Vivemos tempos sombrios. O mundo parece ter regredido em conquistas sociais que pareciam consolidadas. Guerras sangrentas se arrastam sem solução à vista, governantes insensíveis ou abertamente xenófobos assumem o poder em diferentes nações, milhões de refugiados buscam acolhimento e, pior ainda, mais de 800 milhões de pessoas passam fome no planeta em pleno século 21.

A desesperança cresce. A confiança nas instituições políticas diminui. O medo, a divisão e a indiferença avançam. Diante desse cenário inquietante, ecoa a famosa frase de Martin Luther King Jr.: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Onde estão os bons? Quem falará em nome da razão, da empatia e da civilização quando tantos governantes se calam ou, pior, alimentam o ódio e a intolerância?

Surpreendentemente, uma resposta possível vem de onde menos se esperava: do mundo empresarial. Segundo a pesquisa global de confiança realizada pelo Edelman Group, a única instituição que ainda detém credibilidade junto à população é a empresa.

Nem governos, nem ONGs desfrutam hoje desse nível de confiança. Para 62% dos entrevistados, é papel das marcas e corporações liderar mudanças socioambientais urgentes. Essa constatação representa não apenas um privilégio para as empresas, mas uma responsabilidade histórica.

Se governos falham em proteger os vulneráveis, se as instituições públicas se mostram ineficazes ou desinteressadas, cabe às empresas preencher esse vácuo ético.

Não basta mais gerar lucro e distribuir dividendos; é imperativo gerar impacto positivo na sociedade, combater desigualdades, promover inclusão, sustentabilidade, diversidade e acesso a oportunidades reais.

Um exemplo recente e poderoso dessa nova postura empresarial foi premiado no Cannes Lions deste ano, com dois Grand Prix: o case ‘Three words’, da Publicis para a seguradora AXA.

A empresa incluiu, em suas apólices de seguro, uma cláusula inovadora que permite que mulheres vítimas de violência doméstica possam se divorciar de seus agressores sem o temor de perder o suporte financeiro do seguro familiar. Com a simples inclusão de três palavras — “e violência doméstica”— nos contratos de seguro de incêndio e inundação, por exemplo, as mulheres podem acionar essa proteção especial.

A iniciativa, retroativa a contratos existentes e sem custo adicional, não apenas oferece amparo real e imediato, mas também encoraja a denúncia e o rompimento do ciclo de violência, salvando vidas e resgatando dignidade.

Um exemplo brilhante de como uma corporação pode usar sua força para mudar realidades sociais profundamente injustas.

As empresas precisam abandonar o papel de espectadoras e assumir o de protagonistas na construção de uma Rede do Bem — uma aliança global de agentes econômicos conscientes de seu poder transformador.

Em vez de apenas vender produtos ou serviços, as marcas devem vender também esperança, soluções, dignidade. Devem ser a voz dos bons, aqueles que não aceitam calados a insensatez dos maus. Este não é um discurso romântico ou ingênuo. Trata-se de visão estratégica.

A sociedade exige esse compromisso. Consumidores, sobretudo os mais jovens, esperam marcas autênticas, que se posicionem claramente a favor de valores humanos universais. Tal expectativa se traduz em preferência de compra, fidelização e reputação positiva — ativos tão valiosos quanto qualquer resultado financeiro.

O silêncio das empresas, hoje, pode ser interpretado como cumplicidade. A omissão, como irresponsabilidade. Por isso, nunca foi tão necessário que lideranças empresariais assumam com coragem o papel que lhes cabe nesta encruzilhada histórica: liderar pelo exemplo, agir com coerência, investir em projetos de impacto social, influenciar cadeias produtivas, engajar colaboradores e consumidores em causas legítimas.

Porque, no fim das contas, o pior risco para a humanidade não é a ação dos maus. É o silêncio dos bons.

Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br