Ao ler a notícia das providências tomadas pelo Cannes Lions, a fim de preservar a integridade das premiações, fiquei pensando no quanto elas podem afetar o futuro do festival.
Entendo que os organizadores tenham ficado extremamente constrangidos com os miguelões que levaram. Ou, pelo menos, com o fato de as fraudes se terem tornado públicas.
Afinal, como disse em coluna anterior, a história do Festival de Cannes se confunde com a história das peças fantasmas, criadas e produzidas, para faturar Leões, muitas delas bem-sucedidas.
Vamos combinar que o verdadeiro problema este ano não foram os habituais fantasmas, mas alguém, sabe-se lá com que propósito, se ter dado ao trabalho de fazer uma denúncia extremamente bem fundamentada em termos de forma e conteúdo, e espalhado essa denúncia para todos os lados, deixando o Cannes Lions numa tremenda saia justa.
Retirar o Grand Prix e os Leões da agência foi, digamos, uma solução paliativa e, por que não dizer, relativamente injusta, ainda que uma resposta urgente necessária. Quem assegura, no entanto, que o miguelão ou miguelões premiados, da DM9, foram os únicos?
O Cannes Lions, quem sabe, terá punido um case denunciado, simplesmente por ter sido denunciado, e não necessariamente por compromisso com a lisura.
O repentino rigorismo anunciado para a próxima edição, até agora obviamente apenas uma teoria, de cuja eficácia na aplicação tenho muitas dúvidas, parece cumprir, em primeiro lugar, o papel de dar a impressão de que a organização terá sido surpreendida por fantasmas brasileiros. E, diante do escândalo, resolvido agir sob a inspiração de um ataque de zelo atrasado, incorporando uma espécie de espírito de “mulher de César”, mesmo correndo o risco de se enredar nele.
Os “cinco pilares do novo padrão de integridade” que o festival promete adotar em 2026 promovem uma verdadeira revolução nos processos de inscrição e julgamento dos cases.
Minha primeira impressão é a da sua quase impraticabilidade, tamanha a burocracia envolvida. Fico imaginando o tempo e a quantidade de gente necessários para que milhares de inscrições, provindas do mundo inteiro, sejam submetidas a tamanha fiscalização, distribuída em diversas etapas.
Isso sem ponderar a natural diversidade contida num conjunto de ideias que se pretendem originais, ou seja, muitas vezes sem parâmetros anteriores, e as variáveis a serem consideradas em seus diversos objetivos.
Digamos que o anúncio de uma triagem severa nas próximas inscrições pretenda, imediatamente, desencorajar novas investidas fraudulentas.
Afinal, encerrado o festival, recomeça nas agências a corrida atrás de ideias engenhosas para compor o pacote de peças criativas para o ano seguinte.
Embora cético, reconheço que o Cannes Lions precisava fazer e fez alguma coisa por sua reputação.
Deixo, mesmo assim, uma questão para ser considerada: qual será o impacto dessas medidas no faturamento do festival, ao levar-se em conta o nível de dificuldade que as novas barreiras criam para as inscrições?
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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