sobre o uso saudável de telas por crianças e adolescentes: "Crianças, Adolescentes e Telas: Guia sobre Uso de Dispositivos Digitais".

A proteção das crianças e adolescentes no ambiente digital não pode ser construída com base em proibições extremas ou alarmismos descontextualizados. Ela deve ser fruto de uma ação conjunta entre famílias, educadores, poder público e mercado, sempre ancorada na educação, no diálogo e na responsabilidade. Além disso, monitorar o tempo de tela e o conteúdo consumido por crianças e adolescentes é essencial para entender seus comportamentos e promover um uso saudável da tecnologia. No âmbito do conteúdo publicitário, a ABA segue comprometida com o marketing responsável, promovendo uma comunicação ética, transparente e alinhada ao desenvolvimento saudável das novas gerações. Afinal, é no encontro entre cuidado e consciência que se constrói uma sociedade mais preparada para o futuro.

Ana Carolina Pescarmona é presidente do Comitê Jurídico da ABA